Aos quarenta anos Luciano ainda era um homem bonito, e fazia sucesso entre as mulheres; a ligação recentemente interrompida com Carla dera muito que falar à vizinhança, na pequena localidade do interior onde vivia. Luciano estava casado com uma mulher muito delicada e encantadora, mas dois anos após o casamento sua saúde declinara a tal ponto que ela se transformara em uma semi-inválida. Luciano a amara com ardor, e sua paixão a princípio parecia revivê-la, mas aos poucos foi se tornando um perigo para a saúde dela. Finalmente o médico aconselhou a que não mais fizessem amor, e a pobre Cristina entrou em um longo período de castidade. Luciano também se viu subitamente privado de sua vida sexual.
Cristina estava, naturalmente, proibida de ter filhos, de modo que ela e Luciano decidiram adotar duas crianças do orfanato da cidade. Foi um grande dia para Cristina, e ela se vestiu com capricho para a ocasião. Era um grande dia também para o orfanato, porque todas as crianças sabiam que Luciano e sua mulher tinham uma bela casa, uma grande propriedade e gozavam da reputação de serem bondosos.
Foi Cristina quem escolheu quem iria adotar e foram dois adolescentes — Fernando, um menino delicado, de cabelos louros, e Daniela, uma menina morena e cheia de vida, ambos com dezesseis anos de idade. Os dois eram inseparáveis no orfanato, tão íntimos quanto irmãos.
Eles foram levados para a casa grande e linda, onde cada um ficou com um quarto que dava para o amplo parque. Luciano e Cristina cuidaram deles com ternura, orientando-os sempre. Além disso, Fernando cuidava de Daniela.
Ás vezes Luciano os observava com inveja de sua juventude e de sua amizade. Fernando gostava de lutar com Daniela. Por muito tempo ela foi a mais forte. Mas um dia, foi Fernando quem derrubou Daniela e conseguiu sentar-se sobre o peito dela e soltar um grito de triunfo. Luciano notou então que a vitória dele, precedida por uma acalorada união de seus corpos, não desagradou a Daniela. "Aí está a mulher começando a aparecer", pensou Luciano. "Ela quer que o homem seja mais forte."
Mas a mulher que timidamente começava a surgir na jovem não recebia um tratamento galante da parte de Fernando. Ele parecia decidido a tratá-la apenas como uma companheira de suas brincadeiras, até mesmo como um menino. Jamais a elogiava, ou reparava no modo como se vestia ou com sua vaidade. Na verdade, fazia questão de ser áspero quando ela esboçava meiguice e criticava seus defeitos. Fernando a tratava sem sentimentalismo. E a pobre Daniela ficava perplexa e magoada, mas se recusava a demonstrar seus sentimentos. Luciano era a única pessoa ciente da feminilidade magoada de Daniela.
Pierre vivia sozinho na grande propriedade. Tinha a seu cargo a fazenda vizinha e outras propriedades de Cristina espalhadas pela região, porém isso não era suficiente. Ele não tinha companhia. Fernando dominava Daniela de modo tão completo, que ela não lhe dava atenção. Ao mesmo tempo, com o olho experiente de homem mais velho, Luciano podia ver muito bem que Martha estava necessitando de outro tipo de relacionamento.
Um dia, quando encontrou Daniela sozinha no parque, chorando, arriscou-se a dizer-lhe ternamente:
— O que há, Daniela? Você sempre pode confiar a um pai o que não pode revelar a um companheiro de brinquedos.
Daniela ergueu os olhos para ele, pela primeira vez conscia de sua gentileza e simpatia. Confessou que Fernando a chamara de feia, desajeitada e dissera que ela tinha o lado animal muito forte.
— Que imbecil — disse Luciano. — Isso não é verdadeiro em absoluto. Ele diz essas coisas porque na realidade tem muito de uma menina e não é capaz de apreciar sua beleza forte e saudável. Na verdade, ele é efeminado e você é maravilhosamente forte e bonita, de um jeito que ele não pode compreender.
Daniela fitou-o com gratidão.
Desse dia em diante Luciano passou a cumprimentá-la a cada manhã com uma frase do tipo: "Esse azul realça tanto a cor da sua pele!", ou "Esse seu penteado está muito bonito".
Luciano a surpreendia com perfumes, echarpes e outras pequenas vaidades. Cristina não mais saía do quarto, e apenas ocasionalmente, em dias ensolarados, sentava-se em uma cadeira, no jardim. Fernando, absorto em estudos científicos, dava cada vez menos atenção a Daniela.
Luciano tinha um carro e saía sempre para supervisionar a fazenda. Geralmente ia sozinho. Então começou a levar Daniela.
Ela estava com dezessete anos, tinha um ótimo aspecto proporcionado pela vida saudável que levava, a pele clara e os cabelos pretos e brilhantes. Seus olhos eram faiscantes e ardentes e costumavam se demorar no corpo franzino de Fernando — "com demasiada freqüência", pensou Fernando, observando-a. Evidentemente estava apaixonada por Fernando, mas este não se dava conta disso. Luciano sentiu uma pontada de ciúme. Olhou sua imagem ao espelho e se comparou com Fernando. O resultado da comparação o favorecia bastante, pois embora Fernando fosse um rapaz bonito, havia também algo glacial em sua aparência, enquanto os olhos verdes de Luciano ainda eram irresistíveis para as mulheres e do seu corpo desprendia-se grande calor e charme.
Sutilmente ele começou a cortejar Daniela, com elogios e atenções, tornando-se seu confidente em todos os assuntos, até ela chegar a lhe confessar a atração que sentia por Fernando, acrescentando:
— Ele é absolutamente desumano.
Um dia Fernando a insultou abertamente na presença de Luciano. Ela estivera dançando e correndo e parecia exuberante e cheia de vida. De repente, Fernando fitou-a com reprovação e disse:
— Mas que animal você é! Jamais conseguirá sublimar sua energia.
Sublimação! Então era isso que ele queria. Desejava levar Daniela para seu mundo de estudos, teorias e pesquisas para negar o fogo existente nela. Daniela encarou-o, furiosa. A natureza estava trabalhando em favor de Luciano. O verão mais lânguida; o verão a despira. Usando menos roupas, ficava cada vez mais consciente do próprio corpo.
A brisa parecia acariciar-lhe a pele. A noite ela se revirava na cama com uma inquietude que não podia compreender. Usava os cabelos soltos e tinha a impressão de que alguém os acariciava a altura do pescoço.
Luciano percebeu logo o que estava lhe acontecendo. Mas não agiu diretamente. Quando a ajudava a saltar do carro, a mão dele demorava-se em seu jovem braço nu. Ou quando ela estava triste e lhe falava da indiferença de Fernando, ele acariciava seus cabelos. Os olhos de Luciano pousavam nela e conheciam cada pedaço de seu corpo, tudo que ele adivinhava estar sob a roupa. Sabia como era fina a penugem que recobria sua pele, como suas pernas eram livres de pêlos, como eram firmes seus jovens seios. Os cabelos de Daniela, rebeldes e grossos, freqüentemente roçavam no seu rosto quando ela se inclinava para estudar os relatórios da fazenda com ele. Com freqüência sua respiração misturava-se à dele. Uma vez Luciano deixou a mão um longo tempo em torno de sua cintura, de modo paternal. Ela não se afastou. De certo modo, os gestos dele correspondiam profundamente à sua necessidade de calor humano. Ela pensava estar cedendo a um ardor envolvente e paternal e aos poucos era Daniela quem procurava ficar bem junto de Luciano, quem o abraçava quando estavam andando de carro e quem repousava a cabeça em seu ombro quando voltavam para casa nos fins de tarde.
Eles retornavam dessas viagens de supervisão sempre radiantes, com um entendimento secreto que Fernando percebia.
Aquilo o tornava ainda mais taciturno. Mas Daniela estava em franca rebelião contra ele. Quanto mais severo e reservado ele se mostrava, mais Daniela queria exibir o fogo que havia nela, seu amor pela vida e pelo movimento. Ela se jogou de corpo e alma na amizade com Luciano.
A aproximadamente uma hora de carro havia uma fazenda abandonada que já estivera alugada. Caíra em desuso e Luciano decidiu repará-la para quando Fernando se casasse. Antes de chamar os operários, ele e Daniela foram juntos examinar o que havia para ser feito.
Era uma casa enorme, de um único andar, quase completamente oculta pela hera que cobria as janelas como uma cortina natural, escurecendo o interior. Luciano e Daniela abriram uma janela. Encontraram muita poeira, a mobília mofada e alguns cômodos destruídos pela chuva. Mas um quarto estava praticamente intacto. Era o quarto principal. Uma cama grande, escura, muitas cortinas, espelhos e um tapete gasto lhe davam, na semi-escuridão,uma certa imponência. Em cima da cama havia uma pesada colcha de veludo.
Luciano, olhando tudo com olhos de arquiteto, sentou-se a beira da cama. Daniela ficou de pé, ao seu lado. O calor do verão entrava no aposento em ondas, agitando o sangue de ambos. De novo Daniela sentiu como se uma mão invisível a acariciasse. Não lhe pareceu estranho que uma mão de verdade de repente escorregasse por entre suas roupas, com a mesma delicadeza e suavidade da brisa, tocando sua pele. Pareceu-lhe natural e agradável; ela fechou os olhos.
Luciano puxou-a para junto de si e a deitou na cama. Ela conservou os olhos fechados. Aquilo parecia tão-somente a continuação de um sonho. Deitada sozinha em muitas noites quentes, vinha esperando por aquela mão, que fazia tudo quanto imaginara. Metia-se com delicadeza através de suas roupas, livrando-a delas como se fossem uma fina escama, libertando a pele verdadeira e quente. A mão moveu-se por todo o seu corpo, foi a lugares a que ela não sabia que seria possível ir, lugares secretos que latejavam.
De repente ela abriu os olhos. Viu o rosto de Luciano junto ao seu, preparando-se para beijá-la. Sentou-se bruscamente. Com os olhos fechados, supôs que fosse Fernando quem a estava acariciando assim furtivamente. Mas quando viu o rosto de Luciano, ficou desapontada. Fugiu dele. Voltaram para casa em silêncio, mas não zangados. Daniela parecia estar drogada. Não conseguia se libertar da sensação do corpo de Daniela sobre o seu. Luciano mostrou-se terno e pareceu compreender sua resistência. Encontraram Fernando tenso e tristonho.
Daniela não conseguiu dormir. Cada vez que cochilava começava a sentir a mão novamente, a aguardar seus movimentos, ascendendo pela sua perna na direção do local secreto onde sentia uma pulsação, uma expectativa. Levantou-se e foi à janela. Todo o seu corpo desejava ardentemente que aquela mão a tocasse de novo. Aquele desejo era pior que fome ou sede.
No dia seguinte ela se levantou pálida e determinada. Assim que acabaram de comer, virou-se para Luciano e perguntou:
— Temos que visitar a fazenda hoje?
Ele concordou. Saíram de carro. Foi um alívio. O vento batia em seu rosto e ela se sentia livre. Examinou a mão direita dele ao volante do carro — uma bonita mão, jovem, ágil e terna. De súbito, Daniela se inclinou e comprimiu os lábios contra aquela mão. Luciano sorriu com tanta gratidão e alegria que o coração de Daniela deu pulos. Juntos eles atravessaram o jardim abandonado, subiram o caminho coberto de musgo e entraram no quarto verde-escuro com suas cortinas de hera. Foram direto para a cama larga, e Daniela se deitou primeiro.
— Suas mãos — murmurou ela —, oh, as suas mãos, Luciano. Senti-as sobre mim a noite inteira.
Com que suavidade, com que gentileza as mãos dele começaram a acariciar seu corpo, como se estivessem procurando o local onde suas sensações estavam reunidas e não soubessem se era em torno dos seios, nos quadris ou no vale, entre as nádegas. Ele esperou que a carne dela reagisse, notando tremores quase imperceptíveis quando sua mão tocava o ponto que ela desejava. Seus vestidos, suas cobertas, suas camisolas, a água de seu banho, o vento, o calor, tudo conspirava para sensibilizar sua pele até aquela mão realizar as carícias que todas aquelas coisas lhe tinham feito, acrescentando o calor e o poder de penetrar nos locais secretos onde quer que estes se encontrassem. Mas assim que Luciano se aproximou para beijá-la, a imagem e Fernando se interpôs entre eles. Daniela fechou os olhos e Luciano sentiu que seu corpo também se fechava. Sabiamente, ele não prosseguiu com as caricias.
Naquele dia, quando retornaram, Daniela estava tomada por uma espécie de embriaguez que a fazia se comportar de modo imprudente. A casa era dividida de tal modo que o apartamento de Cristina e Luciano era ligado ao quarto de Daniela, e este, por sua vez, se comunicava com o banheiro usado por Fernando. Quando eram menores, todas as portas ficavam abertas. Agora, a mulher de Luciano preferia trancar a porta do seu quarto, e a que separava Luciano e Daniela também ficava trancada. Nesse dia Daniela tomou um banho. Deitada silenciosamente dentro d'água, ela podia ouvir os movimentos de Fernando no quarto. Seu corpo estava febril em razão das carícias de Luciano, mas ela ainda desejava Fernando. Queria fazer mais uma tentativa para despertar o desejo nele, para forçá-lo a se decidir, para saber se havia ou não esperança no amor que sentia por ele.
Depois do banho ela vestiu um quimono branco e comprido, deixando os cabelos longos e negros soltos. Em vez de voltar para o seu quarto, entrou no de Fernando. Ele se espantou ao vê-la. Daniela explicou sua presença dizendo:
— Estou terrivelmente ansiosa, Fernando; preciso do seu conselho. Breve vou sair de casa.
— Sair de casa?
— Sim — disse Daniela. — Está na hora. Tenho que aprender a ser independente. Quero ir para São Paulo.
— Mas você é tão necessária aqui.
— Necessária?
— Você faz companhia ao meu pai — explicou ele, com amargura. Será que ele estava com ciúme? Prendendo a respiração, Daniela aguardou que Fernando dissesse mais alguma coisa, e acrescentou:
— Eu já devia estar conhecendo gente e tentando me casar. Não posso ser um fardo a vida inteira.
Naquele momento Fernando viu Daniela pela primeira vez como mulher. Sempre a considerara uma criança. O que via era um corpo voluptuoso, claramente delineado pelo quimono, os cabelos úmidos, o rosto febril, a boca macia. Ela aguardou. A expectativa que sentia era tão intensa que suas mãos caíram ao longo do corpo, e o roupão se abriu e revelou toda a sua nudez.
Fernando viu então que ela o queria, que estava se oferecendo, mas em vez de se excitar, a rechaçou.
— Daniela! Oh, Daniela! — disse. — Que animal você é, não passa mesmo da filha de uma prostituta. Sim, no orfanato todos diziam isso, que você era filha de uma puta.
O sangue de Daniela subiu-lhe ao rosto.
— E você — disse ela — é um impotente, um monge, e como uma mulher, não é homem. Seu pai, sim, seu pai é um homem.
Com isso, saiu correndo do quarto.
A imagem de Fernando parou de atormentá-la. Daniela queria apagá-la de seu corpo e de seu sangue. Naquela noite esperou que todos fossem dormir para destrancar a porta do quarto de Pierre e foi deitar-se na cama dele, oferecendo-lhe silenciosamente o corpo frio e abandonado.
Pierre soube que ela estava livre de Fernando, que era sua, pelo modo como foi para a sua cama. Que satisfação sentir aquele corpo jovem e macio deslizando contra o seu. Nas noites de verão ele dormia nu. Daniela deixara cair o quimono e também estava nua. Imediatamente o desejo de Luciano se acendeu e ela sentiu sua ereção de encontro ao ventre.
Suas difusas emoções estavam concentradas em uma única parte do corpo. Ela se surpreendeu fazendo gestos que jamais aprendera, envolvendo com a mão o pênis de Luciano, colando seu corpo ao dele, oferecendo a boca para os muitos tipos de beijo que Luciano sabia dar. Daniela se entregou num frenesi e Luciano foi capaz de seus maiores feitos.
Cada noite era uma orgia. O corpo dela tornou-se ágil e conhecedor. O vínculo entre eles era tão forte que era difícil fingir durante o dia. Se Daniela olhava para Luciano, era como se ele a estivesse tocando entre as pernas. Ás vezes eles se abraçavam no corredor escuro. Ele a apertava de encontro à parede. Junto à entrada havia um grande armário cheio de casacos e sapatos de neve, onde ninguém jamais entrava no verão. Daniela escondia-se naquele armário e Luciano a seguia.
Deitados sobre os casacos, naquele espaço secreto, pequeno, confinado, eles se abandonavam.
Pierre estava sem atividade sexual havia alguns anos e Daniela nascera para aquilo e só vivia para aqueles momentos.
Ela o recebia sempre com a boca aberta e já molhada entre as pernas. Seu desejo surgia antes mesmo de vê-la, à simples idéia de sabê-la esperando no armário escuro. Agiam como animais lutando, prestes a se devorar. Se o corpo de Luciano vencia e ele a subjugava, possuía-a com tamanha força que parecia estar apunhalando-a com seu sexo, vezes sem conta, até ela cair para trás, exausta. Os dois passaram a viver em maravilhosa harmonia, a excitação crescendo ao mesmo tempo em ambos.
Daniela tinha um jeito de se agarrar a Luciano como um ágil animal. Ela se esfregava de encontro ao seu pênis ereto e ao seus pêlos pubianos com um tal ímpeto, que ele ficava ofegante. Aquele armário escuro se transformou no covil de dois animais.
Às vezes eles iam de carro para a casa da fazenda abandonada e passavam a tarde lá. Tornaram-se tão saturados de sexo que se Luciano beijasse as pálpebras de Daniela ela sentiria seu beijo entre as pernas. Seus corpos estavam carregados de desejo, e eles não conseguiam exauri-lo.
Fernando se transformou em uma pálida imagem de si próprio. Luciano e Daniela não perceberam que ele os observava. A mudança que ocorreu em Luciano foi evidente. Seu rosto resplandecia, seus olhos brilhavam, seu corpo ficou mais jovem. E em Daniela! A voluptuosidade estava aparente em todo o seu corpo. Cada movimento seu era sensual — servir café, apanhar um livro, jogar xadrez, tocar piano, tudo ela fazia como quem fazia uma carícia. Seu corpo tornou-se mais cheio e os seios ficaram tensos sob a roupa. Fernando não podia se sentar entre Luciano e Daniela. Mesmo quando os dois não se olhavam ou se falavam, ele podia sentir uma corrente poderosa ligando-os.
Um dia em que eles foram de carro para a fazenda abandonada, Fernando, em vez de continuar estudando, sentiu uma onda de preguiça e vontade de tomar um pouco de ar fresco. Montou na bicicleta e saiu andando sem rumo, sem pensar neles, mas talvez se lembrando meio inconscientemente do boato que corria no orfanato sobre Daniela ter sido abandonada por uma prostituta muito conhecida. A impressão de Fernando era de que em toda a sua vida, embora amasse Daniela, também a temera.
Achava que ela tinha qualquer coisa de animal, que podia gostar das pessoas da mesma forma que gostava de comida, que seus pontos de vista sobre os outros eram completamente opostos aos dele. Daniela diria: "Ele é bonito" ou "Ela é encantadora". Ele diria: "Ele é interessante" ou "Ela tem bom caráter". Daniela expressara sua sensualidade desde garotinha, quando brigava com ele, quando o acariciava. Gostava de brincar de esconder, e quando Fernando não conseguia achá-la, ela saía do esconderijo para que ele pudesse agarrar seu vestido e pegá-la.
Uma vez estavam brincando juntos e construíram uma cabana. Logo estavam abraçados, bem juntinhos. Então Fernando viu o rosto dela. Daniela fechara os olhos para desfrutar o calor dos dois corpos unidos, enquanto Fernando sentia um medo tremendo.
Por que medo? Em toda a sua vida ele fora perseguido por essa aversão a sensualidade. Não conseguia explicar aquilo. Mas era o que acontecia. Já pensara seriamente em tornar-se um monge.
Sem pensar em seu destino, ele chegou à velha casa da fazenda. Havia muito tempo que não a visitava. Avançou em silêncio, caminhando sobre o musgo e a grama muito crescida. Só por curiosidade resolveu entrar e investigar. Assim, chegou sem fazer ruído ao aposento onde se encontravam Luciano e Daniela. A porta estava aberta. Ele parou petrificado ante a visão.
Era como se o seu maior medo se tivesse tornado realidade. Luciano estava deitado de costas, os olhos semicerrados, e Daniela, completamente nua, comportava-se como um demônio, trepando por cima dele, num desejo frenético pelo seu corpo de homem.
Fernando ficou paralisado com o choque, mas mesmo assim percebeu todos os detalhes. Daniela, desembaraçada, voluptuosa, estava não apenas beijando o sexo de Luciano como também agachando-se sobre sua boca e depois se jogando e esfregando os seios contra o corpo dele, enquanto Luciano permanecia deitado de costas, extasiado e hipnotizado pelas carícias dela.
Nisso, e sem que tivesse sido ouvido, Fernando saiu correndo. Acabara de ver o pior dos vícios infernais, confirmando seus receios de que a natureza de Daniela fosse mesmo erótica, pois acreditara que seu pai adotivo estivesse meramente cedendo à sua paixão. Quanto mais ele tentava apagar aquela cena da memória, mais ela penetrava em todo o seu ser, destacada, indelével, persistente.
Quando Luciano e Daniela retornaram, Fernando ficou espantado ao ver como as pessoas podem ter no dia-a-dia uma aparência completamente diferente daquela que têm ao fazer amor. A mudança era obscena. O rosto de Daniela estava fechado, e antes denunciava todo o prazer que sentia através dos olhos, dos cabelos, da boca e da língua. E Luciano, o sério Luciano, há pouco não era um pai, e sim um corpo bastante jovial e esticado em uma cama, abandonado à. luxúria furiosa de uma mulher sem limites.
Fernando sentiu que não podia mais continuar em casa sem denunciar sua descoberta à mãe enferma, a todo mundo. Quando declarou sua intenção de ir para os Estados Unidos para estudar, Daniela dirigiu-lhe um rápido e penetrante olhar de espanto. Até aquele momento achara que Fernando fosse apenas puritano. Mas acreditava também que ele a amasse e que, mais cedo ou mais tarde, sucumbiria a ela. Queria os dois. Luciano era o amante que qualquer mulher sonharia em ter. Quanto a Fernando, poderia educá-lo, mesmo contrariando a natureza dele. Mas Fernando estava indo embora. Permanecia algo inacabado entre eles, como se o calor gerado por suas brincadeiras tivesse sido interrompido, mesmo que destinado a ter prosseguimento em sua vida adulta.
Naquela noite ela tentou de novo argumentar com Fernando. Foi até o seu quarto. Ele a recebeu com tamanha revolta que Daniela exigiu uma explicação; forçou-o a se abrir, e por fim ele deixou escapar a narrativa da cena que testemunhara. Não podia crer que ela amasse Luciano. Acreditava que fosse o animal que existia nela. Ao ver sua reação, ela achou que jamais conseguiria possuí-lo.
Daniela se deteve junto à porta e lhe disse:
— Fernando, você está convencido de que meu lado animal predominou sobre mim. Pois bem, posso provar facilmente que não sou assim. Já disse que o amo. E vou provar. Não só vou romper com Luciano, como também virei até aqui todas as noites e ficarei com você, para dormirmos juntos como no tempo em que éramos crianças, e vou provar a você como sou casta, livre de desejo.
Os olhos de Fernando se arregalaram. Ele se sentiu profundamente tentado. A lembrança de Daniela e seu pai fazendo amor era intolerável. Ele justificava essa intolerância a si próprio com base em motivos morais. Não reconhecia estar com ciúme.
Não admitia quanto gostaria de estar no lugar de Luciano, de ter toda a experiência com mulheres que ele tinha. Não indagou a si próprio por que repudiava o amor de Daniela. Mas qual seria o motivo de ele ser tão afastado dos apetites naturais dos outros homens e mulheres?
Fernando concordou com a proposta de Daniela. Astutamente, Daniela não rompeu com Luciano de um modo que o alarmasse, limitando-se a dizer-lhe que Fernando estava desconfiado e que queria acabar com todas as suas dúvidas antes que ele estudar fora.
Enquanto John esperava pela visita de Daniela, procurava recordar tudo o que podia de seus sentimentos sexuais. Suas primeiras impressões eram ligadas a Daniela — dos dois no orfanato, protegendo-se mutuamente, inseparáveis. Seu amor por ela então era ardente e espontâneo. Ele se deliciava em tocá-la. Um dia, quando Daniela estava com onze anos, uma mulher foi visitá-la. Fernando a viu enquanto esperava no parlatónio. Nunca tinha visto ninguém assim. Ela usava roupas justas que ressaltavam seu corpo cheio, voluptuoso. Os cabelos ondulados eram cor de ouro, com reflexos ruivos, e os lábios estavam tão pintados que fascinaram o garoto. Ele a fitou e depois a viu abraçar Daniela. Posteriormente soube que era a mãe dela, que a abandonara quando pequena e mais tarde a reconhecera, mas que não podia criá-la por ser a prostituta favorita da cidade.
Depois disso, sempre que o rosto de Daniela resplandecesse de excitação, sempre que seu rosto brilhasse, que ela usasse um vestido apertado ou fizesse o menor gesto coquete, Fernando sentiria grande perturbação e rancor. Tinha a impressão de ver nela a mãe, achava que seu corpo era provocante, que ela era lasciva. Fernando a questionava. Queria saber o que pensava, com que sonhava, quais eram seus mais secretos desejos. Ela respondia com ingenuidade. A pessoa de quem mais gostava no mundo era Fernando. O que lhe dava mais prazer era ser tocada por ele.
— O que você sente então? — perguntava Fernando.
— Contentamento, um prazer que não sei explicar.
Fernando estava convencido de que não era por causa dele que ela sentia aqueles prazeres semi-inocentes, pois sentiria a mesma coisa com qualquer homem. Imaginava que a mãe de Daniela devia sentir a mesma coisa com todos os homens que encostavam nela. Ao afastar-se de Daniela, privando-a da afeição de que ela carecia, ele a perdera. Mas isso Fernando não era capaz de ver.
Sentia um grande prazer em dominá-la. Iria mostrar-lhe o que era castidade, como podia haver amor sem sensualidade.
Daniela apareceu à meia-noite, silenciosamente. Usava uma camisola comprida e branca, e por cima da camisola um quimono. Os cabelos longos e espessos caíam-lhe sobre os ombros. Os olhos brilhavam de modo anormal. Mostrava-se serena e delicada, como se fosse mesmo a irmã de Fernando. Sua costumeira vivacidade estava controlada, reprimida. Desse modo não assustava o rapaz. Parecia outra Daniela.
A cama era muito larga e baixa. Fernando apagou a luz. Daniela deitou-se sem encostar o corpo no dele. Fernando tremia. Aquilo o fazia lembrar-se do orfanato, onde, para conseguir conversar mais um pouco com ela, fugia do dormitório dos meninos e ia falar-lhe pela janela. Naquele tempo ela usava também uma camisola branca, mas seus cabelos eram presos em tranças. Fernando disse isso a Daniela e perguntou-lhe se ela o deixaria fazer tranças em seus cabelos. Ele a queria ver de novo como uma garotinha. Daniela deixou. No escuro, as mãos dele encontraram seus fartos cabelos e os trançaram. Depois os dois fingiram cair no sono.
Mas Fernando viu-se atormentado por uma série de imagens. Via Daniela nua e depois a mãe dela com o vestido justo que revelava todas as suas curvas, e de novo lá estava Daniela, agachada como um animal sobre o rosto de Luciano. O sangue latejava em suas têmporas e ele sentiu vontade de estender a mão. Ele o fez. Daniela segurou-a e a colocou sobre seu coração, em cima do seio esquerdo. Fernando sentiu seu coração batendo. E foi desse modo que os dois finalmente dormiram. De manhã acordaram juntos. Fernando descobriu que tinha se aproximado de Daniela e passado a noite colado a ela. Acordou desejando-a, sentindo seu calor. Furioso, saltou da cama e fingiu ter de se vestir rapidamente.
E assim eles passaram a primeira noite. Daniela mostrando-se delicada e submissa. Fernando atormentado de desejo. Mas seu orgulho e seu medo eram ainda maiores que o desejo.
Ele sabia o que tanto temia. Tinha medo de que pudesse ser impotente. Receava que seu pai, conhecido como um Dom Juan, fosse mais potente e mais hábil. Tinha medo de ser desajeitado. Receava que, uma vez despenado o fogo vulcânico de Daniela, não conseguisse satisfazê-lo. Uma mulher menos fogosa não o teria assustado tanto. Ele tinha se preocupado muito em controlar sua natureza e seu impulso sexual. Talvez tivesse sido bem-sucedido demais. Duvidava de si próprio.
Com sua intuição feminina, Daniela devia ter adivinhado tudo isso. A cada noite ela vinha mais tranqüila, mostrava-se mais delicada, mais humilde. Os dois dormiam juntos inocentemente. Ela não revelava o calor que sentia entre as pernas quando Fernando se deitava a seu lado. Daniela realmente dormia. Ele as vezes permanecia acordado, perseguido por imagens sensuais de seu corpo nu.
Uma ou duas vezes ele acordou no meio da noite e puxou o corpo dela para junto de si e, com a respiração presa, acariciou-a. Seu corpo era indefeso e cálido, assim adormecido. Atreveu-se a erguer a camisola de Daniela pela bainha, a puxá-la por cima dos seios e a passar a mão em seu corpo para sentir-lhe as formas. Daniela não acordou. Isso lhe deu coragem. Fernando limitou-se a acariciá-la, a sentir com cuidado as curvas do seu corpo, cada linha dele, até saber onde a pele se tornava mais suave, onde ficava a carne mais cheia, onde se localizavam os vales, onde tinham início os pêlos pubianos.
O que ele não sabia era que Daniela estava semidesperta, desfrutando suas carícias, sem se mexer, com medo de assustá-lo. Uma vez ela ficou muito excitada e quase teve um orgasmo. De outra feita ele se atreveu a colocar seu pênis ereto contra suas nádegas, mas foi só uma vez.
Cada noite ele ousava um pouco mais, surpreso com o fato de não despertá-la. Seu desejo era constante, e Daniela era mantida em um tal estado de febre erótica que ela própria se admirava de sua capacidade de fingir. Fernando tornou-se mais atrevido. Aprendeu a esfregar o sexo entre as pernas dela muito delicadamente, sem penetrá-la. O prazer era tão grande que passou a entender todos os amantes do mundo.
Atormentado por tantas noites de contenção, Fernando esqueceu seus cuidados e possuiu Daniela meio adormecida, assustando-se ao ouvir pequenos sons de prazer subindo de sua garganta durante suas investidas. Ele não foi estudar nos Estados Unidos. E Daniela conservou os dois amantes satisfeitos: Luciano durante o dia, e Fernando durante a noite.