Jogos de Adultos - Capítulo 1

Um conto erótico de valdenide
Categoria: Homossexual
Contém 10274 palavras
Data: 19/11/2008 20:42:02

LEANDRO.(DISSE)

Já são onze da noite e eu estou esgotado. Um misto de cansaço, raiva, tesão, tédio e decepção toma conta de mim. Quando abro a porta do pequeno apartamento que divido com minha irmã-problema, constato que pelo menos ela não está em casa. O fato de Lívia não me encher o saco pelo menos por enquanto já é algo de positivo num dia de merda. Jogo minha mochila em cima do sofá e vou direto para a cozinha tomar água, aqueles quatro chopes que bebi com o Rafael me deixaram levemente tonto e com muita sede.

Acabo com ela, minha sede, e aquele misto de sensações ainda não passou. Volto para a sala e coloco um cd do Coldplay para tocar no volume dois, já que meus vizinhos não são muito tolerantes no que diz respeito à música alta, ainda mais numa terça-feira à noite. Sento-me no sofá e tiro meus tênis e já na primeira faixa do cd eu começo a chorar. Você não faz idéia do quão desgraçado tenho me sentido nos últimos dias.

O rei dos fracassados.

Um merda de merda. Mas não pense você que sou aquele tipo de desgraçado-trágico-e-piegas-de-novela-das-oito, estou mais para um tipo de desgraçado-comum-do-dia-a-dia. Nem tão desgraçado quanto o mendigo da esquina que passa fome e frio, mas à anos-luz de distância da felicidade radiante do Rafael.

Já na segunda faixa não estou mais chorando, estou é deitado no sofá olhando para o teto, pensando, tentando me lembrar em qual ponto da minha vida as coisas começaram a desandar.

É, acho que foi quando eu nasci mesmo, ou talvez ao completar os quatro anos, talvez.

Mas o pior de tudo mesmo é que completo vinte e quatro anos daqui quatro meses e a tendência é só piorar. Não consigo ver uma luz no fim do túnel, e ao pensar em uma metáfora tão clichê sei que estou perto do fundo do poço. Muito perto.

Na metade da quarta faixa do cd a campainha toca, eu ainda estou deitado no sofá, como sei quem está chamando, apenas digo:

__Entra, tá aberta!

Ele entra com esse seu ar costumeiro de estou-fazendo-um-favor-à-você-vindo-aqui, o que me deixa ainda mais irritado, chateado, decepcionado e triste. Ele fecha a porta e pára diante de mim, que continuo deitado.

__Oi.

__Oi.

Ele pergunta se eu estava chorando.

__Estava.

E agora ele quer saber por que.

Olho para ele com a minha melhor cara de indignação, sento-me no sofá e ele se senta na outra ponta.

__Você quer mesmo saber por que eu estava chorando? Eu vou te dizer então. Eu estava chorando porque minha vida é uma desgraça completa. Porque eu sou um desgraçado tão desgraçado que ninguém nota que eu sou um desgraçado. Só para você ter idéia, minha mãe fez o favor de morrer quando eu tinha quatro anos. Meu pai fez o favor de casar com uma piranha quando eu tinha dezoito, me deixando sozinho com minha irmã que na época tinha catorze, desde então nós vivemos com uma pensão que não é grande coisa só para ele não ter que nos ver nunca mais, já que seus novos filhos precisam mais dele do que a Lívia e eu. Trabalho todos os dias como vendedor de livraria de shopping, e isso meu caro, não é bom. Quando você sonha em ser um escritor e tem que trabalhar num lugar que vende livros que você sabe que não são os seus, isso é extremamente frustrante. Sem falar das reclamações todos os dias de gente que encomendou o novo Harry Potter que ainda não chegou, só que essa é moleza, é a reclamação mais branda que tenho que ouvir. Mas enquanto eu me esforço lá na livraria, minha irmã passa a noite fora dando a bunda para traficantezinhos em troca de maconha e dorme durante todo o dia como se tudo estivesse normal. Por isso, tento esquecer todos os dias que minha verdadeira vontade é passar as horas escrevendo, dando vida às idéias que tenho, que sei eu, são muito interessantes e renderiam boas histórias.

Tenho um grande amigo que me conta todos os dias as belezas da sua vida, o que confesso me causa uma triste inveja. Outro dia ele me contou como é maravilhosa a convivência em sua casa com seus pais, fiquei uma semana me imaginando ser ele. Até que voltei à dura realidade da minha vida. Tive que trancar meu curso de Letras na faculdade porque não podia conciliar trabalho e estudos, sem falar que também não me sobra dinheiro para manter o meu curso. Diversão, bem, não sei o que é isso. Quase nunca saio para festas, bares, boates, cinema, porque há dois anos conheci um cara que não gosta que eu saia sozinho, só que o mais engraçado é que ele nunca sai comigo. Na época que o conheci eu pensei que finalmente estava diante do cara que mudaria minha vida, que me mostraria que é possível ser feliz, que a felicidade não é exclusiva para personagem de filme da Sessão da Tarde ou para o Rafael, pensei que esse cara seria companheiro, estaria sempre comigo, até quando eu estivesse gripado, que me levaria ao cinema e depois para jantar, que iria comigo até a locadora no sábado à tarde para alugarmos filmes que veríamos durante todo o final de semana que passaríamos juntos, que dormiria abraçado comigo nas noites de inverno e que me ligaria durante a tarde para dizer que estava pensando em mim. Mas não, o cara que eu conheci há dois anos é casado com uma vaca esquizofrênica depressiva, bem, isso é o que ele diz, já que essa é a desculpa para não se separar dela. Ele sempre me visita à noite, quando sai do trabalho, a propósito, ele é delegado de polícia, o que contribui um pouquinho mais para que ele definitivamente não me assuma como seu companheiro. Mas como ia dizendo, ele sempre me visita à noite, ele chega, faz meia dúzia de perguntas, todas não muito profundas, já que nesses dois anos ele nunca se interessou em saber por onde andam meus pais e só agora eu contei para ele o que aconteceu com eles. Então, ele sempre faz essas perguntinhas básicas e me pede para chupá-lo, depois ele me leva para minha cama e me come, quando está quase gozando ele diz que me ama, e depois que acaba ele nunca repete isso. Ao menos uma coisa ele faz, bem, duas coisas, na verdade são três. Uma, ele se preocupa e me ajuda a gozar também, me masturbando. Dois, ele me beija, seria pior se não beijasse. Três, ele me abraça, seria pior ainda se não me abraçasse. Depois que gozamos ficamos uns dez minutos abraçados, daí ele se levanta, se limpa, se veste, pede para que o acompanhe até a porta, diz para eu me cuidar, e então vai embora. É isso Renan, esses são alguns dos motivos que me fizeram chorar hoje.

Quando termino meu monólogo vejo que já estamos na décima faixa do cd. Renan está me olhando com uma cara de pena e, acho eu, com os olhos levemente mareados.

Ele então diz que eu nunca comentei que estava tudo tão difícil para mim.

__Você nunca me perguntou.

Ele argumenta que pergunta todos os dias quando chega aqui.

__Você me pergunta como se fosse parte de um protocolo. Você nunca realmente quer saber como eu me sinto.

Então eu deixo ele falar à vontade, já que não vai adiantar nada mesmo.

__Você está sendo injusto, Leandro. Eu me preocupo com você. Eu te amo de verdade. Não digo isso apenas quando gozo. Mas eu também tenho uma outra vida, uma vida muito diferente dessa que você quer levar. Eu também queria muito fazer todas essas coisas com você, mas não dá. Eu ainda estou casado, a Márcia está cada vez pior. E quanto ao meu trabalho, sim, é um meio repressivo, mas não impossível. Eu queria muito te assumir, mas ainda não é a hora. Ainda não estou pronto. Ainda não é o momento certo.

Eu digo que não quero continuar sendo a pessoa que sempre quer mais um pouquinho. Que estou cansado de oferecer tanto e receber tão pouco.

__Em dois anos com você eu nunca conheci outro cara, nunca te traí.

__Eu também nunca te traí, Leandro.

Digo que ele me trai todos os dias com a Márcia, sua esposa, a vaca esquizofrênica e depressiva.

__Para mim chega, Renan. Eu te amo, eu vou sofrer, mas vai passar.

__Eu só posso te dizer que em breve nossa vida será diferente, Leandro. Em breve, muito em breve as coisas serão melhores, é só você ter paciência.

Além de ser o desgraçado mais desgraçado do mundo também sou o babaca mais babaca do planeta, porque, mesmo depois de constatar todas essas verdades para mim mesmo eu quero acreditar no que ele me diz. Quero continuar dando chances para ele continuar me enrolando nessa relação injusta onde eu ofereço tudo e não recebo nada. Mas não dá.

__Acabou, Renan. Acabou.

Ele faz uma cara de pena que eu amo e odeio. Ele se levanta, se abaixa perto de mim e me beija. Eu fico imóvel, ele se afasta e vai caminhando para a porta.

E nesse momento, eu me odeio!

Sou um babaca-escroto que merece essa vida de merda que leva.

__Espera, Renan.

Ele pára e se vira para mim.

__Jura que você vai tentar mudar as coisas?

__Juro.

Ele volta até mim e segura minha mão, nos abraçamos e eu já sinto o seu pau duro por debaixo da calça que ele esfrega em mim.

RAFAEL

Uma menina morreu aqui outro dia. Parece que ela só tinha dezoito anos. Foi overdose. Dizem que ela agonizou por duas horas. É impressionante como que seiscentas pessoas em uma boate não se deram conta de que havia uma garota morrendo ali, no sofá, sem contar os garçons, os seguranças, as câmeras de vigilância. Chego a pensar que simplesmente a deixaram morrer, talvez para que ela aprendesse a nunca mais usar drogas, ao menos não nesta vida. Ou quem sabe algo parecido.

__Você não acha estranho?

__O quê?

__Uma menina morreu aqui outro dia e parece que nada aconteceu. Tudo continua igual. As pessoas não se importam com isso. Olha só, no sofá em que encontraram o corpo dela agora tem dois caras praticamente trepando.

__E o que você queria que os donos fizessem, Rafael? Que pedissem um minuto de silêncio em homenagem a mais uma idiota que não soube se drogar? Essa gente só quer saber do próximo pau a ser chupado, da próxima raia de pó a ser cheirada ou do próximo ecstasy a ser tomado. E daí que uma babaca morreu. Era só mais uma entre tantas outras que virão, acredite.

__Parece que ela morreu por causa dessa nova droga, Ice.

__Não conheço.

__Ainda bem que você não conhece, Leandro.

__Queria experimentar. Saber qual é o barato dela.

__Eu não me arrisco. Dizem que é altamente viciante. E além do mais, um baseado para mim é mais do que suficiente para me deixar legal.

__O quê?

Parece que o som hoje está mais alto do que em outros dias. Será impressão minha? Ou é apenas o Leandro que não está muito a fim de papo?

__Leandro, há quanto tempo você não vinha aqui?

__Quase dois anos, mas nada mudou. Parece que nem mesmo as músicas. Nem mesmo as pessoas.

__Mudaram sim, você só acha isso.

__Vou ao banheiro.

__Te espero aqui.

Leandro se levanta para ir ao banheiro e eu permaneço sentado junto ao balcão. Hoje estou absurdamente confiante na possibilidade de conhecer alguém bacana.

A boate está lotada, lá fora há uma fila enorme de pessoas esperando para entrarem assim que outros saírem. Sempre foi assim. Quer ir à um lugar bacana e disputado no sábado à noite? Vá à Blue Velvet, mas chegue cedo, ou você corre um sério risco de ficar na fila de espera.

Agora a pouco passei perto de um grupinho que discutia o fato de haver tanta gente interessante aqui hoje, mas ainda não vi ninguém, ao menos não vi ninguém que se encaixe no meu perfil. Os que não são malhados demais e se exibem sem camisa são estúpidos demais e não param de se drogar. Sem falar naqueles que por mais que você tente é impossível definir se são homens ou mulheres, ou se são mulheres ou homens, depende da perspectiva de quem os vê. A fila do banheiro parece aumentar a cada minuto. Aquilo deveria se chamar cheiródromo, agora a pouco vi uma turma entrar lá com um prato. Daqui a pouco serão bandejas. Não sei aonde isso vai parar. Acho até que as chances de eu ver alguém morrer hoje de overdose são bem altas.

Peço uma vodca com Sprite, já estou enjoado de margueritas. O garçom pronto me atende. Penso em Leandro, que anda cada vez mais amargo, mas só o fato dele ter saído hoje já é uma vitória, parece que o cara com quem ele é envolvido o liberou esta noite. A propósito, ele nunca fala sobre esse cara, apesar de sermos nossos melhores amigos há anos e eu já ter perguntado inúmeras vezes quem é ele. Ele nunca falou nada, diz que não pode, só fala que o cara é casado. Só isso.

Tomo um gole da minha bebida e giro o pescoço tentando encontrar alguém bacana dando uma olhada geral.

Pista.

Mesas.

Escada.

Sofás.

Nada. Não vejo ninguém, todos em seus mundos, em suas rodas de amigos, ou estão dançando alucinados, ou estão bebendo sem parar, olhando para o nada diante deles. Tento alcançar o andar de cima (que é VIP), com os meus olhos, mas não posso, não tenho a visão além do alcance como aquele personagem do desenho.

De repente, tenho um insight, percebo que também estou assim, como os demais nesta noite, bebendo sem parar, e sem ver nada na minha frente. Aonde está indo parar aquela minha confiança absurda de que vou encontrar alguém que eu ostentava mais cedo? Volto a olhar para o balcão e noto que o banco que pertencia a Leandro está agora ocupado por um cara. Ele vai me matar por isso. Merda! Mas também eu não podia dizer para o cara: Ei, esse banco está ocupado pelo meu amigo que foi ao banheiro. Ele ia rir de mim. Não há nada a fazer a não ser olhar para ele e ver quem é o fulano.

Então, olho.

E ao mesmo tempo o cara olha para mim e sorri, eu, meio idiota, sorrio também. Apenas sorrio, merda. O cara é muito interessante. E agora? Será que puxo conversa? Bebo mais um gole da minha vodca, quem sabe se eu ficar um pouquinho mais alto eu tome a iniciativa. Quando bêbado, tenho a coragem de um terrorista suicida, é impressionante. Decidido, viro o meu copo que está praticamente cheio de uma vez só. Saem lágrimas dos meus olhos. Você já virou um copo de vodca? Se não, nunca tente.

__Oi.

Merda! Ele puxou conversa comigo, se soubesse eu não teria virado esse copo de uma vez. Demora alguns segundos para que minha garganta volte ao normal.

__Oi.

Ele percebe que há lágrimas nos meus olhos.

__Tudo bem?

Eu as enxugo, tento parecer natural, apesar de agora querer vomitar.

__Sim, tudo bem.

Ele sorri e estende a mão.

__Qual é o seu nome?

Seguro a mão dele.

__Rafael, e o seu?

Marcelo inicia as perguntas básicas que pessoas inicialmente estranhas se fazem em uma boate no momento em que se conhecem. Eu vou respondendo uma por uma, cada resposta acompanhada de uma réplica.

Estou com um amigo, e você?

Venho às vezes, e você?

Tenho vinte e cinco, e você?

Sou formado em cinema, e você?

E devido ao meu estado de quase-total-embriaguez, minha última resposta nesta seqüência inicial de perguntas é: Acho que prefiro tomar uma Coca-Cola agora, e você?

Já as repostas dele diante de minhas óbvias réplicas foram: Também estou com alguns amigos. Venho de vez em quando. Tenho 35. Tenho um negócio. Vou tomar um uísque.

Marcelo paga minha Coca-Cola, e se mostra um cara incrível. Não por ter pago minha Coca-Cola, claro. Mas por ter um papo super-bacana.

Antes dele me beijar, começamos a falar sobre o panorama do cinema nacional na atualidade. Nos descobrimos cinéfilos.

Agora imagine nós dois, tentando ter essa conversa sob o som ensurdecedor da nova música da Kylie Minogue.

Quando eu estava falando do nível da direção de fotografia do cinema produzido na Nigéria, Marcelo me deu o segundo beijo. Acho que ele não é tão cinéfilo assim. Ou talvez estava mais interessado na minha língua do que na minha opinião.

E quando comecei a falar do estilo empregado pelos diretores argentinos na direção de atores, parei no meio da minha palestra, pois constatei que ele é um homem bonito, muito bonito.

Leandro volta do banheiro quarenta e cinco minutos depois de Marcelo e eu darmos nosso primeiro beijo. Mas ele não me viu, nem eu o vi mais, ao menos não nesta noite.

Quando ele finalmente volta do cheiródromo, Marcelo e eu já estamos em seu carro, indo para sua casa.

Com ele segurando minha mão.

Eu segurando o pau dele.

E no som um cd da Amy Winehouse

LEANDRO

Ir àquela boate depois de tanto tempo foi estranho. As coisas pareciam estar do mesmo jeito desde quando estive lá pela última vez. Boates já não são lugares que me divertem como quando tinha dezoito ou dezenove anos. Mas foi bom ter ido, assim, constatei que não ando perdendo nada de grande. E para ser franco, só fui mesmo porque o Rafael insistiu muito. E também, para ver se assim, quem sabe, consiga causar algum ciúme no Renan.

Não chegou a ser uma saga a minha ida ao banheiro da Blue Velvet, mas foi uma longa jornada. Se não longa, ao menos muito demorada.

Quando entrei no cheiródromo, como o Rafael insiste em chamar aquele lugar, haviam oito pessoas na minha frente esperando para:

a) mijar

b) cheirar

c) vomitar

d) trepar

No meu caso era sem dúvida a alternativa A, mas no caso das oito pessoas que estavam ali, paradas na minha frente, as alternativas certas seriam sem dúvida B e D.

Após dez minutos de espera eu comecei realmente a ficar irritado e muito apertado, mas ainda tinham quatro pessoas esperando para entrar em um daqueles reservados antes de mim.

Quatro ou quarenta, quando você está muito apertado, podem ter a mesma proporção.

Entraram três de uma vez em um único box, ali sem dúvida rolaria um ménage, ou qualquer outra coisa que não envolvesse necessidades fisiológicas. Então só faltava um na minha frente, foi aí que ele olhou para trás, para mim, e sorriu. Eu também sorri, sou uma pessoa educada. E o carinha também era bonito, então, sim, eu sorri de volta.

__Se você quiser entrar comigo no reservado para não ter que continuar esperando, por mim tudo bem.

__Oi?

De repente eu não sabia mais o que estava acontecendo.

Foi comigo que ele falou?

__Foi comigo que você falou?

__Quer entrar comigo? Por mim tudo bem.

Um reservado foi desocupado. Ele parou logo na porta, olhou para mim e repetiu:

__Quer entrar?

__Tá.

O que foi que eu disse? O que eu estava fazendo?

Entrei com ele no reservado. Ele fechou a porta. Ficamos parados um olhando para o outro.

__Pode usar primeiro.

Fiquei parado, sem me mexer.

__Eu vou virar, fique à vontade.

Então comecei a mijar.

Quando terminei, eu disse:

__Pronto, é a sua vez.

E ele começou a mijar. Eu não me virei, eu fiquei olhando. Ele então terminou e ficamos um olhando para o outro.

__Qual é seu nome?

__Leandro

__O meu é Douglas. Vamos sair daqui?

Saímos.

A fila de espera estava ainda maior. Paramos para lavar nossas mãos. Ouvi alguém dizer:

__Estavam trepando.

Olhei para Douglas, ele riu. Então eu também ri.

Ele me convidou para ir até a área vip que fica no andar de cima. Eu fui.

Ali, começamos a conversar, tudo muito superficial. Nada de entrar em detalhes. Papo de gente que não quer muita intimidade. Papo de gente que só quer dar uns beijos e depois no máximo uma trepada, sem nunca mais um ver o outro.

__Por mim tudo bem.

Daí então ele me beijou. Beijo gostoso.

Só que em seguida ele foi extremamente direto. Não que eu ache isso um defeito nas pessoas, pelo contrário. Mas naquele momento eu queria que ele tivesse sido um pouco mais devagar. Só um pouco. Para assim aproveitar um pouco mais aquele beijo com gosto de uísque misturado com balinha de menta. Não ia trepar com aquele cara, não hoje.

__Quer dar pra mim?

__Quero. Mas antes preciso pegar minha carteira com meu amigo. Você me espera?

__Claro. Estarei aqui.

Demos mais um beijo, o último. Mas ele não sabia que era o derradeiro, eu sim sabia.

Me levantei e desci. Fui até onde o Rafael me esperava ou onde deveria estar esperando. Ninguém que eu conhecesse estava por ali. Senti uma pontada de inveja dentro de mim, pois eu já imaginava aonde o Rafael poderia estar.

Na casa de alguém, com ALGUÉM.

É claro que minha carteira estava comigo, então eu comprei uma cerveja e antes que eu começasse a chorar, fui embora. Sozinho. Como sempre sozinho.

Agora, aqui na minha casa, no meu quarto, penso em Renan.

O MEU MAL

Esse é o título do romance que estou escrevendo há cinco meses. Acho que estou na metade da história que pretendo contar, ou ao menos no terço final, quem sabe o termine a tempo de me inscrever no concurso do Sesc, é uma possibilidade. Outra bem mais viável é terminá-lo e deixá-lo aqui, arquivado no meu computador, para sempre. Mas existe uma outra mais viável ainda, e talvez a mais provável de todas, que é não terminá-lo nunca.

A ilusão de ser publicado já praticamente não existe. Então, escrever para quê? Mas escrevo, porque não tenho nada melhor para fazer.

Não tenho TV a cabo para assistir.

Não tenho inspiração para me masturbar.

Não tenho saco para Internet.

Não tenho cem gramas de cocaína para ter uma overdose.

Não tenho uma garrafa de uísque para entrar em coma alcoólico e acabar com essa dor dentro do meu peito.

Não tenho o que quero ter.

O relógio do meu computador marca cinco e trinta e sete da manhã.

05 : 37 AM

Salvo o capítulo que escrevi do livro que nunca publicarei e que ninguém nunca lerá.

DESLIGAR O COMPUTADOR?

SIM

SEU COMPUTADOR ESTÁ SENDO DESLIGADO

Enquanto isso...

Penso aonde eu poderia ir às cinco e trinta e nove da manhã.

Em São Paulo há várias opções.

Saunas?

Uma boate? Não, cheguei de uma há duas horas.

Um sex-shop? Um ponto de pegação? Uma padaria? Qualquer lugar onde ele esteja.

Não, melhor não. Ele está em casa dormindo com a esposa dopada de Lexotan, uma mulher tão digna de pena quanto eu. Ela e eu, ambos iguais, porém diferentes. Ambos necessitados da presença dele. Ambos perdendo toda uma vida por amar um escroto de merda. Mas ela tem a ajuda de seus providenciais anti-depressivos, já eu não tenho a ajuda de ninguém.

Por isso, acabo preferindo aquela das várias opções que é a mais correta, a mais sensata, a mais acertada.

Vou para minha cama.

RENAN

__Em breve, muito em breve, as coisas serão melhores. Eu te juro.

Beijo ele com muita vontade. Vontade essa como há muito não sentia. Uma vontade quase que de paixão adolescente, quando você quer mais do que tudo ficar beijando o tempo todo a pessoa que você ama e que está ali do seu lado.

A verdade é que eu o amo, sim. Não tento me negar isso. Não posso. Mas também não posso assumi-lo, nem sei se um dia o farei. Não dá. Simplesmente não dá. Não posso de uma hora para outra me "tornar gay" para todas as pessoas que conheço. Pensando dessa forma, imaginando a situação, chego a concluir agora que jamais o assumirei como meu companheiro. Seria um peso grande demais sobre os meus ombros, porque sim, as opiniões alheias muito me importam.

Quando o conheci há dois anos era para ser uma única trepada casual. Algo prático e rápido como esses lances de Internet costumam ser. Mas foi tão bom que eu quis vê-lo outra vez. Só que a segunda vez foi ainda melhor e eu quis vê-lo pela terceira. Depois foi a quarta vez. Logo a quinta. E um dia ele me falou que estava completado seis meses que vínhamos saindo. Foi aí, quando completamos seis meses de trepadas anônimas que à essa altura nem eram tão mais anônimas assim, que resolvemos que iríamos ter algo sério, apesar de eu ser casado há doze anos com uma mulher.

Hoje, aos trinta e sete, sou casado com uma mulher de trinta e dois e amante e um carinha de vinte e três.

Na época em que nos acertamos fomos sinceros. Contei-lhe tudo. O que fazia e ainda faço. Minha vida íntima. Até alguns segredos, só que nada muito profundo. Ele fez o mesmo, me contou toda sua vida, só que eu não prestei atenção e me arrependo disso. Hoje tento aos poucos ir resgatando todas aquelas informações de maneira discreta para que ele não saiba que eu nada sei a seu respeito. Ao menos sei muito pouco.

Falei-lhe ainda que não poderia deixar minha esposa por ela ter sérios problemas psiquiátricos.

Transtorno Bipolar.

Algo tão terrível para o paciente quanto para quem o acompanha, que neste caso sou eu. É em mim que caem as responsabilidades de cuidar de alguém tão frágil quanto a Márcia, minha esposa.

Ainda disse ao Leandro que não poderia assumi-lo, já que minha profissão não abre espaço para relacionamentos desta natureza. Não me vejo chegando em um bar para encontrar os amigos com quem trabalho e dizer: Vejam, esse é o Leandro, o meu carinha.

Covardia da minha parte? Talvez, mas não vejo deste modo.

Ponha-se no meu lugar. Imagine-se sendo um delegado de polícia da narcóticos e todo mundo da delegacia sabendo que você tem um caso com um garoto de vinte e poucos anos. Posso me impor. Impor respeito, mas as piadas, elas sempre irão existir. E sinceramente, eu não quero ouvi-las.

Mas eu o amo. Sim, o amo muito. Você não imagina o quanto.

__Goza na minha boca, Renan.

E eu gozo na boca dele.

Há anos almejo uma promoção. Uma super promoção na verdade.

Em breve, o Governador irá nomear o novo Secretário de Segurança Pública, e eu sou um dos cotados para assumir o cargo. Eu e um outro delegado da roubos e furtos. Nós dois disputamos de forma implícita, mas ferrenha, quem ficará com a vaga. Disputa esta travada nos bastidores da corporação através de muitos conchavos, puxa-saquismo e apreensões de quadrilhas.

Este é um dos grandes motivos que tenho para não assumir Leandro como companheiro. Imagine o escândalo que seria. Sem falar que a possibilidade de me tornar o Secretário de Segurança Pública do Estado estaria totalmente descartada.

Tenho neste momento uma investigação em andamento, que se tudo der certo, será fundamental para influenciar o Governador na sua escolha, que obviamente, neste caso, seria eu.

__Em breve, muito em breve, as coisas serão melhores. Eu te juro.

__Não precisa mentir, Renan.

__Não é mentira.

Estamos nus, deitados na sua cama de casal que eu comprei. Eu o abraço e o aperto contra meu peito, beijo seu rosto e digo em seu ouvido para que me entenda, que me dê mais um tempo, que continue comigo pois eu o amo muito.

Ele brinca com os pelos do meu peito.

__Me ama mais do que a Márcia?

Sim. Digo que sim. O amo muito mais do que a Márcia.

Aliás, eu nem a amo mais. A verdade é que estou com ela por pena, por pura pena.

__Você não trepa mais com ela?

Não. Digo que não trepamos há um bom tempo. Que nem me lembro da última vez que ficamos juntos.

__Eu não entendo então por que manter um casamento assim?

O abraço com mais força e falo para ele que um casamento não é baseado apenas no sexo, que apesar de não amá-la mais, sinto um forte carinho por ela, que neste momento ela precisa muito de mim.

Ele se levanta e liga a TV.

Eu fico deitado e meu pau começa a endurecer outra vez.

Quando ele volta para a cama ele percebe e olha para mim. Eu sorrio e ele também sorri.

Leandro me chupa como jamais fui chupado por outra pessoa em toda minha vida. Não sei o que diabos ele tem na boca que me dá tanto prazer. Não sei que tipo de coisa ele faz com meu pau quando passa sua língua nele, mas a verdade é que eu quase enlouqueço.

Enquanto nos beijamos, ele sentado em cima de mim, eu procuro sua bunda com minhas mãos, abro bem, e meto fundo meu pau. Abolimos a camisinha das nossas trepadas há um bom tempo. Confiança, tudo confiança, e que no final das contas não salva ninguém.

Mas não me importo.

Continuo metendo fundo nele. Passo minha barba no seu pescoço e ele suspira. Nos viramos e pego ele de quatro. Meto mais fundo ainda, com força, fazendo-o gemer mais e mais.

Nos viramos outra vez, agora pego ele de frango assado. Ele arranha minhas costas e morde meu pescoço. Isso me dá raiva e agora sim meto pra valer.

Enquanto na televisão o apresentador anuncia as manchetes do jornal da noite, eu gozo um rio de porra dentro dele que em seguida, se masturbando, goza no meu peito.

Ficamos caídos exaustos por alguns minutos.

Mas a matéria que será exibida a seguir no jornal me interessa, por isso me levanto enquanto ele vai tomar um banho.

Mais uma adolescente morre vítima de overdose em uma boate de São Paulo.

Minutos depois ele volta do banheiro e eu já estou vestido, quase pronto para ir embora.

__Outra menina morreu de overdose por causa dessa nova droga.

__Que droga?

__Ice.

__Eu não a conheço.

__Nem queira conhecer, Leandro. Ela é mortal.

__Não me importo. Que morram todos os viciados!

__Sua irmã também é viciada.

__Em maconha. Há quem defenda o uso da maconha como tratamento medicinal.

__Balela. Isso é conversa de traficante que quer aumentar seus lucros.

__É claro que você como delegado da narcóticos tem que ter uma posição totalmente contra o uso de qualquer tipo de droga. Mas duvido que nunca tenha fumado um beck que seja.

Rio, apenas rio dele. Sempre tentando polemizar. Sempre tentando me tirar do sério com suas tiradas sarcásticas. Já me acostumei com esse lado dele. Quando tem uma atitude dessas é porque quer me provocar para que lhe de um esporro e assim ele acabar sendo a vítima em questão. Tudo arquitetado para que depois eu fique com pena e acabe fazendo tudo o que ele quer. Um verdadeiro putinho safado.

Digo que tenho que ir e ele logo faz essa carinha de cachorro sem dono tão costumeira nestes momentos.

__Se você quiser sair no sábado com esse seu amigo Rafael, eu deixo. Não vou me importar. Desde que você não conheça ninguém.

__Até parece que você precisa permitir que eu saia.

__Só estou dizendo que por mim tudo bem.

Ele pergunta se realmente não vou me importar. Digo que não. Que o amo muito para me importar com isso. Que confio nele, acima de tudo.

Ele me acompanha até a porta.

Aqui, nos abraçamos e nos beijamos mais uma vez.

E eu vou.

RAFAEL

De jeito nenhum. Eu não chupei o pau do Marcelo dentro do carro. Eu juro. Eu apenas toquei o início de uma punheta para ele. Mas posso afirmar uma coisa categoricamente. O pau dele é muito bonito. E arrisco mais, a olho nu eu diria que deve ter uns dezenove centímetros. Pois bem, eu apenas dei uma mexida no pau dele e depois guardei novamente.

Quando chegamos ao prédio em que ele mora, que fica no Jardins, entramos na garagem subterrânea, ali, permanecemos por alguns minutos dentro do carro, nos beijando.

Então resolvemos subir.

Dentro do elevador ele apertou o botão do trigésimo andar.

Cobertura.

Respirei fundo e sorri. Ele olhou para mim e piscou o olho esquerdo.

Já dentro do apartamento, tentei fingir que toda aquela imponência do lugar, para mim, era tudo muito natural.

Agora, sentados no sofá.

__Morar na cobertura deve ser o máximo, não?

__Tem suas vantagens.

__Sei. Você é um daqueles caras super-modestos. Que fingem que levar uma vida melhor que os outros não significa nada de mais.

Ele ri.

__Nem tão modesto assim. Claro que morar numa cobertura é ótimo. Posso dar festas tranqüilamente sem ser incomodado e incomodar. Tenho uma piscina exclusiva só para mim no terraço. E pago um condomínio mais alto do que todos os outros moradores.

__Claro, para se ter luxo há que pagar por ele.

__É.

Ele segura minha mão e me beija.

__Quer tomar alguma coisa?

__O que você tem para me oferecer?

__O que você quer tomar?

__Não me diga que além de ter uma piscina exclusiva também tem uma adega completa?

__Nem tão completa assim. Mas tenho uma boa variedade de bebidas. E então? O que você quer tomar?

Penso por dois segundos.

__Champanhe.

__É pra já.

Ele se levanta e vai até o bar que há do outro lado da sala.

__Enquanto eu preparo a bebida por que você não coloca uma música pra gente?

__Claro.

Me levanto e caminho até um aparelho de som que só de olhar para ele tenho medo de tocá-lo. Mas mesmo assim começo a apertar os botões que eu reconheço, como POWER, por exemplo.

__Você deixou aquele cd da Amy Winehouse no carro? Eu queria continuar ouvindo ele.

__Não, eu o trouxe, ele está aí em cima da mesa de centro, junto com minhas chaves e minha carteira.

Pego o cd e coloco para tocar. Volto para o sofá sob os primeiros acordes de You Know I'm No Good. Em seguida ele vem também segurando em uma mão um baldinho de gelo com uma garrafa dentro e na outra duas taças.

Me assusto com o estouro da rolha. Que bobagem. Ele me serve, em seguida a ele. Brindamos.

__Cheers.

O champanhe tem um sabor incrível. Eu sei discernir isso apesar do meu limitado conhecimento.

__Então Rafael, me diz, o que você faz exatamente?

__Bem, eu já disse que sou formado em cinema. Trabalho na produtora de um amigo do meu pai. E estou desenvolvendo um curta-metragem.

__Um curta? Que bacana.

__É, acho que vai ser um curta bacana, sim. Daí vou me inscrever em festivais. Mas ainda há um longo caminho, estou na fase de roteirização.

Bebo um gole. Ele também.

__E você, Marcelo, o que você faz? Que tipo de negócio você tem?

__Uma boate.

__Uma boate? Jura?

__Juro.

__Qual? Será que eu conheço?

__Tenho certeza que sim.

__Qual é a boate, Marcelo?

__Blue Velvet.

Fico surpreso.

__Mentira!

__É sério. Sou o dono da Blue Velvet.

Bebo mais um gole e ele põe mais bebida na minha taça. E em seguida na dele.

__É tão difícil assim acreditar que eu sou dono da boate?

__Não, mas é que estávamos lá agora a pouco e você disse que ia lá de vez em quando, que estava com amigos.

__Eu não menti.

Ele sorri o sorriso mais sedutor que eu já vi na minha vida.

E depois me beija.

Ao fechar os olhos para beijá-lo eu percebo que estou ficando tonto.

__Acho melhor maneirar na bebida, estou ficando levemente tonto.

__Mas já?

__Sou fraco para bebidas. Três doses de vodca me deixam completamente bêbado. Às vezes penso no estado que ficaria se me drogasse. Se apenas o álcool me deixa assim, imagine se usasse drogas.

__Você não usa drogas?

__Não. Você usa?

__Ah, de vez em quando eu fumo um beck, mas só isso.

__Ah, um beck eu também fumo de vez em quando.

Acabo com a bebida da minha taça e a coloco em cima da mesa de centro para que ele não me sirva mais, ao menos por enquanto.

__Inclusive outro dia morreu uma menina na sua boate, não é mesmo?

__Foi, uma garota de dezoito anos, eu acho.

__Uma estúpida, que sabia de todos os efeitos e riscos daquela droga.

__Que droga era? Você sabe?

__Essa tal droga nova. Ice.

Ele acaba com a bebida dele e também põe a sua taça sobre a mesa. Ele me beija.

__Hoje lá na boate, no sofá em que a menina agonizou tinham dois carinhas quase trepando, achei isso tão estranho.

__Eu não posso fechar a boate.

__Eu sei. Não falo que isso seja estranho, você está certo, precisa trabalhar. O que eu acho estranho são essas bizarras coincidências, um dia uma menina morre, no outro uns caras trepam no mesmo local em que ela morreu.

Ele ri.

__Pára de pensar nessas coisas. Assuntos como esse são broxantes. E eu estou muito animado.

__Jura? Eu nem tinha percebido.

Rimos.

Ele segura minha mão e me leva para o quarto.

E que quarto.

A cama, uma enorme king-size. A decoração modernérrima. Contenho a excitação.

Ele me senta na cama e em pé diz que vai tomar um banho. Nos beijamos e ele vai para o banheiro.

No quarto, eu tiro meus tênis, minha roupa e respiro fundo bastante excitado. Ouço o chuveiro ser aberto e vou para o banheiro também.

Abro o box e ele sorri quando me vê.

__Oi Marcelo!

__Oi Rafael!

__Eu estava pensando, por que Blue Velvet?

__Por causa do filme. Sou fanático pelo David Lynch.

__E por que não Mulholland Drive? Ou Lost Highway? Ou Dune? Ou quem sabe até Inland Empire?

Ele ri e me puxa para debaixo do chuveiro, me abraça e esfrega o pau duro em mim.

__Porque Veludo Azul, para mim, é o melhor filme dele.

LEANDRO

Chega a ser ridícula essa excitação do Rafael. Isso às vezes me irrita tanto. Essa empolgação toda com uma coisa tão corriqueira. Se bem que desta vez não é tão corriqueira assim, isso eu admito. Mas na maioria das vezes em que ele vai me contar determinada coisa, tenho que agüentar essa demonstração quase adolescente de achar tudo super-incrível.

Certa vez eu até comecei a dizer para ele que esse positivismo todo, esse contentamento exacerbado com tudo o que lhe acontece me irritava um pouco, até sugeri que ele podia ser diferente, ao menos enquanto estivesse comigo. Mas ele não gostou de ouvir isso, e insinuou que era inveja da minha parte.

Até parece!

Então, nunca mais toquei no assunto. Deixo ele à vontade para demonstrar para o mundo toda sua felicidade ao me narrar o "maravilhoso" relacionamento que ele está mantendo há três semanas com esse cara que ele conheceu na Blue Velvet, que por sinal também é o dono do lugar.

__Sinceramente Leandro, eu estou apaixonado por ele.

Olha só o que ele está me falando.

Viu?

É disto que falo. Conhece o homem há três semanas e está perdidamente apaixonado. Não sabe nada a respeito do cara, pelo menos nada mais profundo. E o pior de tudo é que me conta isso com uma cara de felicidade tão esfuziante que chega a me dar nojo.

Sei que não tenho estado nos meus melhores dias, por isso tenho resultado um tanto amargo ultimamente. Mas essa característica do Rafael vem me irritando já há um bom tempo. Fico pensando se quando esse curta-metragem dele ficar pronto, se de repente ele ganhar algum festival, aí sim eu estarei perdido. Serão dias inteiros de "felicidade extrema" que eu, como o bom amigo que sou, terei que suportar.

__Ele é o cara mais bacana que conheci ultimamente. E nós temos uma cabeça que combina em praticamente tudo. Estou muito empolgado.

__Percebe-se. Chegamos aqui há quarenta minutos e você só fala isso.

__Estou ficando chato, né?

__Só um pouquinho.

Ele ri e não percebe que isso foi uma indireta para que encerre o assunto.

__Ele quer muito te conhecer, Leandro.

__Me conhecer? Por quê?

__Porque eu falei muito de você para ele. Você é meu melhor amigo, faço questão que vocês se conheçam.

Suspiro e bebo um gole do meu chá de maçã.

Estamos em um café.

Café Hollywood.

Quando o Rafael me ligou hoje de manhã dizendo que queria me ver, pois ele já sabia que hoje é o meu dia de folga na livraria, sugeri que viéssemos aqui, neste café, já que hoje está um dia especialmente frio em São Paulo. Um bom dia para tomar este chá de maçã que estou tomando. Adoro.

Olho em volta, enquanto o Rafael continua sua tagarelice, observo primeiro os outros clientes, grande parte casais de amigos, muitos gays, a maioria. Não reconheço nenhum rosto. Nenhum me é familiar. Aliás, nem sei por que tento reconhecer alguém, já que há quase dois anos não conheço ninguém diferente. Então olho as paredes e percebo que dentre os vários quadros de celebridades da era de ouro de Hollywood que as enfeitam, tiraram aquele que eu mais gostava.

Um quadro lindo da Lana Turner durante as filmagens de O Destino Bate à Sua Porta.

Lana Turner, para mim, foi a mulher mais linda que passou por Hollywood. Nem Grace. Nem Marylin. Nem Ava. Nem Sophia. Nem Rita. Muito menos Liz. Nenhuma delas, para mim, era tão linda quanto Lana.

__Rafa, me dá um tempinho que eu preciso ir ao banheiro.

Me levanto e caminho por entre as mesas indo na direção do banheiro.

Até aqui as paredes são decoradas com figuras de atores e atrizes dos anos trinta, quarenta, cinqüenta e sessenta de Hollywood. Paro bem no meio e olho todos os quadros tentando identificar mais alguma falta. Olho minuciosamente por longos quatro minutos, mas não noto nenhuma diferença nos que estão pendurados aqui. Talvez aquele do Humphrey Bogart estivesse no lugar do que agora está este da Joan Crawford. Talvez.

Sinto um aperto no peito ao ficar vendo todas essas pessoas. Uma vontade súbita de chorar. Uma ansiedade que não sei de onde vem. Uma tontura estranha que chega a me causar medo. Medo de cair no banheiro e alguém me encontrar aqui numa posição patética.

Que pensamentos são esses?

Que sensação é essa?

Que gente toda é essa me olhando do alto da parede e me reprimindo com olhares?

Que música é essa tocando que eu não consigo identificar?

Onde é que eu estou mesmo?

Lavo o rosto e o seco.

Os quadros nas paredes parecem que já não me olham de maneira severa. Noto até uma certa ternura no olhar da Barbara Stanwick.

Um cara entra e finge lavar as mãos olhando para mim através do espelho. Já eu, finjo que não percebo nada e volto para minha mesa.

No caminho cruzo com um garçom e decido perguntar a ele porque tiraram o quadro dela, da Lana Turner. Ele diz que acha que ele estragou, já que também não o viu mais. Diz até que vai perguntar ao gerente pelo paradeiro do quadro e que depois me conta. Mas eu digo que isso não importa.

__Deixa pra lá.

Não tenho resquícios daquilo que me aconteceu no banheiro. Aquelas sensações súbitas. Aqueles pensamentos nada a ver.

Acho estranho.

Por isso sento-me novamente no meu lugar.

__Adivinha quem acabou de me ligar?

Finjo estar super-interessado em saber quem acabou de ligar para o Rafael.

__Quem??????!!!!!!

__O Marcelo. Ele está vindo para cá encontrar a gente.

__...

__Ele ligou e perguntou onde eu estava. Eu disse que estava aqui no Café Hollywood com você. Então ele perguntou se queríamos ir até a casa dele já que lá, hoje, vai rolar uma reuniãozinha com os amigos dele. Eu disse que sim, que nós vamos.

Fico irritado. Mas disfarço.

__Não Rafael, eu não vou. Vá você.

__Por que você não vai?

__Eu não estou com vontade. E amanhã eu trabalho.

__Você entra às duas da tarde, Leandro. Você vai comigo, sim. Se eu tiver que ir sozinho eu não vou. Você sabe o quanto é chato sair com alguém e os amigos desse alguém sabendo não conhecer quem quer que seja. Faça isso por mim.

__Ai Rafael...

__Depois se você quiser a gente te leva em casa.

O Rafael continua vomitando uma infinidade de motivos bestas para eu ir nessa reuniãozinha dos amigos do namorado dele enquanto eu penso em Renan.

Ele vai me ver todas as noites. O que ele vai achar se eu sair hoje? Se eu não estiver em casa para recebê-lo? Uma boa oportunidade para deixá-lo com raiva. Mas, e se ele ficar com raiva demais e não quiser mais saber de mim?

Já não me reconheço ao pensar coisas como esta.

Aonde foi parar o verdadeiro Leandro?

Foda-se, Renan!

__Tudo bem. Eu vou, mas não vou demorar muito.

__Ótimo, Leandro.

Minha barriga gela só de imaginar no que Renan vai pensar quando chegar na minha casa e ver que eu não estou. E se eu ligar e disser que vou sair? Que não estarei em casa para realizar os meus serviços. Que vou sair e tentar me divertir porque já não sei quando foi a última vez que isso aconteceu.

Não vou ligar.

Ele que se contente em comer o rabo da sua esposa esquizofrênica.

Ele que vá a merda!

MARCELO

__Enfim estou conhecendo você, Leandro. Você não sabe o quanto o Rafael fala a seu respeito.

__Pois eu digo o mesmo, Marcelo. Você não faz idéia do quanto o Rafael fala de você.

Rimos todos. Mas algo me diz que as atitudes do Leandro são muito forçadas.

Há cinco minutos o conheci. Melhor amigo do Rafael, e não sei porque, tive uma sensação estranha quando o vi. Não como um arrepio, uma espécie de premonição ou uma bobagem parecida. É mais como uma sensação de que ele não é completamente honesto com o amigo. Talvez esteja enganado, talvez. Mas não posso deixar de notar uma coisa, ele é um carinha muito bonito.

Já estive neste café algumas vezes e noto que tiraram da parede o meu quadro favorito.

__Por que será que tiraram o quadro da Lana Turner? Era o meu favorito.

Não sei por que, mas quando disse isso notei certa surpresa no olhar do Leandro.

Por que será?

Rafael domina a conversa entre nós três. Normal numa situação dessas, já que ele é a ponte entre Leandro e eu. Mas os assuntos da mesa não são exclusivos para ele, então, eu também dou minha opinião.

__Eu adoro dias assim, nublados.

E quando três pessoas começam a falar sobre o tempo numa mesa de um café, é porque falta assunto entre eles. Talvez por isso, para fugir do embaraço da falta de assunto, Rafael se levanta e diz que vai ao banheiro. Isso me causa certo desconforto e um pouco de raiva, já que ficar aqui, nesta mesa, sozinho com esse amigo dele um tanto quanto antipático, poderá render alguns desagradáveis minutos.

__Eu também notei a falta do quadro da Lana Turner. Era o que eu mais gostava.

Eu não acredito que ele disse isso.

__Foi a primeira coisa que percebi quando cheguei aqui, até perguntei ao garçom o que tinha acontecido, mas ele não soube explicar.

Fico pasmo com a tentativa de socialização desse menino.

__Eu também gostava muito daquele quadro. Uma vez até tentei comprá-lo do dono do café, mas ele não quis vendê-lo. Disse que era um dos mais importantes, que a falta dele junto dos outros descaracterizaria o ambiente.

__É, ele não mentiu já que ambos sentimos sua falta.

De repente, começo a me simpatizar por Leandro. Começo até a achar que sua companhia pode ser agradável. Quem sabe ele ajude a frear um pouco a tagarelice do Rafael.

__Você vem com a gente, não é mesmo? Gostaria de ter você na minha casa hoje.

__Vou, mas não vou demorar.

Não sei por que, mas sinto um alívio quando ele diz que virá conosco.

Rafael volta do banheiro e nem se senta.

__Então vamos!

__Sim, vamos.

Leandro começa a abrir sua mochila para provavelmente pegar sua carteira, mas antes que ele termine o que está fazendo tiro uma nota de cinqüenta reais e deixo em cima da mesa. Ele me olha sem entender e eu digo:

__Eu pago.

__De jeito nenhum.

Ele continua remexendo dentro da mochila, certamente procurando a carteira, mas eu me levanto, e segurando a mão do Rafael, caminho rumo à saída. Rafael, solícito com o amigo o chama, e ao nos ver afastando não resta outra alternativa à ele que não seja aceitar o fato de eu ter pago sua conta.

Pode ser uma característica escrota da minha personalidade, mas o fato é que adoro dominar todas as situações, até mesmo as mais corriqueiras, como essa agora. Gosto que as pessoas percebam que eu estou no comando. Pago uma conta de bar sem problema algum, desde que todos passem a me tratar como "o cara da turma.

Antes de entrarmos no meu carro, Leandro se aproxima de mim e me entrega algo que pego sem ver o que é.

__O chá que eu tomei custa oito reais, mas você não precisa me devolver o troco.

Abro minha mão e vejo que ele me passou uma nota de dez reais.

Não fico puto por isso, rio. Apenas rio. Rafael fica visivelmente constrangido. Já Leandro, me observa com olhar de superioridade.

Mas a coisa ainda não acabou. Um flanelinha se aproxima para provavelmente receber algumas moedas por ter fingido vigiar meu carro que possui o que de mais moderno existe no que diz respeito a alarmes, ainda assim lhe entrego a nota de dez reais que Leandro me passou.

__Tome um café com isso.

O flanelinha, obviamente, sai sorrindo e agradecendo, já Leandro continua me olhando com seu ar de não-estou-nem-aí. Mas eu sei que ele está sim.

Entramos no meu carro e arranco. Rafael me acompanha no banco do carona, enquanto ele, o "senhor irritadinho", vai no banco de trás.

Rafael lhe pergunta:

__Quer ouvir alguma coisa, Leandro?

__Sim.

__O quê?

__Algo bom.

Não resisto, paro o carro abruptamente no acostamento e olho para trás.

__Algo bom? Como o quê, por exemplo?

Noto um certo espanto na sua reação. Medo? Talvez. Mas com certeza é apenas surpresa devido a minha atitude. Noto que até mesmo Rafael se surpreendeu.

Ele demora alguns segundos para responder, mas o faz. E confesso que sua resposta me deixou ainda mais intrigado com sua personalidade. Leandro está me deixando estranhamente perturbado.

__Por exemplo, Charlotte Gainsbourg.

Seleciono no mp4 do aparelho de som do meu carro e 5:55 começa a tocar. Olho para trás novamente.

__Está bom?

E ele responde sorrindo:

__Você pode aumentar o volume só mais um pouquinho?

__Claro.

Aumento e olho para trás novamente. Ele sorri e acena a cabeça. Pisco o olho direito e volto a arrancar com o carro.

Essa competição não-oficial para ver quem fica por cima que comecei a travar com o Leandro me deixa excitado. E involuntariamente, juro, me imagino enrabando ele.

Rafael segura minha mão enquanto vou dirigindo, e não sei por que essa sua atitude me deixa levemente irritado.

Tenho uma personalidade forte. Quando conheço alguém e não vou com a cara da pessoa em questão dificilmente volto atrás na minha opinião. Mas com Leandro essa opinião vai se alternando a cada nova frase que trocamos.

Em um minuto não suporto sua presença, detesto o fato do Rafael tê-lo convidado para entrar na minha casa. De repente, no minuto seguinte, acho-o um carinha muito interessante, com respostas afiadas e espertas, um tipo de pessoa que sabe se safar de situações difíceis. Até essa sua postura de se achar uma companhia boa demais para nós, me causa certa repulsa para no momento seguinte se tornar admiração. O cara está indo para minha casa, sabendo que sou quem eu sou. Bem, sabendo em partes, que seja, mas em momento algum ele tenta me bajular, ou me agradar, ou se mostrar uma pessoa agradável para mim.

Quando entramos na minha cobertura alguns amigos que tem passe livre na minha casa já estão nos esperando. Umas quinze pessoas estão espalhadas pela sala de três ambientes bebendo e fumando.

Todos olham para nós e levanto minha voz para que todos me ouçam, já que no som toca Brianstorm do Arctic Monkeys:

__Esses são Rafael e Leandro. Meus convidados especiais.

E todos saúdam os dois com acenos e sorrisos.

Em seguida me dirijo apenas aos dois:

__Fiquem à vontade, eu vou me trocar e já desço. Rafael, você conhece tudo aqui, pegue bebida para vocês.

Damos um rápido beijo e Leandro nos observa.

Quando desço, Arctic Monkeys ainda está tocando. Paro para conversar com Denis e Elisa e vejo que Rafael e Leandro estão sentados no sofá tomando vinho.

Deixo Denis e Elisa de lado e me junto aos dois no sofá.

__Tudo bem com vocês?

Leandro olha para mim e sorri:

__Não poderia estar melhor.

LEANDRO

Sabe esses mauricinhos escrotinhos que se acham melhor do que todo mundo? Que acham que porque estão pagando a porra de uma conta de um bar de merda podem se sentir o manda-chuva e que por isso todo mundo da mesa deve concordar com tudo o que ele acha? Pois esse Marcelo é exatamente assim.

Um babacão de merda.

Um escroto de plantão.

O filho da puta de um playboy.

E um cara bonito pra cacete.

Extremamente sedutor com suas atitudes de macho-preocupado-em-agradar.

Merda!

Isso mesmo, merda. Eu treparia com esse cara numa boa. Acho até que eliminaria o Renan da minha memória com uma boa dose de álcool e daria hoje mesmo pra ele. No seu quarto, lá em cima. Na sua enorme king-size que o Rafael detalhou na nossa conversa mais cedo.

Mas que porra é essa que eu estou pensando?!!!

O que diabos colocaram nessa merda dessa bebida para que eu começasse a imaginar coisas assim?

Ainda mais com o Rafa aqui, sentado comigo, do meu lado, falando detalhes do seu curta-metragem que eu não faço a mínima questão de saber.

__Rafael, você me considera um bom amigo?

Ele pára seu monólogo e me olha sem entender o que eu realmente quis perguntar.

__Claro. Mas por que isso agora?

__Não sei, eu só queria saber.

__Você é o melhor amigo que tenho.

O Rafael me abraça e eu me vejo compelido a fazer o mesmo abraçando ele também.

Noto que as pessoas presentes olham para nós sem entender o que estamos fazendo, e eu fico verdadeiramente envergonhado.

__Chega Rafa, estão todos olhando para a gente.

Nos soltamos.

__Então agora me conta. O que você achou do Marcelo?

__Ele é adorável.

Será que tem alguém nessa festinha que é mais podre do que eu?

Será que tem alguém num raio de três kilômetros que consegue ser mais nojento do que eu?

Marcelo nos surpreende sentando-se ao lado do Rafael.

__Tudo bem com vocês?

Eu sorrio para ele e digo:

__Não poderia estar melhor.

E só para provocar, eu continuo:

__Na verdade poderia sim, se tivesse Martini.

Ele me olha de maneira desafiadora.

__E quem disse que não tem? Aliás, aqui em casa tem o que você quiser. Eu vou pegar o Martini para você.

__Não precisa, é só me dizer onde está que eu mesmo pego.

__Está ali, no bar, junto com outros vinte e cinco tipo de bebidas.

Ele sorri e eu o detesto.

Rafael o abraça e o beija no rosto, me levanto antes que me dê vontade de vomitar.

Vou até o bar e procuro Martini, mas desisto dele para tomar uísque com energético. Enquanto vou preparando minha bebida, um cara de uns 30 anos se aproxima de mim.

__Você é o Leandro?

__Sim, e você é o...

__Denis.

__Olá Denis.

__Olá Leandro. O Rafael eu já conhecia, mas você eu nunca tinha visto aqui na casa do Marcelo.

__É a primeira vez que venho. Na verdade conheci o Marcelo hoje, sou amigo mesmo é do Rafael.

__Está explicado.

Denis começa a falar.

Blá blá blá.

Mas eu não estou a fim de papo, eu só quero beber meu uísque com energético em paz. Só quero beber e pensar em Renan, para em seguida eu constatar que não devia ter vindo nessa porra dessa festinha sem graça. Onde só rola essa música besta desse grupinho de jovens ingleses que eu não suporto.

Rafael e Marcelo se aproximam de mim e de Denis. E Marcelo diz:

__Leandro, você quer conhecer o terraço? Tem uma vista linda.

Esse cara é mesmo um idiota, agora ele quer esfregar na minha cara a vista que eu nunca vou ter.

__Sim, quero.

Rafael diz:

__Vão indo vocês, eu vou preparar uma bebida.

E ele fica lá, no bar, conversando com o Denis, enquanto eu sigo Marcelo pela escada.

__Daqui dá para ver uma boa parte de São Paulo.

__É, eu estou vendo.

Esse comentário dele não era necessário. Eu estou vendo a vista que se tem daqui, incrível por sinal. Impressionante até. Ele acende um cigarro e me oferece um, aceito. Vou fumando e caminhando em direção à piscina que é enorme e iluminada. Ele vem atrás de mim.

__Você usa muito essa piscina?

__Nunca sozinho. Prefiro quando estou acompanhado.

__Já usou com Rafael?

__Ele não te contou?

Digo com indiferença:

__Se contou, não me lembro.

Viro as costas para ele e caminho voltando para a sala.

Eu me lembro que no som finalmente tiraram o cd daquela banda-bosta-inglesa e colocaram coisas mais interessantes, como:

Céu.

Cat Power.

P. J. Harvey.

E até mesmo Lily Allen.

Acompanhei a música e cantei Smile.

At first when I see you cry, yeah it makes me smile; yeah it makes my smile...

Só que ao me lembrar disto, agora, sinto um pouco de vergonha.

O tal Denis passou boa parte do tempo enchendo meus ouvidos com uma ladainha que não me interessava, falava de filmes, séries, música e eu pensando em Renan. Só consegui relaxar mesmo quando um verdadeiro filho-de-deus teve o bom senso de acender um providencial beck. Com seis tapas e muito álcool eu me senti nas nuvens.

Mas meu momento de paz acabou quando olhei no relógio e vi, ele marcava 02:45 AM.

Agora, estou dentro do carro do escrotão da noite, que se você adivinhar quem é eu juro que lhe dou um prêmio.

Marcelo não faz questão de correr com o carro, parece que está se sentindo o máximo só porque quero muito chegar em casa o mais rápido possível.

__Você podia muito bem ter me deixado em casa primeiro e não o Rafael.

__Mas a casa do Rafael era caminho.

__Mas ele não tinha a pressa que eu tenho de chegar em casa.

Ele dirige e me olha ao mesmo tempo, e por uns breves minutos ficamos em silêncio.

O som do carro está sintonizado em uma rádio obscura que não sei o nome, e de repente começa a tocar a mesmíssima música que tocou quando tive aquele mal-estar no banheiro do Café Hollywood. Essa música linda, mas que ao mesmo tempo me perturba. Faço um esforço descomunal para não começar a chorar, porque se isso acontecer na presença desse cara, eu juro que prefiro morrer. Acho que ele percebe que não estou bem e por isso olha para mim.

__Você está bem?

__Não, quero chegar à minha casa logo.

__Já estamos quase lá.

Não resisto:

__Marcelo, você sabe que música é essa?

Ele me olha surpreso.

__Sei, Mysteries of Love, da Julee Cruise. Por quê?

__Eu a acho linda.

Ele parece se surpreender mais ainda com minha resposta.

__Ela toca em uma cena do meu filme favorito. Veludo Azul.

E então minha ficha cai.

__Claro! Na cena do baile!

__Isso mesmo.

Sorrio para ele, que me devolve o sorriso.

Que sorriso é esse? Meu Deus!!!

Minha vontade de chorar passa, e a música juntamente, com meu choro iminente, acaba.

Meu prédio se aproxima, eu o indico e ele pára em frente a entrada. Sinto vergonha por ele ver o prédio decadente e vagabundo em que vivo e por isso também sinto raiva dele. É estranho, em segundos ele muda meu humor apenas com sua presença. Em determinado momento quero agarrá-lo e beijá-lo, para em seguida desejar que ele morra.

__Em que andar você mora?

__No primeiro, ainda bem.

__Por que ainda bem?

__Porque se tivesse que morar no quarto seria horrível, já que o prédio não tem elevador.

__Ah Leandro, mas quatro andares não são nada.

__Claro, quatro andares não são nada para quem mora em uma cobertura no trigésimo!

__Não foi isso que eu quis dizer.

__Claro que não! A gente nunca diz o que realmente queria dizer! De todo modo, obrigado Marcelo, por ter me trazido aqui, na minha casa. Obrigado por ter me convidado para ir até a sua casa e por ter participado de uma reuniãozinha com seus amigos. Tenha uma boa noite e até outro dia.

Desço do carro enquanto ele tenta dizer alguma coisa.

Esse babaca que vá tomar no cu por se achar tão bonzão assim!

Bato a porta com força e rapidamente entro no meu prédio, que parece, vai desabar a qualquer momento. Subo um lance de escadas e já estou na porta do meu ridículo apartamento.

Abro e entro.

Jogo minha mochila no sofá e vou direto para o meu quarto. Quando abro a porta levo um grande susto...

Renan está dormindo na minha cama.

valdenide

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Comentários

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Gostei da estória, é interessante, mas não é exatamente um conto erótico. Com um pouco mais de cuidados, uma boa revisão e é claro, uma continuação daria um romance e tanto. E pelo menos ao que me consta inédito. Jamais li um romance homossexual escrito sem pretensões pseudo-psicológicas ou estereótipos. Muito bom, parabéns.

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Até que enfim uma história bem escrita.

Destaca mais os sentimentos das personagens que suas ações. Cada personagem tem um perfil psicológico interessante, e se mantém fiel ao longo da história.

Além de gramática, o autor conhece cinhema e só escuta música boa.

Estou louco para ler a continuação

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