Via-se à beira da piscina da bela casa num bairro elegante do Rio: louraça, gostosíssima, delgada, tipo grandona, 22 saudáveis aninhos, cabelos encaracolados, louríssimos, pescoço longo, muito bonito, elegante, cabeça proporcional, suavemente oblonga, mas, admitamos, meio burrinha, porque ninguém é perfeito, mas aqui, basta que seja gostosa, e ela repousava, preguiçosa e plácida, na coxa direita, peluda e máscula, do belo rapaz também de 22 anos, lindo, o qual, segundo os maledicentes, também amava rapazes, como Sócrates e os pitboys, ou seja, bem mais do que recomenda a moral e os bons costumes. Ele, na dele, nem é com ele. Nem com ela. Deixava-a apenas ali a estar como estava, e lia uma revista qualquer, porque ela, infelizmente, não podia ler: era cega de nascença. O que também pouco deve importar, embora nem todos gostem de ceguinhas, porque a nossa, como a maioria outras, ressalvadas as exceções de praxe, além de gostosíssima, com 22 saudáveis aninhos, não nasceu privada de sentidos outros.
Na revista, que lia, com vívido interesse, o belo rapaz, alguém tinha escrito algo mais ou menos assim: ...A grande sacada deste site de contos eróticos , além da dinâmica extraordinária publicar, ler, votar, comentar é que permite todo tipo de comentário, sem qualquer censura. Isto leva alguns leitores mais assíduos destacarem-se como comentaristas.
Uma minoria, porém, protegida pelo anonimato e pela saudável liberdade, faz dos seus comentários uma curiosíssima válvula de escape de fobias e frustrações. Destacam-se dentre os mais radicais os homofóbicos e os cornofóbicos, estes últimos avessos a cornos, evidentemente.
Embora minoria, os homofóbicos e cornofóbicos são leitores e comentaristas mais ativos, e presentam traços comuns curiosos e contraditórios, merecedores de atenção. São os mais ávidos leitores dos textos cuja temática envolvam suas fobias. Não raro, associam o corno ao homossexual, com ilações conceitualmente frágeis, fundadas em preconceitos. Outra evidência é abaixa capacidade intelectual da maioria desta minoria, e pela má qualidade e o próprio conteúdo dos textos dos comentários.
Uma autora, que a esta subscreve, publicou recentemente alguns textos no site e percebeu a importância desses leitores/comentaristas, porque apesar de revelarem o que há de pior na sociedade em termos de intolerância, oferecem farto e rico material para as próprias estórias, principalmente para a composição de tipos.
Desafiando a si mesma a autora, repita-se, que a esta subscreve, publicou recentemente no site o conto Cínica, no qual construiu um corno atormentado, narrativa em primeira pessoa, para saber-se capaz de emprestar verossimilhança a um personagem masculino. Introduziu taras absurdas e repugnantes, num texto propositadamente entrecortado, repleto de interpolações e difícil fluidez. Ainda que tenha indicado ser ela, autora, do sexo feminino, os comentários, todos ofensivos, foram dirigidos a um autor, claro, homossexual. Uma outra característica interessante dos comentários é que, ao contrário da maioria, estes são muitos curtos, apenas ofensas, a sugerir uma certa intimidação diante da propositada formatação do texto. A Autora, satisfeita, revela: Consegui exatamente o que queria: pensar como um homem, criar um corno verossímil, e repugnar, num texto denso, avidamente lido pelos comentaristas mais fóbicos, seguramente meus futuros e mais assíduos consumidores.
Enquanto isso, na piscina, o rapaz fechou a revista assim que viu um outro aproximar-se com seu corpo apolíneo, moreno, queimado de sol, olhar e sorriso cúmplice, de amor e desejo. A lourinha, coitada, ceguinha, de 22 anos, que repousava placidamente na coxa peluda do primeiro rapaz, deu sinal de vida e começou a inchar e ficar mais grandona e cabeçuda, desproporcional. Os dois beijaram-se na boca, um beijo longo e molhado, e entraram na casa, onde amaram-se até o sol se pôr. A loirinha rapaz, que para foder não precisa enxergar porque pênis é cego mesmo, e, até prova em contrário, não existe nenhuma mulher neste texto além da autora, ela, a lourinha, novamente repousava, agora na outra coxa, a esquerda, murcha, cansadinha, de tanto entrar e sair do rabo do segundo rapaz, ambos lindos de morrer, dormindo abraçados, como uns anjinhos de uma pintura, digamos, renascentista. Fim. Se não conseguiu entender. Comece de novo.