Últimos capítulos do conto "O Amor Magoa".
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CAPÍTULO 13
PAZ E GUERRA
Sob a lua cheia, a enorme mansão de Bruno estava pronta. A noite e o luar tornavam mais intenso o brilho da água da piscina, que reflectia a luz da lua em difusas linhas luminosas na parede da casa.
A casa estava preparada para que o final do seu conto finalmente acontecesse. Mas Bruno não sabia se estava preparado. Só então teve noção de que aquela era a decisão da sua vida. “Sim”, pensou, confortando-se. “Vai tudo correr conforme planeado.”
Acendeu a lareira para aquecer o ambiente da sala de estar. Sabia que Miguel não tardava a chegar. Mas esperaria por ele, nem que fossem precisos mil anos.
Bruno voltou a reler o seu próprio conto, um emaranhado de folhas escritas à mão, que, esperava ele, fossem também o guião para os acontecimentos dessa noite. O som da campainha invadiu o ambiente caloroso da sala. Bruno aproximou-se de um aparelho, incrustado na parede. No visor, via Miguel a olhar directamente para si através da câmara.
O dedo de Bruno encontrou o botão que abria a Miguel o caminho para lá chegar.
***
Um minuto foi o suficiente para Miguel aparecer na sala, os olhos azuis a brilhar à luz das chamas que faziam a temperatura subir.
Miguel encontrou Bruno com o seu sorriso maldoso, que depois desviou o olhar de volta para um monte de folhas que lia. Bruno encontrou Miguel com o cabelo desgrenhado, uma expressão furiosa e os olhos cheios de ódio. Ou talvez fosse amor: o amor e ódio misturam-se e são, por vezes, indistintos.
O psiquiatra aproximou-se de Bruno.
– Ok! Eu confesso!
A expressão de Bruno revelava confusão total.
– Confessas o quê?
– Eu sou gay! – explicou Miguel. – Pronto, já confessei. Agora é a tua vez de confessar.
Bruno soltou uma gargalhada seca.
– Não tenho nada para confessar.
– Ah, não? Depois do que aconteceu esta tarde no consultório, perdi a licença. Já não sou psiquiatra. E acabo de ver as notícias: o Álvaro foi encontrado morto.
– E? – indagou Bruno com um sorriso vago.
– Tu mataste-o. É a tua vez de confessar.
Bruno virou-lhe costas, sorrindo. Agora sim, as coisas estavam a subir de nível. Estava pronto para o final do seu conto.
– Não me vires as costas!
Miguel agarrou-o pelo ombro direito, obrigando-o a virar-se. Quando se encararam, Miguel sentiu um turbilhão de sentimentos a percorrê-lo.
– Talvez as mortes de hoje não tenham terminado, doutor…
Aqueles olhos negros, lindos e ameaçadores fitavam-no, acompanhando um sorriso diabolicamente angélico. Mas Miguel não podia amá-lo, não depois do que ele fizera. Mas também não podia agredi-lo como era de sua vontade.
Tinha de jogar aquele jogo até ao fim.
Ainda o agarrava quando o puxou para si, beijando-lhe a boca e o pescoço. Por momentos, Miguel sentiu que não estava apenas a fingir…
Devorando-se à luz das chamas, os dois homens começaram a despir-se, enquanto os seus braços se entrelaçavam, unindo-os.
Apanhando Miguel de surpresa, Bruno afastou-o de si, soltando-se do seu abraço.
– Está a ficar calor, não está, doutor?
Rindo-se, o italiano foi saindo da sala.
– Vou preparar uma bebida para arrefecer o ambiente.
Sozinho naquela sala, iluminado pelo fogo, Miguel contemplou a enorme divisão em que se encontrava. E foi então que as viu.
As folhas manuscritas, espalhadas pela secretária, abandonadas à sorte. O conto de Bruno.
Aproveitando a oportunidade, o psiquiatra procurou o que lhe interessava. Encontrou o capítulo 13 quando começou a ouvir as passadas de Bruno, regressando à sala.
Deu uma olhada rápida ao texto que estava nas folhas:
“E o psiquiatra viu o objecto pontiagudo e reluzente perfurar-lhe a pele sobre o coração, várias vezes, à medida que ouvia um riso imparável e maléfico.”
Um segundo antes de Bruno aparecer na sala, Miguel conseguiu largar as folhas, enquanto pensava no trecho que tinha acabado de ler.
Com o sorriso do costume, Bruno segurava um copo em cada mão, com um líquido dourado e cubos de gelo.
– Vamos lá acima. Ainda não conheces o meu quarto.
***
O quarto de Bruno era, como toda a casa, espaçoso e amplo. Naquela noite, era iluminado apenas pelo luar prateado que entrava pela enorme janela.
Era, pois, o luar a única fonte de luz para os dois homens que se devoravam na cama.
Miguel já sabia como é que aquela história acabava. Tinha lido o final. Mesmo assim, por algum motivo incerto, ele não temia Bruno. Nem ele próprio, um psiquiatra, conseguia explicar porque razão estava a gostar daquela noite com Bruno.
Por algum motivo, sentia-se feliz. Pronto para morrer.
Bruno moveu-se na cama, colocando-se atrás do psiquiatra.
Enquanto Miguel ficou de joelhos, com a cara na almofada, Bruno passou as mãos pelas suas nádegas e depois penetrou com um dedo. Miguel gemeu de leve.
As mãos de Bruno percorreram deliciosamente o corpo de Miguel, ficando paradas na sua cintura. Agarrando-o, Bruno penetrou-o.
Nenhum deles falou. Os únicos sons que libertaram foram gemidos de prazer, enquanto Bruno entrava no corpo de Miguel, ao mesmo tempo que lhe acariciava o pescoço suavemente, para depois lhe agarrar os cabelos e puxá-los.
Ao ser puxado contra Bruno, Miguel gritou, seduzido pelo misto de dor e prazer. Ao ouvir o psiquiatra gritar, Bruno sentiu prazer como nunca antes e ejaculou dentro do corpo de Miguel.
Aos poucos, eles pararam de se mover e o pénis de Bruno abandonou o corpo do psiquiatra à medida que os gritos cessavam e a respiração dos dois ia ficando mais calma.
Mesmo depois da penetração, continuaram agarrados, abraçados, com Bruno a beijar as costas e o pescoço do psiquiatra.
A suave voz do italiano inundou o silêncio do quarto.
– Vá, bebé. Faz o que te ensinei da outra vez.
Miguel virou-se para ele e olhou-o com duas órbitas de um azul cristalino, reluzindo na escuridão do quarto. No seu olhar, Bruno viu que Miguel não percebeu logo o que ele queria dizer.
Agarrando na cabeça do psiquiatra, Bruno guiou-o e, então, Miguel compreendeu.
Miguel sentiu aquele membro quente e rígido invadir-lhe a boca.
A sua língua percorreu a superfície da glande, apreendendo a sua textura suave. O sabor quente e masculino daquele membro inundava-lhe a boca à medida que Miguel movia a cabeça, para cima e para baixo, sentindo aquele pénis desde a base até à cabeça.
Bruno gemia, suavemente, com prazer. As suas mãos agarravam o cabelo do psiquiatra e guiavam-lhe a cabeça para onde ele queria levá-lo.
Miguel sentiu que gostava do que fazia, quando o prazer lhe percorreu o corpo, sentindo-se numa outra dimensão. Enquanto isso, continuava a engolir aquele pénis, gemendo de prazer.
De repente, aquele sabor precioso abandonou a sua boca. Miguel foi afastado da fonte de prazer.
Percebeu então que tinha sido Bruno a puxá-lo para cima. Bruno tinha uma expressão estranha e o olhar negro apresentava-se cintilante.
Bruno deitou Miguel na horizontal. Depois, o italiano sentou-se em cima dele, ficando a olhar para ele.
Miguel estremeceu quando viu aquele olhar.
Foi então algo reluziu à luz prateada da lua. Miguel lembrou-se… “o objecto pontiagudo e reluzente”…
Bruno trazia algo na mão enquanto olhava para o psiquiatra. Este viu então que na mão do italiano uma caneta dourada apresentava-se ameaçadora.
O impulso levou Miguel a cobrir o peito com a mão. Bruno riu-se.
– Não leste tudo… Não é assim que o psiquiatra morre.
Mesmo assim, Miguel não tirou a mão. Depois de tantas intrigas e manipulações, porque haveria ele de acreditar em Bruno?
A expressão de Bruno tornou-se séria. O olhar dele mandava Miguel obedecer-lhe, mas ele não o fez.
A caneta aproximou-se da cara de Miguel, ficando próxima do seu olho. Mas não fez nada.
Porém, no momento seguinte, Miguel sentiu a ponta da caneta deslizar-lhe pela cara, perto da mandíbula. Gritou. No momento seguinte, sentiu o líquido quente. Sangue.
O corte na cara fez Miguel agir de novo por impulso. As suas mãos cobriram o corte, tentando, em vão, impedir o sangue de sair. Miguel percebeu segundos depois que, estupidamente, tinha deixado o peito livre.
A caneta voltou a atacá-lo. Sentiu-a a penetrar na pele sobre o peito.
Enquanto Miguel gritava, desesperado com a dor, teve a sensação de que a sua pele rebentava, de que sobre ela eram traçados finos cortes. Depois, sangue voltou a sair, agora na zona do peito. Miguel lembrou-se no nome do conto. “Love Hurts”… o amor magoa…
Ao mesmo tempo, Bruno ria-se enquanto perfurava a pele de Miguel, traçando com a caneta caminhos definidos.
Miguel sentiu que aqueles caminhos percorridos pela caneta não eram ao acaso.
Foi então que Bruno simplesmente parou.
– Eu disse que o psiquiatra não morria assim. É com um tiro!
E, levantando-se, abandonou o quarto.
A dor começava a desaparecer. Miguel sentiu-se estranhamente leve. Dormente.
Ele olhou para o peito e viu finalmente a forma que a caneta desenhara rasgando a sua pele. Era um “B”. De “Bruno”.
Miguel tocou no “B” e sentiu a dor voltar. Ao largá-lo, voltou a ser invadido por uma sensação de sono. Só depois raciocinou. As bebidas… A sua bebida devia ter algo mais que whisky escocês e cubos de gelo…
Momentos depois, Miguel adormeceu e entrou na escuridão.
CAPÍTULO 14
TIRO CERTEIRO
Os seus olhos abriram-se lentamente, sendo invadidos pela clara luz do amanhecer. Estava sozinho.
Viu vestígios de sangue nos lençóis. Levou a mão ao peito e sentiu uma cicatriz em forma de “B”. Ao tocar-lhe, invadiu-o uma pontada de dor.
Não podia tolerar mais depois do que tinha acontecido na noite anterior. Pela primeira vez, sentia o perigo. Pensou em todas as mortes que Bruno provocara. Pensou na maneira genial com que tinha conseguido destruir a sua vida. Não, não podia continuar assim. A história tinha de chegar ao fim.
Lembrou-se vagamente de Bruno dizer que o psiquiatra do conto morria com um tiro. Tinha de o confirmar.
Miguel levantou-se, vendo o dia de céu azul através da janela. Quando os seus pés entraram em contacto com o chão, esbarraram num objecto qualquer. Um objecto metálico.
Era uma arma.
Miguel chutou-a para debaixo da cama, e saiu do quarto.
***
A sala estava igual à noite anterior, excepto o facto de a lareira não ter agora fogo, mas sim cinzas.
Miguel, apenas com uma toalha à volta da cintura, dirigiu-se à secretária. Não tinha visto Bruno ainda. Nem iria procurá-lo naquela casa exageradamente grande. Isso até lhe dava tempo para fazer o que precisava.
Começou a procurar nas folhas, até encontrar o capítulo 13. Leu-o. De facto, o psiquiatra não morria aí. Em vez disso, adormecia, tal como lhe tinha acontecido.
Por fim, encontrou o que queria e o que não queria.
“Capítulo 14 – Último Capítulo”
Sim, era aquilo que queria. Mas o que não queria era a folha vazia. De facto, na folha apenas estava o título. Ele queria saber como acabava a história… ou seja, como é que Bruno tencionava matá-lo.
Mas nada. A folha estava em branco. Seria um sinal?
Pousou aquelas folhas e continuou a procurar. Mas não encontrou nada relativo ao capítulo 14 ou a tiros com armas de fogo.
Miguel reparou numa arma pousada na secretária, por baixo de algumas folhas rasuradas. Quantas armas de fogo estariam espalhadas por aquela casa?
Ao olhar em volta, viu o metal a reluzir por baixo de um dos sofás. Aproximou-se e encontrou outra arma. Segurou-a com a mão, observando a sua superfície prateada. Deveria haver muitas mais no resto da casa…
Foi então que ouviu passadas nas escadas. Passadas rápidas.
Em menos de nada, Bruno apareceu-lhe à frente. Estava vestido com um fato branco, até a camisa… e o seu olhar estranho e cintilante, igual ao da noite anterior.
Miguel entrou em pânico: não queria que Bruno soubesse que ele tinha encontrado as armas. Escondeu-a atrás das costas.
Eles olharam-se em silêncio.
O coração de Miguel acelerou. Seria ali? Seria assim que ia morrer?
Bruno levou a mão a um bolso interior, que ficava próximo do peito.
Miguel viu-o a remexer no bolso. O que tinha ele lá dentro? Seria uma arma? O psiquiatra não aguentava a pressão do batimento cardíaco acelerado. Sentiu que estava a suster a respiração.
E o braço de Bruno moveu-se. A mão dele começava a sair. Lentamente, ele ia tirando o braço, revelando cada vez mais, mas revelando sempre nada. Porque a mão continuava lá dentro, apesar de estar cada vez mais perto de aparecer.
E então Bruno parou. O seu braço ficou imóvel naquela posição. O italiano limitou-se a olhar Miguel. Um olhar que parecia querer dizer algo, mas não dizia nada. E então, ali parados, imóveis, Miguel viu os olhos negros de Bruno cintilarem. Eram lágrimas. Lágrimas que caíam enquanto ele estava ali, quieto, como se tivesse congelado. Como se estivesse a decidir o que fazer.
Mas no momento seguinte… a mão de Bruno voou para fora, à velocidade a luz.
Tão rápida que Miguel levou alguns instantes a percebê-lo. “O psiquiatra morre com um tiro”, lembrou-se. Tudo acontecia como se estivessem em câmara lenta.
E, então… ouviu-se o estrondo.
Ouviu-se o tiro.
Depois do tiro, voltou o silêncio.
E depois o silêncio foi quebrado, quando se ouviu um corpo a cair no chão, com um impacto secoPara saber como termina esta história, pode baixar grátis este conto em:
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