Dom Casmurro, versão erótica

Um conto erótico de Vuduu
Categoria: Heterossexual
Contém 2311 palavras
Data: 30/08/2004 13:54:06
Assuntos: Heterossexual

A noite das máscaras Personagens: Bentinho, Capitu e Escobar (de Dom Casmurro, romance de Machado de Assis) Em frente à penteadeira, Capitu terminava de prender o coque com as presilhas. Metodicamente, conferiu as mangas. Retificou algumas dobras amassadas. Com demasiada lentidão se ergueu. Toda manhã, ao se preparar para o cotidiano, tinha a sensação de comungar da árdua obrigação do mártir Atlas. Entretanto, ao sair dos aposentos, um acontecimento inusitado a surpreendeu ainda no corredor. Em sua direção, vinha a criada com um envelope vermelho em punho. - Senhora, encontrei essa carta enfiada por baixo da porta. - Uma carta assim tão cedo? De quem será? Que estranho não tem remetente Intrigada, Capitu rasgou a beirada do envelope. - Ora! É um convite, um convite para uma festa! - Sorriu. - Onde está Bentinho? - O senhor ainda está no gabinete. Trabalha desde cedo. - Vás chamá-lo. Digas-lhe que eu o aguardo para o café com uma surpresa. Afastando-se da empregada, Capitu dobrou a carta e introduziu-a num dos bolsos do aveludado vestido. À mesa, releu novamente o texto do convite e ficou a tentar adivinhar quem poderia ser o anônimo remetente. Delongou-se por minutos num prazeroso jogo de especulações. Por fim, pousou o envelope sobre a toalha branca. “Aposto que foi Escobar...”, concluiu, “ uma festa no Alto da Boa Vista? Ele é mesmo adorável!”. * * * * * * Naquela manhã, a floresta ainda se encontrava bastante arrasada, em virtude das últimas chuvas que tinham castigado o Rio de Janeiro. Havia um cheiro forte de terra revolvida. Galhos e molhos de plantas se acumulavam em pontos esporádicos do Andaraí. Atingindo a calçada, Escobar limpou as solas dos sapatos do barro. Na rua, passava uma carruagem. Um homem meio calvo, com óculos, barba e bigodes de pontas torcidas lhe acenou de dentro. Escobar respondeu-lhe educadamente, apesar de não o conhecer de fato. Após o transporte avançar ruidosamente, atravessou a pista de paralelepípedos. Tomou a direção de casa. Na varanda, encontrou o criado. Vendo o patrão adentrar o portão de grossas grades, o rapaz gesticulou. Escobar notou-lhe algo vermelho na mão esquerda. - Chegou uma carta para o senhor. Escobar pegou o envelope. Verificou dos dois lados. Constatou que não estava assinado. Com cuidado, descolou o papel. - Um convite para uma festa no Alto da Boa Vista. - Riu jovialmente. - Ah! Deve ter sido Capitu. No Alto da Boa Vista? Não foi lá onde eles passaram a lua de mel? O empregado trejeitou com os ombros. - Sim, deve ter sido Capitu. Há dias, reclamava que nunca mais voltaram lá. Sacando o relógio da algibeira, Escobar deu-lhe corda. Conferiu as horas. - Bom, de qualquer forma, a festa é à noite. Eu tenho ainda muito tempo para decidir se aceito ou não o convite. * * * * * * Após uma descida bem acidentada, o tílburi parou. Bentinho separou as cortinas e perscrutou o exterior. Abriu a porta. Afundou as botinas no solo enlameado. No semblante, havia um ar de estranhamento. Uma grade alta lacrava um terreno baldio à sua frente. - Cocheiro, estás certo de que é aqui? - Sim, meu senhor. Pelo menos, esse é endereço que está escrito no cartão. Enfadada, Capitu pôs as luvas e saltou. - Pode haver uma outra entrada. Por que não a procuramos? Ao fundo, relinchos cresceram acompanhados de um facho de luz. Em minutos, irrompia dentre as trevas uma carruagem, de onde apearam dois sujeitos pálidos. - Boa noite, senhores - Antecipou-se Bentinho, buscando contato. - Tens o convite? - Um dos homens perguntou de maneira brusca. - Como? - Admirou-se com a sequidão dos tratos. - Tens o convite? - Sim, tenho o convite. - Então, mostre-nos agora. Bentinho entregou-o aos indivíduos, que logo destrancaram o imenso portão. - Por gentileza - Fizeram uma vênia. O casal, então, fez menção de retornar ao tílburi, ao que um dos homens reagiu: - O único transporte que entra nessas terras é esta carruagem. Podeis dispensar o vosso cocheiro. - E como depois voltaremos para casa, meu caro? - Não te preocupes, senhor. Ele se encarregará disso. Capitu fitou o marido e esboçou um sorriso. Pediu-lhe num sussurro que aceitasse as condições em nome do entretenimento dos dois, uma vez que há muito já não se divertiam Os dois deram as mãos e seguiram para a carruagem. Depois de várias curvas e declives, avistou-se uma construção fartamente iluminada. Ao saltar, Capitu contemplou extasiada o inacreditável casarão que se lhe apresentou. Bentinho tomou-lhe o braço e conduziu-a na escadaria. Adentraram a casa. No saguão, deram com a pintura de um homem. Óculos e uma barba acrescida ao bigode cujas pontas faziam-se tais como vírgulas sob o nariz. Um outro par de empregados os recebeu. Dessa feita, contudo, um homem e uma mulher. Bentinho livrou-se da cartola. Capitu retirou a capa. Cada qual foi direcionado para uma porta específica, na companhia do recepcionista de mesmo sexo. Segundo o que lhes foi informado, teriam que trocar as vestes por fantasias e máscaras, para ficarem mais adequados à ocasião. O casal, então, se separou. Momentos depois apareciam Escobar e Sancha, sua esposa. * * * * * * Por entre as trevas, a máscara amarela caminhava pelo corredor. À frente, bem ao fundo, um fiapo de luz desenhava trechos do chão. Ao se aproximar da gênese luminosa, um som de vários instrumentos aumentou de intensidade. Na rota da música, deslocou-se até esbarrar numa porta. Por meio do tato, encontrou a maçaneta e girou-a lentamente. Entrou numa vasta sala, onde uma pequena multidão se aglomerava em grupos distintos. Vislumbrando o ambiente demasiadamente iluminado por incontáveis castiçais, a máscara arrojou os olhos, como se não pudesse crer no que estivesse vendo. Assustada, deu para trás, na intenção de voltar para o corredor. Uma máscara corpulenta barrou a porta. - Deixe-me sair! - Esforçava-se por ser ouvida na balbúrdia. - Impossível. Sairás daqui, somente quando Ele julgar o momento certo. - Ele? Quem é Ele? - O Anfitrião. - Cruzou os braços. - Agora, vá. Carpe diem. Tudo o que vês aqui está ao teu inteiro dispor. Aqui, tu poderás realizar as tuas fantasias mais secretas. A máscara amarela meteu-se no centro do burburinho. Estupefata com as cenas a que assistia, movimentava-se tal qual um animal acuado. Desviava-se de convivas que vinham saudá-lo. Estudava a disposição das pessoas, dos móveis, dos objetos. Paulatinamente, foi se acostumando ao ambiente, de maneira a só então depois de minutos poder distinguir as pessoas e os fatos. No andar de cima, um jirau de madeira sustentado por vigas de ferro galvanizado, uma máscara rosa, cujos braços e pernas estavam atados numa mesma corda, pendia nua de uma armação similar a uma forca. Os pelos pubianos, muito crescidos e crespos, cobriam negramente o sexo até o ânus arroxeado e contrastavam com as nádegas marmóreas, salpicadas de manchas vermelhas, hematomas, possivelmente em virtude da prática sado-masoquista que se desenvolvia com o parceiro musculoso. Ainda no segundo pavimento, uma máscara verde, sentada numa engenhoca excêntrica, se comprazia com penas de ganso que roçavam constantemente o seu clitóris, escondido por baixo dos pelos grandes e loiros, levadas em movimento circular pela engrenagem de onde brotavam e manipuladas através de pedais, enquanto uma máscara marrom se masturbava e lhe lambia os seios de bicos entumecidos. Mais acima, ao lado de um dos lustres, duas máscaras vermelhas, suspensas por um trapézio preso ao teto, se balançavam, uma com as coxas apoiadas nos ombros da outra, de maneira a vagina e boca se encaixarem perfeitamente, num sexo oral sôfrego e indissolúvel. Deitadas num divã, uma máscara preta introduzia seu membro descabido no ânus apertado de uma máscara laranja, que urrava ensandecidamente. Por trás de uma cortina branca, a um dos cantos mais escondidos, duas silhuetas se possuíam com frenesi. No centro da sala, um amálgama de cabeças, mãos, pernas, pés, dedos, bocas, coxas, braços, línguas, tórax e costas se esfregavam, se alisavam, em trejeitos alternados e descompassados. Dezenas de máscaras, reunidas num complexo arco-íris, fundiam-se em um só corpo cujos músculos e membros se retorciam de espasmos orgasmáticos. Uma máscara roxa sentava-se e erguia-se cadenciada sobre o pênis do parceiro. Ao lado, um pênis rijo foi masturbado até expelir um jato de sêmen. Cinco máscaras verdes lambiam suas vaginas entre si com voracidade. Uma máscara azul e obesa introduzia um enorme cilindro de madeira em seu ânus, ao mesmo tempo em que chupava e tinha o seu pênis chupado por outras. Espalhados pelo cenário, dedos friccionavam clitóris umedecidos. Três máscaras, entrançadas em triângulo, ritmavam os seus corpos suados. Com pernas e braços amparados na mesa de jacarandá, a máscara lilás era penetrada por outra na vagina, posicionada sob o seu corpo, e simultaneamente empinava a bunda, abrindo ao máximo suas nádegas, de modo a uma máscara vinho poder invadir totalmente suas entranhas. Atônita perante esse painel de inacreditável luxúria, a máscara amarela tentou buscar uma saída. Sondava as paredes que conseguia alcançar. Chegou a tomar a escada para investigar se não poderia haver uma porta no pavimento superior. E, em meio ao seu nervosismo, uma máscara vermelha aproximou-se e travou-lhe do braço. - Procuras algo? - Algo e alguém - Pois aqui não encontrarás alguém. Vês? - Indicou a sala em sua amplidão. - Aqui, só há máscaras. Todas podem ser qualquer uma. Não há diferenças entre elas. Aliás, a única diferença está no que tu imaginas. - Apontou para um cortina ao término do jirau. - Vem não precisas ter medo. * * * * * * Num lugar mais reservado da mansão, duas máscaras, preta e vermelha, perambulavam pelas trevas sem nem sequer dar conta uma da presença da outra. Distanciando-se das extremidades opostas do corredor, deslocaram-se até um ponto em comum, quando enfim se esbarraram. Os olhos então se fixaram mutuamente. Os lábios desenharam sorrisos de contentamento. Ambas as máscaras colaram-se num abraço, aparentando reconhecer-se. - Oh finalmente pensei que nunca fosse te encontrar nesse labirinto infernal! - A máscara preta fez menção de se desvendar, ao que foi impedida pelo interlocutor. - Não hoje nós somos apenas máscaras, meu amor apenas máscaras O par tateou pelas paredes e entrou na primeira porta que encontrou. Estava agora num estreito gabinete mobiliado somente com três estantes repletas de livros, uma escrivaninha e um sofá de braços roliços. As máscaras se demoraram num beijo ardente, despindo-se pouco a pouco. No chão, peças de roupa ficaram amontoadas. A máscara vermelha tomou a preta nos braços e a depositou de bruços sobre o braço do sofá. Descobriu sua nuca, separando cuidadosamente os compridos cachos do cabelo. Com o hálito abrasador, soprou-lhe as espáduas. Instantaneamente, a derme se eriçou num arrepio. A pele perolada das costas foi vagarosamente explorada pela língua, que, impiedosa, não deixava escapar um único trecho às suas ondulações, feito uma serpente ao se deslocar traiçoeiramente em direção à sua vítima. Atingindo as nádegas, a máscara vermelha passou a roçar as bordas do ânus com seus lábios. Espasmos musculares. Suspiros quebraram o silêncio. A máscara preta tentou virar-se de frente para o parceiro, mas foi detida nos punhos. Seu coração disparou de excitação. Arfou regozijada, ao sentir o ânus invadido pela língua quente, que forçava passagem por entre as suas entranhas. Em seguida, dedos passaram a boliná-la, deixando-a completamente umedecida. Quase sucumbiu ao prazer, quando seu clitóris começou a ser friccionado, num vai e vem tresloucado. A máscara preta, inflamada de prazer, suplicou para ser penetrada. O parceiro, entretanto, negou-se aos rogos. Prosseguiu em seu jogo sedutor, até levá-la ao primeiro orgasmo com sua boca. Em seguida, mantendo-a ainda de bruços, invadiu com o pênis inchado sua vagina já muito lubrificada com o gozo. A máscara preta se contorcia, jogava a cabeça para trás, rebolava sôfrega no membro do amante, que, agressivamente, enrolou duas longas madeixas suas nas mãos e simulou cavalgar num potro selvagem. Urros de prazer. Ranger de dentes. O odor de sexo tornava-se dominante no ambiente. Gozando pela segunda vez, a máscara preta foi atirada ao sofá, caindo voltada para cima. Já não tinha mais consciência do que lhe acontecia. Quase perdia os sentidos. Sentiu que ia desfalecer, ao ser novamente penetrada. As bocas tornaram ao beijo. Dessa vez, mais ávidas de prazer. Línguas se atacavam. Dentes, por vezes, se chocavam entre si. A máscara vermelha retirou seu pênis encharcado de líquidos vaginais e, apoiando os tornozelos da parceira nos ombros, violentou-a impaciente no ânus, sem ceder sequer um instante ao seu desespero de dor. A máscara preta chorava. Esforçava-se debalde por se libertar daquela posição. E, muito embora tivesse a sensação de estar sendo dilacerada, muito embora não suportasse tamanho sofrimento em suas carnes, gozou pela terceira e última vez num orgasmo tão violento, que acabou por desmaiar. * * * * * * Meses mais tarde, após a festa no Alto da Boa Vista, Bentinho, ao vasculhar o sótão em busca de algum objeto perdido, encontrou despropositadamente uma máscara vermelha, escondida ao fundo de um velho baú. Com o achado, sua alma se felicitou. Por instantes, deixou-se subjugar por uma sensação de nostalgia, degustando mentalmente os momentos vivenciados na inesquecível noite. Lembrou-se da mulher mascarada. De cada loucura praticada. Sentiu-se tolo por ter-se julgado na época um adúltero, pois, recordando agora, via que aquela mulher só poderia ser mesmo Capitu, para domar com tanta segurança e destreza o seu corpo, o seu desejo, os seus temores. Pediria a esposa que num dia desses usasse a máscara novamente. Abdicando do objetivo inicial que o havia levado ao sótão, Bentinho ali permaneceu embriagado de lembranças até que a criada o veio chamar para a refeição noturna. Sua memória funcionava tal como a caixa de Pandora, depois de aberta. Todos os instantes passavam espontaneamente em revista. Via os detalhes com clareza. As cenas. Os gemidos. Os sussurros. Os orgasmos. De repente, sua consciência interrompeu o deleite das imagens relembradas. Como num rompante, Bentinho passou a tentar forçar sua mente na intenção de reconstituir para si próprio como a máscara houvera parado no baú. Não se lembrava de a ter trazido consigo. Todavia, por não conseguir formular uma boa explicação, resolveu deixar por ora tais reflexões de lado e seguiu para a sala de jantar, não obstante a partir de então começasse a suspeitar de tudo e de todos.

E-mail= jintai@bol.com.br

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