A Pantera Negra

Um conto erótico de Tio Flor
Categoria: Heterossexual
Contém 3518 palavras
Data: 18/02/2006 18:00:00
Assuntos: Heterossexual

A Pantera Negra

Eu e meu marido já estávamos casados há cinco anos quando decidimos adotar uma criança. Éramos jovens, bem situados financeiramente, morávamos com ótimo padrão de vida numa pequena cidade do interior e eu não conseguia engravidar. Foi assim que Adelaide entrou em nossas vidas, com um ano de idade. Era uma mulatinha linda, de cabelos lisos e olhos verdes claros, talvez com mestiçagem negra, indígena e européia.

Demos a Adelaide tudo o que havia de bom. Ela estudava no melhor colégio da cidade, usava roupas caras, praticava todos os esportes oferecidos no clube, até mesmo a capoeira, novidade trazida por mestre Olavo, recém-chegado da Bahia. Nunca escondemos dela sua condição de adotada.

Quando ela chegou aos 18 anos, era uma mulher belíssima, disputada por todos os rapazes da cidade e da região. Mas ela não dava a menor atenção para eles. Dizia que eram uns moleques caipirões. Estar diante de Adelaide era contemplar uma das mais perfeitas expressões do corpo feminino: era alta, tinha seios grandes, lábios e nariz finos. Sintetizava tudo o que eu desejara ser na minha juventude e não fui.

Foi justamente quando Adelaide completou 18 anos que eu percebi que surgira nela um vulcão de sensualidade que nunca havia se manifestado antes. Ao descer para o churrasco de aniversário com os amigos, no quintal da nossa casa, exibia aquelas pernas roliças, perfeitas, dentro de uma bermuda curta, usava uma camiseta bem justa e semi-transparente, que deixava ver o sutiã, e calçava havaianas brancas. Os pés eram formosos e bem tratados. Adelaide era um mulherão de enlouquecer os homens. Isto me deixava muito preocupada. Eu pensava: o que farei com essa moça? Como a encaminharei para um bom casamento? Os perigos são muitos. Será que ela terá um futuro nesta cidadezinha? Será que a mando para fora? Mas aí, longe dos nossos olhos, os perigos são ainda maiores. O fato é que a vida provinciana não era nada promissora para minha Adelaide.

Enquanto eu tentava encontrar solução para essas dúvidas, surgiram como bombas na cidade relatos envolvendo uma mulher que se vestia de negro dos pés à cabeça, usava uma máscara que só deixava ver os olhos e os lábios e estava seduzindo homens bem casados. Ela marcava encontros furtivos com esses homens às altas horas da madrugada e se entregava a eles. O sexo era tão selvagem e tão bom que eles queriam mais, se dispunham a dar a ela todo o dinheiro que quisesse e a abandonar seus lares para se entregarem a uma vida de prazeres ao seu lado. A tal mulher aceitava o dinheiro, pedia mais e mais, e, quando o homem estava enlouquecido e viciado no sexo, ela dizia que não o queria mais, que estava enjoada, ordenava que voltasse para a mulher e os filhos. Como o sujeito insistia, ela usava de violência: parece que lutava capoeira muito bem. Aplicava-lhe um golpe de pernas e o deixava estirado no chão. Um deles tentou usar o revólver e se deu mal, pois ela o desarmou e lhe deu uma surra humilhante. O pior é que alguns sujeitos estariam ficando loucos mesmo e abandonando mulher e filhos, desiludidos pela impossibilidade de continuarem a fazer sexo com a mascarada.

No começo, essas histórias pareciam invencionice do povo, como houve, no passado, a loira da gilete que assediava os meninos no banheiro. A questão é que amigas muito próximas começaram a nos relatar que os maridos estavam frios com elas e não faziam a menor questão de esconder que haviam conhecido a melhor amante de suas vidas: a mascarada. Vários casamentos sólidos estavam às portas do fim. Wagner, um ex-colega meu de escola, foi retirado pela Polícia da praça central. Ele gritava: “Pantera Negra, eu estou aqui! Eu sou teu! Volte pra mim!” Precisaram medicá-lo. A partir desse incidente, todos na cidade passaram a chamar a mascarada de Pantera Negra.

Não havia conversa de homens e marmanjos na cidade que não fosse sobre essa mulher poderosa e seu sexo que fazia os machos gemerem de gozo. Eu tenho certeza de que todo homem da cidade, solteiro ou casado, e todo adolescente, sonhavam em se tornar um dos felizardos e ser convidado pela Pantera Negra para uma noite de orgia com ela.

Todas nós estávamos aflitas. “Quem é essa víbora que apareceu por aqui para destruir as nossas famílias?” – perguntávamos. Fizemos reuniões para decidir o que fazer a respeito. Até novenas fizemos, e mandamos rezar missas para que aquela enviada do demônio desaparecesse de nossas vidas.

Numa das reuniões, um chá das cinco na minha casa, Adelaide estava presente. Parecia desinteressada e zombeteira, mas interpretei como sintoma natural da juventude. Num determinado momento, eu virei para ela e disse: “Adelaide, você não está dando a devida importância a um assunto que é muito sério. Essa mulher é perigosa, deve andar armada. É bem possível que seja uma psicopata. Você está correndo perigo, um perigo que eu nunca seria capaz de imaginar em lugar nenhum, muito menos na nossa cidade, que era tão pacata. Então, querida, preste atenção e entre no assunto, pois é de seu interesse”.

Ela sorriu com o canto do lábio, franziu a sobrancelha e disse, com os olhos cheios de cinismo e lascívia: “Hummm... Eu acho que é você quem corre perigo... Só você... e o seu casamento... rá, rá...”

“Chega, Adelaide!” – ordenei. “Já para o seu quarto! Quando você estiver disposta a participar de uma conversa séria você volta.”

Ela se levantou e saiu arrastando as sandálias, balançando o quadril e mexendo na cabeleira.

“Não fique brava, não”, disse uma amiga, “jovem é assim mesmo”.

“É”, respondi, “mas ela é muito mimada e não tem mais idade pra agir dessa maneira”.

“Ah, isso é. Além do que, você disse tudo: esse demônio chamado Pantera Negra é um risco pra todo mundo nesta cidade, inclusive pra Adelaide”.

Na nossa reunião, falamos da péssima influência que a Pantera Negra exercia sobre a personalidade das meninas, que a poderiam tomar como exemplo e achar que está correto uma mulher se deitar com homens casados, extorqui-los e depois desprezá-los.

“Só pode ser coisa do maligno”, disse uma outra amiga. “Ele quer destruir o matrimônio, que foi instituído por Deus.”

Fiquei assustada com o ódio manifestado por Marta, mulher do Wagner. “Eu gostaria de pegar essa fulana, arrancar a roupa dela e amarrar num poste, na praça. Depois eu ia bater muito com chicote, até ela desmaiar. Aí eu ia pegar o revólver e encher ela de tiro... Não, eu acho que eu ia jogar gasolina em cima e tocar fogo... Só o fogo acaba com tudo o que não presta, e pra sempre.” Ao terminar, ela chorava desesperadamente. Wagner tinha ido embora de casa. Quando ela terminou, olhei de relance para a parte alta da casa e tive a impressão de que vi Adelaide rir do que estava acontecendo. Mas, como foi rápido, não tive certeza. “Estou exagerando”, pensei.

Comentava-se que a Pantera Negra era uma mulher belíssima, muito quente e tinha cabelos loiros. Como ela só aparecia à noite, totalmente coberta e mascarada, supunha-se que fosse uma loira fatal. Por causa dessa suposição, toda loira exuberante seria suspeita. Mas não havia ninguém com essas características na cidade.

Após seis meses de fatos envolvendo essa Pantera Negra, ela pareceu ter se cansado. Não tivemos nenhum fato novo. As coisas iam voltando à normalidade. Decidi que eu, Adelaide e Jairo, meu marido, íamos visitar minha tia no Rio. Ela estava muito doente. Porém, a uma semana da viagem, Adelaide veio até mim consternada, me abraçou toda carinhosa, do jeito que só ela sabia fazer quando queria, e disse: “Super Mother, eu tô muito a fim de ir com vocês pro Rio, pegar uma praia legal, mas olha: eu tenho simulado do cursinho! Eu não posso perder, senão como eu vou passar em Medicina, não é, Super Mother?” Eu estranhei aquele apego aos estudos em Adelaide, que era louca por praia. Mas aí eu entendi que entrar em Medicina era ainda mais importante pra ela, naquele momento. “Tá legal, filhona. Você vai ficar, sim. Tô muito orgulhosa de você, viu?”

Ela saiu em disparada. Ri e pensei: “É um pouco criança, ainda”. Na véspera da minha partida, Jairo recebeu um telefonema do diretor de área da rede de concessionárias de automóveis na qual era gerente. Disse que ia precisar dele para um feirão de vendas no fim-de-semana. “Desculpe, amor! Vou arrumar um bom motorista pra te levar ao Rio” - Jairo me disse.

Bom, assim é a vida: fui ao Rio sozinha ver uma tia velha e doente. Mas antecipei a volta em três dias, pois fazia muito calor no Rio e a situação por lá não era das melhores.

Quando chegamos, de madrugada, eu e o motorista paramos para lanchar no posto de combustíveis que fica aberto 24 horas, na entrada da cidade. Ali os frentistas falavam alto sobre a Pantera Negra. “Ah, não”, pensei, “de novo esse negócio?” Eles diziam que a Pantera havia reaparecido no sábado e foi pra cama com quatro homens casados! Eram fulano, fulano, fulano e fulano... “Nossa, ela voltou com tudo! Será que vai chegar a nossa vez?”

Fiquei tão nervosa que comprei umas coisas na loja de conveniência e voltei logo pro carro. “Toque já pra casa, rápido! Estou muito cansada” – ordenei ao motorista, em tom rude. Ao chegar, me lembrei que o carro precisava ser lavado. “Seu Gomes, fique com o carro e leve pra lavar amanhã cedo. Eu não vou precisar dele antes do almoço”.

Entrei pela garagem, sem fazer barulho pra não acordar Jairo e Adelaide. Eles tinham sono pesado, mas era melhor não abusar. Tirei os sapatos e entrei na sala na ponta dos pés. Acendi a luz. Fiquei espantada ao encontrar roupas de Jairo espalhadas: calça aqui, camisa ali, até a cueca! “Nossa, o Jairo nunca fez isso, sempre foi organizado... Como é que pode?” Não tinha percebido de imediato, mas, na guarda de uma das cadeiras, havia uma meia-calça preta, de liga. Tomei-a nas mãos. No chão, abaixo da camisa de Jairo, vi a ponta de uma outra peça: uma camisa feminina, de cetim preto e manga longa. Ao puxá-la, veio junto outra peça, uma mini-capa de nylon. Atentei melhor e vi que também havia duas sapatilhas pretas em cada extremo da sala: eram dessas de borracha, bem flexíveis, como as que as meninas usam nas aulas de dança. Minha mente começou a construir toda a verdade ante meus olhos. Percorri o corredor. Encontrei uma calcinha preta, depois um sutiã preto. Entreabri a porta do meu quarto e estremeci: só com a luz do corredor, vi que Jairo dormia abraçado a uma mulher completamente nua! Ela usava uma máscara negra que lhe cobria todo o rosto. Também estava em sono profundo. Vi que os únicos orifícios na máscara eram para os olhos e os lábios. Estes eram finos e ostentavam um batom muito forte, carmim. Os cabelos eram loiros mesmo, como se dizia. Batom e cabelos brilhavam sob a luz que vinha do corredor. Estremeci de terror e ódio. Pantera Negra! Meu marido enroscado com esse demônio de lascívia na nossa cama, a cama na qual dormimos juntos todos aqueles anos. Que infâmia, que falta de vergonha, de respeito, de amor, de tudo! Corri até a cozinha. Dentro do armário da despensa, no interior de um falso recipiente de arroz, Jairo guardava um revólver calibre 38 para surpreender um eventual assaltante. Estava municiado. Voltei rapidamente em direção ao quarto. “Vou encostar o cano do revólver no peito dessa vagabunda e explodir o coração dela, se é que tem um! Vou mandar ela direto pro inferno!”

Puxei o cão do revólver, entrei no quarto e acendi o abajur. Com a luz pude ver, para minha surpresa, que a Pantera Negra era mulata! A cabeleira loira, grudada na máscara, era artificial, com certeza. Era, de fato, uma mulher exuberante. Era alta. Tinha seios pontudos e firmes, com grandes bicos escuros. O sexo ostentava bastante cabelo, como muitos homens gostam: porta de entrada para o amor selvagem. Era muito jovem, pois não tinha nenhuma estria e as pernas eram lisas, sem uma marca sequer. Os pés, enlaçados nas pernas de Jairo, também eram perfeitos. Fiquei na dúvida se estava mesmo diante de um demônio. Mais parecia uma deusa. Como uma moça tão nova pode ser tão cruel? Como aprendeu tão cedo a ser maliciosa e ardilosa? Que pais mereceriam ter uma menina dessas como filha?

Decidida, bati com força nas faces dos amantes para acordá-los. A Pantera acordou primeiro, sobressaltada, deu um grito estridente de terror ao me ver e levou as duas mãos ao peito. “Que é isso, Pantera? De onde vem esse medo agora, numa mulher tão corajosa?” – perguntei, e encostei o cano do 38 no seu peito, do lado do coração. Ela começou a tremer e a urinar. Os olhos se encheram de lágrimas por detrás da grande máscara.

Jairo acordou e também deu um grito ao me ver com o 38 sobre o coração da sua Pantera. “Nãooooo! Por tudo o que é mais sagrado pra você, não faça isso! Não vire uma assassina, por favor, eu te peço!”

Então eu desviei o cano do revólver na direção de Jairo. “Sagrado?! O que é sagrado pra você, seu verme? Não fique triste, não! Você vai fazer companhia pra sua amante no inferno. Lá vocês vão poder se lambuzar à vontade, mas na minha cama, não!”

Desviar a arma foi meu erro. A Pantera me deu uma cotovelada, depois saltou e me desferiu um pontapé na cara. Golpe de capoeira. Disparei um tiro, mas atingiu o teto. Caí. Ela aproveitou os dez segundos valiosos que ganhou e voou pra fora da casa. Fui à caça dela, com Jairo atrás de mim, dizendo palavras que eu nem sequer ouvia.

A Pantera corria muito, muito, tinha uma forma física invejável. Pulava todos os obstáculos. Estava nua em pêlo, ainda com a máscara e a cabeleira loira. O corpo brilhava. A bunda no lugar, nada sobrando, nada faltando. Eu entendia os homens perfeitamente.

Morávamos numa chácara cercada por canaviais. A rua que levava para fora da chácara e toda a estrada até os canaviais estavam cheios de pedregulhos pontudos. Como a Pantera corria descalça, com certeza ia cortar os pés, sangrar e deixar rastro. Eu busquei energias onde não tinha para não a perder de vista. Jairo havia ficado lá atrás, sem fôlego. Eu estava quase no final da rua iluminada. Para além dela, só canavial. “Essa sujeita vai se embrenhar no canavial e sumir,” pensei. Mas um acidente me favoreceu: ela meteu o calcanhar esquerdo numa das pedras, torceu o pé e caiu na hora, gemendo de dor e medo, pois sabia que eu vinha logo atrás, com um 38 pronto pra despachá-la. “Aiiiiiiiiiiiiiiiii!” – ela gritou. Eu aproveitei a oportunidade e voei pra cima dela. Rolamos no chão. Procurei travar as pernas dela, que eram a sua principal arma. Virei-a de frente pra mim. Ela sentia fortes dores no pé. Apontei-lhe o revólver pronto para disparar. A Pantera ficou paralisada, com o olhar fixo na arma, e não podia ser diferente! “Quieta!” – gritei. “Se fizer um movimento vai ser o seu fim!” Lentamente, redirecionei o revólver até a altura da sua virilha. Ela acompanhou tudo com os olhos arregalados e a boca bem aberta, arfando. Se eu pudesse ouvir o coração da Pantera, acho que ele estava prestes a estourar de tanto bater, a tal ponto era perigosa a situação. Introduzi o cano do 38 na vagina da Pantera e o empurrei até o fim. Senti o corpo da moça tremer inteiro. “Goza agora, vagabunda! Aí o 38 goza também, e dentro de você. Vai ser uma festa. A bala vai rasgando tudo, sabe Deus lá onde vai sair!” Mantive a mão direita com o revólver enfiado na xota dela e, com a esquerda, apertei seu pescoço e comecei a puxar a máscara de borracha. A Pantera tapou a boca com uma das mãos e gritou: “Nãããããããããão! Pelo amor de Deus, não tira a máscara, me deixa ir!” Aquela voz me soou familiar, apesar dela estar disfarçando com a mão. Mas na hora, com os nervos à flor da pele, não a associei a ninguém. “Fique quieta, sua puta, ou eu estouro você inteira! Um movimento em falso e eu aperto o gatilho! Eu quero ver essa sua cara, sim! É fácil estragar a vida das pessoas se escondendo atrás de uma máscara!”

Levantei a máscara. “Nãããããããããão! Uáááááááááááááááá´!” – ela chorava, desesperada. Arranquei a máscara, com toda a força que possuía. Ela ficou na minha mão, murcha, junto com a peruca loira. Tão logo vi o rosto da Pantera, tive um calafrio e soltei a arma.

“Adelaide?!”

Adelaide me olhava aterrorizada, com os olhos lacrimosos, o batom borrado e os cabelos revoltos.

“Adelaide?!”

De repente, tudo ficou claro pra mim. Adelaide não existia mais há muito tempo. Era só a casca que escondia a Pantera Negra, essa mulher venenosa que estava caída à minha frente, com as pernas abertas. Ela não me disse nada, e nem havia o que, nem como. Desferi-lhe um murro muito forte na cara. Ela quase perdeu os sentidos. Assim que reabriu os olhos, dei-lhe outro, outro e outro. Perdi a conta. Não havia nenhum sentimento bom. Era a Pantera Negra que estava ali, havia acabado de se deitar com o homem que a criou como pai. Talvez ainda trouxesse dentro dela o sêmen de Jairo. Ao me lembrar disso, me levantei e lhe meti um pontapé no sexo. “Aiiiiiiiiiiiiiii!” - gritou.

Eu me pus a procurar o revólver. Ela percebeu que aquela era a hora de fugir. Então, com o pé bom, deu-me um golpe, me jogou no chão e se embrenhou no canavial. Eu achei o revólver e o descarreguei na direção em que ela havia ido, mas era pouco provável que pudesse acertar. “Que horror, que imundície!” - pensei. “Eu a criei dentro da minha casa! Espero que suma pra sempre. Formosa do jeito que é, e fugindo pelada, não vão faltar homens que a tomem pra si.”

Voltei pra casa.

O destino foi implacável e cruel com Adelaide. Terá sido castigo? O fato é que, naquela madrugada mesmo, ela avançou canavial adentro. Uma certa hora, extenuada, com muita dor no pé torcido, deitou-se para descansar e acabou adormecendo. Acordou sentindo calor e cheiro de mato queimado. Viu fogo em toda parte. Haviam feito uma queimada no canavial. Ela tentou fugir, mas havia fogo por todos os lados, formando um grande anel em torno dela. Estava cercada! Adelaide gritou por socorro até ficar sem voz, mas não havia ninguém para ouvir. “Preciso pensar depressa! Não é possível que eu vá morrer aqui, hoje, queimada no meio desse canavial! Sou jovem, tenho muita vida pela frente. Quero viver! Pense, Adelaide, pense! Deve ter um jeito de escapar daqui!” Mas o fogo avançou sobre ela. Até o fim Adelaide acreditou que ainda haveria uma salvação, que alguém apareceria e a livraria da morte. Quando o fogo estava a três metros dela e o calor aumentava, Adelaide se deu conta de que estava perdida. As veias formavam bolhas e estouravam. Seu corpo inteiro fervia. Por fim, a visão escureceu e ela foi devorada pelas chamas. Aquela que nunca havia se detido por nada e que tinha o mundo a seus pés se acabou ali, de maneira trágica.

Fui avisada da morte de Adelaide dois dias depois do desaparecimento.

A Pantera se revelou menos esperta do que parecia: o fogo a sobrepujou. Só o fogo acaba com tudo o que não presta, e pra sempre.” A necropsia comprovou que o corpo encontrado carbonizado no canavial era mesmo o dela.

Toda a cidade engoliu a minha história de que a Pantera Negra havia invadido a nossa casa, Adelaide teria se assustado e fugido para se proteger no canavial, onde acabou surpreendida pelo fogo. Jairo ficou inconsolável e se sentindo culpado. Palerma!

Quando o caixão foi colocado numa das salas do velório, pedi para o empregado da funerária o abrir. Eu desejava colocar dentro dele algumas coisas que deveriam acompanhar Adelaide na sua última viagem. “O corpo está muito desfigurado, senhora, por isto a urna não tem visor e veio lacrada. Acho que a senhora não deveria abrir” - objetou o homem. Mas eu lhe disse que sou uma mulher forte e que, além disso, seria apenas por alguns segundos, somente o tempo de colocar os objetos ali e fechar novamente. “É um ritual”, eu disse, “nada mais que isto.” Ele soltou as travas e levantou um pouco a lateral do caixão. O homem virou o rosto para o lado, nem eu tampouco quis olhar. Abri a sacola e joguei dentro do caixão a meia-calça com liga, a camisa, a capa, a calcinha, o sutiã, a sapatilha e a máscara com a peruca loira, enfim, a pele da Pantera. “Pode fechar” - ordenei. “Pronto”, falei pra mim mesma, “a Pantera Negra já pode entrar no inferno, ser reconhecida pelo diabo e andar de mãos dadas com ele. Já tem até calçado pra não queimar os pezinhos.”

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