Anatolia é uma mentirosa que não pode suportar ver o próprio rosto refletido em um espelho. Ela tem um sorriso que proclama sua sensualidade, relâmpa¬gos nos olhos, uma boca ávida, o olhar provocante. Mas, em vez de ceder ao seu erotismo e assumi-lo, ela se envergonha dele. Afoga-o. E todo aquele desejo e luxúria crescem dentro dela e destilam os venenos da inveja e do ciúme. Onde quer que a sensualidade desa¬broche, Anatolia a odeia. Tem ciúme de tudo, dos amores de todos. Sente ciúme quando vê casais se beijando nas ruas deSão Paulo, nos bares, no parque. Fita-os com um estranho olhar de raiva. Gostaria que ninguém fizesse amor, porque ela não é capaz de fazê-lo.
Comprou uma camisola de renda negra igual à minha. E foi para o meu apartamento passar algumas noites comigo. Disse que comprara a camisola para uma amante, mas reparei que a etiqueta com o preço ainda estava presa nela. Era uma mulher arrebata¬dora, cheia de corpo, os seios aparecendo no decote da blusa branca. Vi sua boca voluntariosa entre¬aberta, o cabelo cacheado a formar uma coroa sel¬vagem em torno de sua cabeça. Cada gesto seu era de desordem e violência, como se uma leoa tivesse en¬trado no meu quarto.
Começou por afirmar que odiava meus namorados, Fernando e Miguel
- Por quê? - perguntei.
- Por quê?
As razões dela eram confusas, inadequadas. Fi¬quei triste. Aquilo significava encontros secretos com eles. Como eu poderia distrair Anatolia, enquanto ela estivesse em São Paulo? O que desejava?
- Somente estar com você.
Assim, nos vimos reduzidas à companhia uma da outra. Sentávamo-nos nos bares, fazíamos compras, caminhávamos.
Eu gostava de vê-la se arrumar para a noite, o rosto tão cheio de vida. Anatolia não se harmonizava com a delicadeza de São Paulo, com os bares. Tudo nela lembrava a floresta africana, orgias, danças. Mas Anatolia não era uma pessoa livre, capaz de se deixar varrer pelas vibra¬ções naturais do amor e do desejo. Se a sua boca, corpo e voz eram feitos para a sensualidade, o verdadeiro fluxo dessa sensualidade ficava paralisado dentro dela. Entre as pernas ela tinha sido empalada por um rígido mastro de puritanismo. Todo o resto de seu corpo era solto, provocante. Tinha sempre a aparência de ter saído segundos antes da cama onde estivera com um amante, ou de que estava prestes a ir se deitar com um. Tinha olheiras e era tremendamente inquieta; impaciência, energia e avidez desprendiam-se como fumaça de todo o seu corpo.
Fez tudo o que podia para me seduzir. Gostava de nossos beijos. Prendia minha boca com seus lábios, se excitava e depois fugia. Tomávamos café juntas. Ela ficava deitada na cama e erguia a perna para que, de onde estivesse sentada, eu pudesse ver seu sexo. Quan¬do se vestia, deixava-se ficar nua por um momento, fingindo não ter percebido que eu entrara no quarto.
Nas noites em que Fernando vinha me ver, havia sem¬pre uma cena. Anatolia tinha que dormir no quarto que ficava em cima do meu. Na manhã seguinte, acor¬dava doente de ciúme. Fazia com que eu a beijasse na boca vezes sem conta, até que ambas ficássemos exci¬tadas, e aí se detinha. Gostava daqueles beijos sem clímax.
Saíamos juntas, e eu admirei a mulher que es¬tava cantando num pequeno bar. Anatolia ficou bêbada e furiosa comigo. Disse:
- Se eu fosse um homem, mataria você.
Fiquei irritada. Ela chorou e disse:
- Não me abandone. Se você me abandonar eu estou perdida.
Ao mesmo tempo, discursava revoltada contra o lesbianismo, dizendo que era revoltante e que não permitia nada senão beijos. Suas cenas estavam me deixando cansada.
Quando Carlos a viu, disse:
- O problema com Anatolia é que ela é um homem.
Prometi a mim mesma que iria tentar descobrir, quebrar a resistência dela de um jeito ou de outro. Mas nunca fui muito boa em seduzir pessoas que re¬sistissem. Prefiro que desejem, que cedam.
Quando Carlos e eu íamos para o meu quarto à noite, tínhamos medo de fazer qualquer barulho que ela pudesse ouvir. Eu não queria magoá-la, mas odia¬va suas cenas de frustração e o seu ciúme.
- O que é que você quer, Anatolia, o que é que você quer?
- Quero que você não tenha amantes. Odeio quando a vejo com homens.
- Por que é que você odeia tanto os homens?
- Eles têm uma coisa que eu não tenho. Eu que¬ria ter um pênis para poder fazer amor com você.
- Há outros modos de se fazer amor entre duas mulheres.
- Mas eu não quero, eu não quero. Um dia eu a convidei:
- Por que é que você não vem comigo para visitar o Miguel? Quero que você conheça sua tenda de explo¬rador.
Miguel tinha me dito: "Traga-a, eu a hipnotizarei. Você verá".
Ela consentiu. Fomos até o apartamento dele. Miguel estivera queimando incenso, mas um incenso que eu não conhecia.
Anatolia ficou bastante nervosa quando viu o am¬biente. A atmosfera erótica a perturbou. Sentou-se no sofá forrado de pele. Parecia um belo animal, um que valia a pena capturar. Pude ver que Miguel que¬ria dominá-la. O incenso estava nos deixando ligei¬ramente tontas. Anatolia quis abrir a janela, mas Miguel se aproximou, sentou-se entre nós e começou a falar com ela.
Sua voz era delicada e envolvente. Ele contou histórias de suas viagens. Vi que Anatolia estava ouvindo, que tinha parado de se mexer e de fumar sem parar, que se recostara e sonhava com suas histórias inter¬mináveis. Seus olhos estavam semicerrados. Por fim, adormeceu.
- O que foi que você fez, Miguel? - perguntei, sentindo bastante tontura.
- Queimei um incenso japonês que produz so¬nolência - disse ele, sorrindo. - É um afrodisíaco. Não faz mal algum. - O sorriso dele era travesso. Eu ri.
Anatolia não estava totalmente adormecida. Tinha cruzado as pernas. Miguel trepou por cima dela e ten¬tou abri-las delicadamente com as mãos, mas conti¬nuaram fortemente cerradas. Aí, então, ele enfiou o joelho entre as coxas dela e abriu-as. Fiquei excitada ao ver Anatolia tão passiva e aberta. Comecei a acariciá-la e despi-la. Ela sabia o que eu estava fazendo, mas es¬tava gostando. Conservou a boca colada à minha, os olhos fechados, e deixou que Miguel e eu tirássemos toda a sua roupa.
Seus seios grandes cobriram o rosto de Miguel. Ele mordeu-lhe os bicos. Ela permitiu que Miguel a beijasse e acariciasse os seus seios. Anatolia tinha nádegas maravilhosas, firmes e redondas. Miguel continuou a forçar suas pernas para mante-las bem abertas e a mor¬der sua carne macia, até que ela começou a gemer. Não teria nada senão o seu pênis. Assim, Miguel a possuiu e, quando ela o tinha satisfeito, quis fazer amor comigo. Ela se sentou, abriu os olhos, obser¬vou-nos por um momento, meio na dúvida, e então tirou o pênis de Miguel de dentro de mim e não per¬mitiu que ele o introduzisse de novo. Atirou-se sobre mim tomada por verdadeira fúria sexual, acarician¬do-me com a boca e as mãos. Miguel a possuiu de novo, por trás.
Quando saímos pela rua, Anatolia e eu, cada .uma segurando a cintura da outra, ela fingiu que não se lembrava de nada do que tinha lhe acontecido. Eu deixei. No dia seguinte, Anatolia foi embora de São Paulo.