21 de março. Começa o outono. Temos quatro meses para pular os Andes, antes do inverno, e atravessar as Américas, a fim de chegarmos ao Alasca em pleno verão do hemisfério norte. As árvores serão, a partir de agora, as grandes vedetes dos nossos artistas da expedição.
Grupo uniformizado, realmente, impõe respeito. O fato de estarmos sempre vestidos com t-shirts, camisas, calças e bonés iguais (tudo by Osklen), enquanto em algumas fronteiras são parados carros de passeio com famílias, o nosso Jeep com 800 quilos de bagagem passa sem sermos incomodados. E já chegaram até a nos bater continência!
Marco Antônio fotografa, Pedro filma e eu escrevo. Cada um faz o que gosta e o que sabe (ou o que pensa que sabe!). Mas, quanta paisagem eu teria fotografado, e que Marco Antônio desprezou? Quanto comentário Pedro teria redigido, e eu não registrei nenhuma linha? Quantas fotos não foram devidamente valorizadas pelo Pedro? Porém, o importante é que quem vem nos acompanhando nesta viagem fique satisfeito com nossas fotos, filmes e relatos.
Um dos nossos muito inquisidores sobre o roteiro e a finalidade de nossa viagem comentou, talvez com despeito ou inveja:
- Que desperdício de tempo!
Lembrei-me do Vinicius que, em um dos versos de um dos muitos de seus poemas musicados dizia "saber ganhar dinheiro com poesia", e respondi:
- Estamos gastando tempo com poesia!
Marco Antônio é o comandante. Verifica em cada saída a colocação das bagagens, acompanha o serviço nos postos, e na estrada não deixa ninguém passar dos 80. Exige compostura na apresentação, controla as despesas e mantém o bom humor constante. É um chefe.
Quem merece também menção honrosa é o nosso Jeep. Carregando 800 kg de bagagem, e três brasileiros querendo chegar ao Alasca, em mais de dez mil quilômetros só exigiu combustível. Só mesmo um Jeep.
Nas portas do Jeep tem quatro nomes com os respectivos tipos sanguíneos os de nós três, e o de Sérgio Caju Malta que não viajou, mas "deu muito sangue "para esta viagem sair.
Pedro, para um rapaz de vinte anos, é uma revelação prestativo, eficiente, e sempre de bom humor. E como cozinheiro, realmente, está mesmo muito bem intencionado trouxe até duas colheres de pau: uma para preparar pratos salgados, outra para doces, pois pretende fazer brigadeiro!
Da Foz
Os da terra se referem à cidade simplesmente como Foz, mas o gentílico é iguaçuano.
Nos sinais de trânsito, na entrada da cidade, nosso Jeep é cercado pelos agenciadores meninos que, em vez de estarem vendendo drops, oferecem e encaminham os turistas para os hotéis sedentos dos recém-inchados pesos e guaranis.
Nos hospedamos no Royal Park Hotel, na avenida das Cataratas. Quartos bons, comida ruim. No check-out, cartão com ágio de 10% e dólar com deságio de 10%. Nome do dono do hotel: Fuad.
Acredito que poucas cidades no mundo tem, como Foz, numa mesma placa de transito urbano indicação de saída para dois países diferentes, no caso, Argentina e Paraguai.
Nota dez. Os sinais de trânsito funcionam parecido com os usados nas partidas de Fórmula Um luzes verdes vão se acendendo em série, até aparecer a vermelha, e vice-versa.
Nota zero. A orgia de quebra-molas. Em todas as avenidas e ruas há sempre um para atrapalhar o bom humor. Aliás, por que esta excrescência da engenharia de transito não é colocada obliquamente em relação às calçadas, a fim de, pelo menos, passar uma roda de cada vez, e evitar os trancos?
Nas Cataratas, um festival Sony, e de outras marcas "menos votadas". Enquanto uns usavam a grande angular para filmar as quedas d'água, outros colocavam a zoom para close de joaninhas rubro-negras e multicoloridas borboletas.
O Marco das Três Fronteiras não representa o vértice dos limites dos três países. Cada qual tem o seu, em seu território. O do Brasil numa elevação localizada onde a margem direita do rio Iguaçu se junta à margem esquerda do Paraná; o da Argentina na margem esquerda do Iguaçu, e o marco paraguaio no lado de lá do Paraná. O verdadeiro vértice das três fronteiras é o encontro do talveg dos dois rios.
Cada personalidade ilustre que visita Itaipu, e todos os funcionários que completam 15 anos de casa, plantam uma árvore perto do mirante do vazadouro. Aos vencedores na batalha da vida e da batalha pela vida, a Natureza agradece. Breve um bosque, certamente de bons fluidos, surgiráAviso aos carreteros
Ao fazer as malas anote (fora delas, evidentemente) tudo que tem dentro de cada uma. Evitará, ao procurar algo, encontrar o que quer sempre na última...
Na hora de escolher onde pernoitar, lembre-se que nos campings a diária é multiplicada pelos acampantes, enquanto nos hotéis o preço do quarto é dividido, proporcionalmente, é claro, pelo número de hóspedes.
Quando se pretende levar todos os remédios para todas as possíveis doenças que possam acontecer a todos os integrantes durante uma longa viagem, a "farmacinha" vai sair por quase mil dólares, e ainda está sujeita a problemas climátícos e alfandegários. Mesmo se o seguro saúde não cobrir as consultas, ainda assim, vai ficar mais barato procurar numa emergência um médico local, e comprar a receita devida. Band-aid, escova de dentes e algodão se encontra para comprar em todo lugar.
Atenção quando dirigir carro com muita carga no bagageiro. Você freia...mas a carga continua; você faz a curva...mas a carga segue em linha reta. É a tal de uma leizinha chamada força da inércia.
Por favor! Vindo para a Argentina por terra, poupe espaço no seu carro não trazendo comida. Aqui, nos super-mercados das pequenas cidades, e nos minis dos postos de gasolina, tem de tudo! Mesmo que venha pagar a mais, não haverá desperdício, e vai consumir sempre alimentos frescos.
TERRITÓRIO DAS MISSÕES
Santo Inácio de Loiola fundou a Companhia de Jesus em 1534 com a missão de educar e catequizar. No Brasil, o Colégio Santo Inácio, no Rio, e o Colégio São Luiz, em São Paulo, mostram ainda hoje o êxito no mister de ensinar. Na catequese, no entanto, o sucesso foi tão grande que a inveja e cobiça despertadas nas cortes européias acabou por destruir todo o trabalho dos catequistas.
Como na costa leste da América do Sul não havia as riquezas encontradas nos impérios inca e azteca, não houve o genocídio praticado pelos colonizadores para roubá-las, e foi possível uma simbiose das culturas jesuítica e guarani.
Até a primeira metade do século XVIII, alcançaram um equilíbrio perfeito entre a vida econômica e religiosa, tornando-se cada vez mais independentes de Roma e das cortes ibéricas. O lema "casas iguais, agricultura comum e religião única" assustava o Vaticano e os reis.
O fato de as missões pertencerem também a seus habitantes indígenas, entre eles ser distribuido os bons resultados, e formarem uma milícia própria para combater os traficantes de escravos, constituia para os colonizadores um "desrespeito ao direito de propriedade".
Os jesuitas vieram a sofrer violentas perseguições devido a extinção do hábito, a posições teológicas conflitantes com Roma, e ao prestígio e influência junto aos reis.
Numa região no alto rio Paraná, os padres da Companhia de Jesus criaram uma verdadeira nação, o Território das Missões, povoada por cerca de cem mil guaranis - oito reduciones em território hoje paraguaio, quinze na atual Argentina, e em terras brasileiras os famosos Sete Povos das Missões. Esse Território, inicialmente pertencia à Espanha, mas pelo tratado de Madri, passaria para o domínio português. Em contrapartida, a Colônia de Sacramento, que tanto sangue custara aos colonizadores dos brasileiros, voltaria para o domínio espanhol ficando, assim, com a navegação exclusiva do Rio da Prata.
Os portugueses, porém, queriam receber as reduciones sem dividir nem o poder com os jesuitas, nem a propriedade com seus habitantes. Os selvícolas, por sua vez, também não aceitariam nem a determinação de serem transferidos para outros locais dentro de território espanhol, nem abandonar os domínios da coletividade por eles construído.
Só com a expulsão dos jesuitas, a mando do Marquês de Pombal, em 1760, os guaranis, agora desamparados, foram obrigados a abandonar as missões e "ficarem livres para serem escravos".
E poucos anos depois, Madri também bania os jesuitas, pelo Real Decreto de 1767:
"...com motivo de las ocurrencias passadas he venido en mandar se extrañarem de todos mis dominios de España e India, Islas Filipinas y demas adyjacentes a los religiosos de la Compania..."
Era o fim das Missões na América do Sul. Seus bens foram delapidados. Os encomendadores espanhóis ficaram com as terras; os bandeirantes portugueses com a mão de obra escrava; e os concesionarios de permisos de vaquerias de Buenos Aires e Santa Fé com o gado da região.
Aqui no Brasil, em São Miguel (tombada pela Unesco), São João Batista, São Lourenço das Missões e São Nicolau há ruinas e vestígios de algumas construções destruidas. Santo ngelo, São Borja e São Luís Gonzaga são cidades gaúchas reminiscentes dos Sete Povos da Missões.
No Paraguai, a pouco mais de 200 km da capital, encontra-se San Ignacio, a primeira das oito ruinas das missões paraguaias. A alguns quilômetros adiante estão localizadas as de Santa Rosa e Santa Maria da Fé, onde ainda se encontram várias casas do período colonial.
A atual cidade de Encarnación absorveu a redución do mesmo nome localizada às margens do rio Paraná. Nas ruinas de Trinidad e Jesus ainda se pode observar a argamassa formada de pó de osso de animais, conchinhas moídas e terra amarela com a qual eram construidos os edifícios.
Os argentinos conservaram o nome de Missiones à província onde floresceu até meados do século XVIII as reduciones administradas pelos jesuitas. San Ignacio de Mini, a maior delas, no meio um elegante parque, ainda conserva seus edifícios coloniais em arenito, embora já cobertos de musgo, rodeando uma catedral decorada com esculturas indígenas representando anjos e estrelas.
Atualmente, o território que abrangia as 30 aldeias ocupakm2 de terras brasileiras,km2 do Paraguai ekm2 de solo argentino.
O filme A Missão, estrelado por Roberto de Miro, retrata um episódio histórico acontecido nesta ocasião, e o romance Consul Honorário, de Graham Green, tem como cenário esta região.
Enfim, gozei loucamente como um Touro Selvagem!
Espero q tenham gostado do meu conto.