Quando a Inocência Acaba!
Conto escrito por Marcus Brombila.
Tem dias que a gente se sente menos, gente....
Chove lá fora, grossas gotas de cristal batem forte contra o vitrô. Pela persiana aberta entre um cheiro bom, de terra molhada, grama cortada e flores que se abrem no jardim.É primavera, estação das flores,amores e paixões.Tento não pensar nos meus medos, nas coisas estranhas que acontecem quando eu olho pela janela do meu quarto e enxergo aquele garoto de sorriso franco,de cabelos ruivos e cara sardenta com quem cresci, brincando sob os arvoredos no pátio lá de trás.Ah, meu Deus,o que sinto dentro do meu peito quando o vejo lá,de bermuda e sem camiseta quando volta do treino de futebol,e lá mesmo no jardim, que ele pega uma mangueira e abre a torneira, deixando que a água escorra em sua pele branquinha . Ah , meu deus ! O que sinto pelo meu melhor amigo, isso não está certo eu e ele somos homens,e homens não podem se sentir assim por outros homens....
Já se passaram quase dois anos daquela tarde chuvosa de primavera, as flores e arbustos do jardim aqui de casa cresceram, eu e Rafael também crescemos muito nestes dois anos.Nos tornamos homens, ele bem mais alto do que eu,com um corpo de dar inveja,talhado pelo futebol e outros esportes que pratica diariamente e pela musculação,que molda cada músculo do seu ser.Eu continuo com meu jeito de garoto, sempre disposto a ajudar a todos,sou uma espécie de conselheiro da turma na escola,mas sou o oposto do Rafael,sou gordinho,uso óculos e meus cabelos estão sempre em desalinho.Mesmo sendo o conselheiro que ajuda a todos, vivo somente para Rafael.Sei agora o que sinto por ele, ainda somos grandes amigos,mas há uma certa distancia que me faz sofrer as vezes,pois sinto-me mau quando o vejo com sua namorada ou com as gatinhas que pega quando vamos numa balada.Sei que o amo mais do que a minha própria vida, daria ela de bom grado se ele me pedisse.Agora compreendo aquilo que senti naquela tarde chuvosa de primavera, aquela dor no peito e a ânsia de chorar;era amor.Sim, AMOR, profundo amor.Eu estou apaixonado por ele, queria beijar sua boca,tocar seu corpo como fazia nas brincadeiras de infância,sentir sua pele em contato com a minha,como fazíamos nas brincadeiras de luta no campinho.Eu o sentia excitado, eu também me excitava,como era bom aquilo.Mas o tempo passou e nós crescemos, eu intelectual e ele esportivo,opostos gostos mas nossa amizade continuava do mesmo jeito que ela era quando éramos apenas dois garotos que brincavam livres no campinho.
Rafael entrou apressado na sala, senti seus passos firmes fazendo o barulho característico do tênis que usava.Ele me olhou por uns instantes, e vi pelo seu olhar que alguma coisa estava acontecendo em sua casa,mas eu não podia atinar o que era naquele momento,ele simplesmente me disse:
-Cara vamos sair daqui? - Vamos caminhar um pouco, não agüento mais ficar vendo minha casa,meu velhos a porcaria da rua,da cidade!!!!
Naquele momento eu não conseguia compreender o que Rafael queria dizer com tudo aquilo.Eu nunca o tinha visto tão transtornado, parecia que era outra pessoa.E eu concordei, saímos dali,caminhamos alguns quarteirões e nos sentamos numa mureta perto de uma parquinho que havia ali,um daqueles parquinhos decadentes,onde os brinquedos estão mais quebrados e somente algumas mães ainda levam seus pequenos para brincar ali.Então Rafael começou a chorar do nada, eu pensei comigo,o que será que ele ta sentindo meu Deus.Era um choro reprimido, quase entrei em pane também,mas tinha que segurar a barra para que ele se sentisse bem comigo.Fui o acalmando lentamente,dizendo a ele que podia abrir seu coração comigo,e sem querer o abracei como fazia quando éramos dois fedelhos,e ele também me abraçou apertando forte e sem querer eu e ele roçamos nossos lábios e algo mágico aconteceu.Nós nos beijamos apaixonadamente, sem se importar se alguém nos visse ali sentados naquela mureta,em plena rua.Foi um beijo molhado, eu sonhei tanto em minhas noites insones com um beijo assim,molhado, longo e apaixonado.Ficamos não sei por quanto tempo nos beijando, para mim o tempo havia parado naquele momento,os ponteiros do relógio pareciam andar para trás,e em minha mente as lembranças passavam rapidamente,nós dois brincado na grama,nossos corpos se tocando,tudo.Nos desprendemos e ele olhou-me dentro dos meus olhos, e falou:
-Eu te amo cara, mas não sei se tu vai me compreender.Sempre te amei,desde pequeno sempre te amei cara.E eu ali, simplesmente o enlacei em meus braços e disse:
-Cara, eu sofri nestes últimos dois anos calado, sempre te vendo com as garotas,com tua namorada,mas quando eu te via beijando ela,eu me imaginava ser ela para sentir teu corpo,teu beijo.Sim Rafa , eu sofri calado,sempre te amando sozinho e agora eu sei que tudo isso poderia ter acontecido antes,mas não sei se seria do jeito que estamos começando hoje.Eu sempre vou te amar Rafa.
Ficamos ali de mãos dadas, sentados vendo o sol se por.E eu sabia que algo de novo iria surgir de nossas vidas, não sei se seria bom ou mau, simplesmente deixaríamos que a vida nos levasse em seu caminho, como duas folhas seguem a corrente de um riacho.
Marcus Brombila, 27 de maio de 1998.