Pra quem me conhece, sabe que não consigo ser sucinta...
“- É isso que tu queres? É isso? Pois vais ter, mas da minha maneira!” – e continuava...
Era dezembro, ano de 2001 e ía-se lá meus 23 anos. Eu trabalhava numa ONG como agente do banco de dados, e tinha eu chegado três dias antes nessa cidade para montar os preparativos para um treinamento de multiplicadores. Andávamos sempre em duplas, mas a colega que colaboraria comigo estava doente, então eu fui sozinha. Com isso daria para eu ficar num quarto só pra mim, pelo mesmo preço, mas significativamente melhor.
Pois bem, como não havia dado tempo de avisar o hotel com antecedência de que não iriam duas, mas uma só pessoa – eu – para o quarto reservado, já que a desistência dessa minha colega foi em cima da hora, cheguei, em alta temporada, com os quartos praticamente indisponíveis. Minha sorte é que o dono do hotel era parente de um dos nossos associados, e que eu conhecia muito bem.
A essa altura eu estava muito cansada, pois a viagem era de cerca de 4 horas numa lancha em mar agitado. Ele me recomendou uma pousada, do mesmo dono, só que um pouco mais longe do local de trabalho. Não tive escolha e fui. Estava chovendo muito, e o taxi não pode chegar muito perto, pois o acesso era difícil, então um funcionário foi me buscar ali perto.
O lugar era simples, mas aconchegante. Se não fosse tão longe do lugar onde eu iria trabalhar, ficaria ali sempre. Chamou-me a atenção logo na entrada, na recepção. Eu estava ensopada, cansada, mas não deixei de reparar no rapaz que me atendeu. O recepcionista estava de folga, então um dos sobrinhos do dono do hotel assumiu o posto naquela mesma noite, foi o que fiquei sabendo depois. Era um rapaz de pele morena, olhos incrivelmente verdes, cabelos cacheados castanhos claros e levemente compridos; usava calça jeans e camisa branca, de algodão, dessas que marcam bem o corpo. Usava três pequenas argolas na orelha esquerda e uma pequena pedra de brilhante na direita. Acho que ele reparou que me “assustei” com o que vi, mas tentei disfarçar desengonçadamente e fui fazendo minha ficha. Estava tão exausta que nem percebi que minha blusa, de tão ensopada, havia ficado transparente, mesmo usando soutien. Só dei por mim quando percebi um olhar discreto em direção ao meu decote. Fechei a jaqueta indiscretamente, sem graça, e como sempre, muito atrapalhada. Ele deu um risinho de canto de boca, por sinal lindíssimo, e foi me mostrar o quarto, enquanto o gerente, o tal funcionário que foi me buscar na porteira da fazenda – sim, era uma fazenda! – não parava de falar da chuva, que fazia três dias seguidos que não parava de cair. O rapaz, muito calado, só balançava a cabeça, concordando com as afirmações do gerente verborrágico. Ouvi um “Por aqui, me acompanhe” estremecedor, de tão forte que era a voz do rapaz.
Deixou-me na porta. Deu-me um “boa noite” e se virou. Vi que não era acostumado com as formalidades de um hotel, mas na hora achei de extrema grosseria. “Bleeh (dando língua)! Que grosso”, pensei. O quarto era simples, confortável, de moveis de madeira, rústicos, bem aos moldes de fazenda tradicional. Meus ossos doíam. Liguei o rádio, pra ouvir enquanto ia tomar um banho, pra tentar relaxar um pouco. A música era sertaneja, então só relaxei depois que desliguei o rádio (nada contra a quem gosta, viu?). Estava me arrumando pra dormir quando resolvi pedir um lanche. O interfone estava mudo. Que lindo, não? Pus um roupão e fui à busca de algum “engasga-gato” pra forrar o estômago.
Não havia ninguém na recepção. Só uma senhora sentada num sofá antigo, muito surrado, cochilando ferozmente mais ao canto. Sentia estremecer o assoalho a cada ronco dela, cruzes! Fiquei andando por lá, tentando achar a cozinha pra assaltar, e me deparei com uma cena chocante: ao olhar pela janela, vi que havia um casal, encostado ao lado de uma espécie de cilo, do lado de fora, um pouco além da varanda lateral, discutindo furiosamente. Ela batia nele, gritava e tentava mordê-lo, enquanto ele a repelia, indiferente à exaltação dela. Estava escuro, e eu não vi muito bem quem era, e eu tinha esquecido meus óculos no quarto (sem eles eu sou uma toupeira!). A chuva tinha dado uma trégua, mas assim mesmo, o barulho do coaxar dos bichos da noite ainda era muito alto, mal dava pra ouvir o que diziam. Fui pra fora, devagar, pra tentar saber que confusão era aquela, quando ouvi o estalar de um tapa. Era dela nele. Consegui escutá-la chorando, o insultando, dizendo que era um “frouxo”, e que dali jamais ela conseguiria ver um homem de verdade. Nessa hora, o homem a segurou pelos punhos, a jogou contra a parede, e com uma das mãos levantou-lhe a perna, puxou a calcinha por baixo das saias, estalando o rasgar do tecido.
“- É isso que tu queres? É isso? Pois vais ter, mas da minha maneira!” – ele falou. Levei minha mão à boca, abafando um gemido de susto. Percebi na hora que se tratava do rapaz da recepção, pelo timbre da voz, dita agora com cólera. Ouvi um grito de dor, seguido de uma gargalhada galhofeira da mulher, possuída brutalmente pelo rapaz, não deixando de dizer impropérios dos mais abusados. Fiquei paralisada. Eu não podia ficar ali, e tentei me afastar antes que me vissem, mesmo estando por trás de uma das colunas da varanda lateral da casa, no escuro. Mas eu esbarrei em alguma coisa de ferro, que caiu fazendo um estardalhaço. “Eles vão me ver!” – pensei. O rapaz voltou-se rapidamente, interrompendo o ato, e perguntou “quem está aí?” sem guardar seu “membro”, ainda em riste. Ela pareceu não se importar, e puxou-o pra si com força. Ele a repeliu e insistiu na pergunta: “- Quem está aí?” falou mais decidido, se arrumando desta vez. “- Que merda! Deixa quem quiser ver! Volta aqui e continua!” ela disse, sendo repelida mais uma vez. Saí correndo nessa hora! Fiquei com medo de que vissem que era eu. Fui pro quarto, jurando que ia tentar dormir. Debati-me um pouco. Fiquei com um calor absurdo, apesar de a noite estar fria. Excitei-me com o que vi, e me imaginei no lugar daquela mulher. Ela era vulgar, se vestia vulgarmente, tinha um corpo incrivelmente bonito. Ele a segurou com uma das mãos e com a outra a despiu brutalmente. Apertava seus seios, fartos e intumescidos, e ela gemia de dor e prazer, com o sorriso incontrolado no rosto, misturado a gemidos perdidos de prazer. Ele tinha o corpo forte, magro, denunciando sua pouca idade, ao contrário dela, voluptuosa, aparentava ter lá seus 26, 27 anos. Tinha pernas incrivelmente fortes, pois sustentara o peso daquela mulher com um dos braços. Ele segurava suas mãos, tentando controlar as investidas dela querendo beijá-lo na boca. Ele esquivava esses beijos. Isso a deixava enfurecida. Ela dava socos em suas costas, num ato de selvageria descabida. Ele não esboçava nada além de raiva, estocando com força entre as pernas da mulher, que ria e gemia alto, sem se importar com quem poderia eventualmente escutar. Ele começou a soltar um gemido furioso, denunciando um gozo iminente, juntamente a ela, que puxava seus cabelos com força, quando eu interrompi atrapalhadamente...
Aquilo não saía da minha cabeça! Nem sei como cheguei ao quarto, de tão rápido que corri! Adormeci sei lá que horas. Acordei com o gerente batendo a porta, que pedia desculpas por ter se esquecido de me avisar que o interfone estava quebrado, informou o café estava à disposição, que o gerente do outro hotel ligou avisando que havia vagado um quarto, e que mandaria um táxi me buscar. Como eu não tinha desfeito minha mala, deli há meia hora fui tomar café, preparada pra voltar. A única coisa que eu não consegui encontrar era minha correntinha de ouro que ganhei de minha avó, com a inicial do meu nome, o que me deixou muito triste. Percebi que o rapaz já não estava mais ali. A tal moça da noite anterior estava servindo outra mesa, e só então vi como era bonita. Cabelos compridos, de um cacheado belíssimo, pele muito alva e grandes olhos negros como a noite anterior. Usava o mesmo lenço nos cabelos da noite passada, que dava pra ver, pois era muito branco. Olhou-me como se eu não estivesse ali e seguiu com seu trabalho.
Eu precisava saber o que aconteceu, mas sabia que não tinha como. Dirigi-me a recepção pra acertar a conta e perguntei por que a recepção estava vazia na noite anterior, pois precisei lanchar e como não encontrei ninguém, voltei com fome ao meu quarto. O gerente pediu desculpas, que não sabe por que o Júlio não estava a postos, mas que ele havia deixado um envelope pra mim antes de seguir cedo à cidade.
Fiquei gelada ao ponto do gerente perguntar se eu estava bem. Eu disse que estava bem, e que ainda estava um pouco cansada da viagem, tomando o envelope em minhas mãos. Era minha correntinha, com o seguinte bilhete:
“Tome cuidado a próxima vez, pois ela podia ter caído pela fresta do assoalho, se não tivesse ficado engatada na mesa se ferro na varanda. Tomei a liberdade de pegar seu telefone na recepção. Júlio.”
Continua...