Passagem

Um conto erótico de Jossan Karsten
Categoria: Heterossexual
Contém 1119 palavras
Data: 13/01/2009 16:06:03

Passagem

Eu estava em uma fase que tudo o que eu queria era transar com o máximo de mulheres possível, ganhar dinheiro e esquecer que o mundo existia. Tinha meu carro e me matriculei em uma faculdade somente para desfilar e pegar a mulherada. Esqueci meus pais, irmão e todos os que podiam estar à minha volta e que não me oferecessem nenhum benefício. Eu havia me construído, me auto-modelado de acordo com sei lá quais critérios. Mas mesmo assim, eu ainda chorava. Essa era a única representação que ainda tinha sobrado de minhas fraquezas e da minha condição humana que se assemelhava às demais pessoas.

Saio para uma das muitas festas das quais só participava para mostrar meu poder de arrogância. Usava naquela noite um perfume dos mais caros que pudesse existir. Exagerei na dose de propósito e teve um momento dentro do carro, que nem eu suportava o cheiro da colônia. A festa aconteceria fora dos imites da cidade e entrei em uma rodovia. Acelerei ao máximo e ao passar pelo posto da polícia, fiz cara de nojo para o policial, como era de meu costume. Assim que passei a guarita, acelerei ao máximo e os pneus cantaram.

Naquele momento o trânsito estava parado naquele trecho da estrada e eu, com os faróis altos ligados, aproveitei toda a potência do carro. Acelerei e a máquina correspondeu. Passei por uma curva longa e cheguei até uma reta. Acelerei mais e senti que meu corpo colava no banco. Depois da reta, outra curva se desenhava em minha frente, mas não diminui a marcha. Mantive o acelerador pressionado e o velocímetro no mesmo lugar do que quando estava na reta. Uma mata fechada se desenhava dos dois lados da rodovia estava muito escuro no local mas os faróis potentes transformavam minha frente em dia. Mesmo com todos os avisos de possibilidade de animais na pista, continuei em alta velocidade.

Já estava próximo do local da festa, acreditava, e queria chegar com alto estilo. Com os pensamentos girando igual ao motor, esbocei um sorriso sarcástico como, segundo o que me diziam, só eu sabia fazer. Minha boca se fechou rapidamente e em lugar do sorriso, um pavor tomou conta de minha face. Como que num raio, mas de uma forma esquisita que eu podia ver em detalhes, uma mulher loira surge na frente do carro. Nem pensei em pisar no freio tudo foi muito rápido, mas vi sua cara de felicidade enquanto era atropelada. Bati na mulher e só consegui parar momentos depois. Ao descer do carro, eu estava muito mais preocupado com os estragos que ela havia provocado no veículo do que com seu estado de saúde.

Olhei para a frente do automóvel e um amassado imenso estava lá. Esbravejando e querendo matar quem estivesse em minha frente, corri até a mulher caída. Me aproximei e percebi que ela estava morrendo. Tomei um choque. Esqueci do amassado do carro, esqueci da minha arrogância, esqueci de tudo. Tomei a moça nos braços e tentei ressuscitá-la. Ela ainda estava sorrindo e eu não conseguia entender a situação. Ela era linda e, num acesso de piedade, de loucura, sei lá, disse: “Você não pode morrer. Eu não tive culpa disso tudo, eu só queria ir até uma festa e...”. O sorriso da moça aumentou e ela, com uma voz em tom baixo, porém muito claro, disse-me: “Eu sou sua consciência e preciso morrer. Hoje é o fim de um tempo para você e para mim também. Volte para o seu carro agora mesmo e pegue um pano para mim. Ande logo, vá...”. Sem entender nada, deixei a mulher ali e corri até o carro. As luzes estavam acesas e eu entrei sem titubear. Peguei uma caixa de lenço de papel que estava no porta-luvas e corri de volta para o local onde estava a acidentada, mas para meu maior espanto, ela não estava lá. “Eu devo estar louco”, pensei. Fiquei exatamente onde tinha estado com a moça ensangüentada, mas nada, não havia nenhum vestígio de que alguém machucado tivesse estado ali. As pedras estavam secas. Olhei para minhas mãos, estavam limpas e eu jurava que tinha me sujado no sangue dela.

Voltei para o carro às pressas e fui até a frente do automóvel. Meu coração parecia querer explodir. Não havia amassado algum na frente do carro. “Eu estou louco ou sonhando”, pensei de novo. Bati com força na minha cara e senti a dor. Eu estava lúcido. Acho que pela primeira vez em anos, eu estava lúcido. Entrei no carro e chorei. Chorei como jamais tinha chorado em toda a minha vida. Olhei para mim através do espelho e senti vergonha, senti nojo da minha arrogância, do desprezo que eu tinha para com as pessoas. Dei partida, manobrei e retornei.

Nenhum carro seguia nem no mesmo sentido que eu, nem em sentido contrário. Passei pela guarita e cumprimentei o policial que estava de plantão. Entrei na cidade, mas não sabia para onde eu deveria ir. Já estava no centro e parei em uma faixa de pedestre, estranhando minha própria ação. Pessoas que passeavam pela noite quente atravessaram a rua. Quando pensei que todos tinham passado e que eu podia seguir meu caminho que não tinha rumo certo algum, senti meu corpo inteiro desfalecer. Ela, linda, loira e sorridente, atravessa pela faixa. Não sabia o que pensar. Antes de pôr o pé na calçada do outro lado, olhou para mim com o mesmo sorriso e, discretamente, fez-me um gesto com a mão. Notei que em seu braço havia um pequeno esfolado e não tive mais dúvida, era ela. Uma buzina soou estridente em meus ouvidos e senti que estava trancando o caminho dos outros. No mesmo instante me dei conta de que nos últimos tempos, eu nada tinha feito além de atrapalhar o caminho dos outros. Arranquei o carro devagar e segui. Antes, olhei para o lado, mas a moça, tal qual na estrada, tinha desaparecido. Continuei rodando e, em um sinal de trânsito, enquanto aguardava que abrisse, notei que ela passou atrás do carro e, pelo retrovisor, fez um resto quase como uma continência. Aquela era uma despedida.

Sem pensar em nada, fui para casa e tomei um banho. Tudo o que eu queria era me livrar daquela situação. Eu era outro e estava gostando da idéia. Pela primeira vez em anos, notei que se importar com os outros ainda valia a pena. Com a toalha no corpo, peguei o telefone e disquei o número da casa dos meus pais. Minha mãe atendeu e, rindo, disse: “Eu estava sonhando com você, filho”. Chorei muito, mas desta vez, como uma criança, como um ser humano de verdade.

Jossan Karsten

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Comentários

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Sorriso... caso não saibas, isto é um conto, e muito bom por sinal. A única questão é que a maioria do pessoal aqui só espera ler bizarrices e quando surge algo de valor, não conseguem compreender.... (http://ana20sp.sites.uol.com.br)

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