Quase sem perceber, tamborilava com as pontas dos dedos na mesa ao lado do sofá. Um atraso bobo, pouco mais de cinco minutos, coisa que nunca me incomodaria numa situação normal. Mas é claro que aquela não era uma situação normal. Recostei a cabeça na parede, fechei os olhos e acho que suspirei. Através da porta, uma voz feminina alta e clara. Difícil abstrair. Normalmente eu esperaria meu horário no corredor, guardando uma distância respeitosa das neuroses alheias, mas dessa vez estava ansioso demais para isso. Foi com alívio que enfim ouvi a despedida, e depois quatro ou cinco passos. Logo que a porta se abriu, uma mulher muito magra saiu apressada, os olhos pregados no chão. Talvez intuísse que eu tinha estado ali fora escutando tudo por algum tempo.
De qualquer forma, o homem agora me esperava com um sorriso simpático.
– Tudo bem? – Dr. Miguel perguntou.
– Como vai? – cumprimentei-o automaticamente. Sem encará-lo, atravessei a sala e me acomodei no divã.
E então o silêncio. Ele não perguntou por que eu não tinha me sentado na poltrona como de costume, mas pude sentir seu olhar inquisidor na minha nuca. Aquele olhar fixo que te cobra alguma declaração, por mais trivial que seja.
– Hum? – provocou.
Eu não sabia por onde começar. Tanta urgência e, de repente, silêncio completo. Talvez eu só quisesse estar ali, afinal.
– Aquele assunto da última sessão... A amiga da sua esposa – ele insistiu.
– É... Esse fim-de-semana foi estranho.
– O que aconteceu?
– Eu e a Ana íamos sair com uns amigos na sexta. Ela quis chamar a Ísis também e eu não sabia como fazê-la desistir dessa ideia. Ou não queria que ela desistisse, na verdade. Sei lá, com mais gente talvez fosse mais tranquilo... Mas acabou que os outros não puderam, e fomos só nós três mesmo.
– Hum.
– A boate estava cheia, ia tocar rock nos três ambientes. Uma hora a Ísis se perdeu da gente e só apareceu quando a Ana saiu da pista pra ir ao banheiro. Ficamos sozinhos. Estava tocando uma música com batida sexy e riff intenso... Aí ela começou a dar pequenos passos pra frente no ritmo, o corpo virando graciosamente pra um lado e pro outro a cada passo. Se aproximava e me encarava com o queixo meio erguido, como se me desafiasse. Então foi girando até ficar de costas pra mim e depois de frente de novo. Não era bem um rebolado, ela jogava os quadris só pros lados, fazendo-os subir e descer no ritmo da música, enquanto o corpo todo ia dando uma volta mais lenta. E eu saboreava cada ângulo, mas sem querer olhar demais, sem saber se aquilo era um teste que as duas tinham combinado.
– Você acha mesmo que a Ana ia fazer isso?
– Ela já fez.
– Tem certeza?
– Ela me disse. Bom, foi com um ex-namorado, mas a gente anda brigando tanto que eu não duvido nada que ela fizesse comigo também. As mulheres não sentem ciúmes à toa... Elas têm uma sensibilidade aguçada, e raramente se enganam. A Ana sabe que eu não passo um dia sem ter fantasias com outras mulheres, e deve desconfiar das traições consumadas também.
– Hum.
– Olhei em volta, ela podia estar me observando à distância. Nenhum sinal dela. Aí não pude deixar de tarar a Ísis, aquelas curvas, aqueles movimentos. Cara, uma mulher que dança daquele jeito deve ser um furacão na cama... No instante em que essa ideia passou pela minha cabeça, ela me deu um sorriso malicioso, como se adivinhasse o que eu tinha imaginado, sabe? A desgraçada estava se divertindo com a minha confusão, Miguel! Logo depois deu outra volta devagar e, quando estava de lado, estendeu um pouco o braço na minha direção, a cabeça virada pra mim, me olhando assim de esgelha. Tive a impressão de que me chamou com o dedo, mas não dava pra ver direito porque as luzes piscavam sem parar.
– Você foi?
– Quis ir, mais do que tudo. Acho que nunca na minha vida eu quis tanto uma mulher. Imaginava mil coisas... Que eu a seguraria pelos braços, a beijaria e a puxaria pra mim pra ela sentir o que tinha provocado com aquele jogo inconsequente de sedução. Mas só pensava, incapaz de esboçar um gesto sequer. Enquanto isso, ela girava, girava... Girava e eu que ficava tonto, erguia os braços e eu que ficava vulnerável. Devia estar parecendo um palhaço, estático ali na pista, com aquele avião se sacudindo na minha frente. Mulher que não podia ser minha, mas que também não queria ser de mais ninguém. Já tinha dado toco em uns quatro ou cinco caras, isso os que eu vi. E agora estava tentando me enlouquecer. Por que logo eu? Sério... de tantos, por que eu?
– Pode ser aquilo mesmo que você falou, ou pode ser um outro tipo de teste. Um teste só dela.
– Se for, como vou saber?
– Não sei. Acho que não vai.
Devo ter suspirado de novo. A pior parte era a dúvida.
– Ah, mas aquela cintura tão marcada, aqueles pés tão delicados! E os cabelos, cacheados, cheios e longos... Com aqueles cabelos e aquele vestido leve e solto, ela parecia ter saído de um cartaz Art Nouveau. Eu sei que não posso, gosto pra caralho da Ana... Mas sou fraco, Miguel. Sou fraco e vou acabar pondo tudo a perder. Mesmo que seja uma cilada, vai chegar uma hora em que eu simplesmente vou virar um animal irracional. Na pista mesmo, quando ela segurou os cabelos nas mãos... Sabe, numa parte mais lenta da música, ela juntou os cabelos pra cima, expondo a nuca, e rebolou bem devagar, de costas pra mim...
Parei, para não dizer que por pouco não a tinha agarrado por trás, beijado aquela nuca desimpedida, puxado a calcinha dela de lado, aberto minhas calças e a comido ali, no meio daquela gente toda. Que tinha me imaginado metendo devagar, um pouquinho a cada rebolada, de um jeito que faria parecer – no meu sonho – que só estávamos dançando.
A fantasia já começava a provocar efeitos constrangedores, não pela primeira vez naquela semana. Era melhor mudar de assunto.
– Eu não presto. Minha esposa não merece isso – admiti.
– Então evita essa mulher.
– Como se fosse fácil... Ontem o celular da Ana tocou enquanto ela estava dirigindo e eu tive que atender. Era a Ísis. Queria saber quais eram os nossos planos praquela noite. Inventei que íamos ficar em casa assistindo filme...
– Isso.
– É. Aí ela perguntou o que EU ia fazer na quinta. Sem reação, ri de nervoso e respondi que não sabia.
Repassando a cena, eu mais uma vez tentava imaginar se a Ana teria desconfiado do teor daquela conversa. Foi quando outro telefone tocou – o do consultório – e logo Miguel surgiu em meu campo de visão para conferir o identificador de chamadas na mesa em frente ao divã.
– Desculpa, preciso atender essa pessoa – falou.
Parecia algo sério. De fato, sua expressão foi mudando durante a ligação.
– É uma emergência. Perdão, vou ter que sair o mais rápido possível – me disse logo depois de desligar.
– Tudo bem... É muito grave?
– Não sei, espero que não. Ah, e vamos marcar outro horário para repor a sessão, não se preocupa.
Concordei, ainda que resmungasse comigo mesmo que não queria outra sessão. Precisava daquela. Estava ainda mais tenso do que antes, tenso e frustrado. Na saída, dobrei à direita sem saber bem por que e segui caminhando assim, a esmo, até parar num bar. O que eu não tinha terminado de dizer a Miguel era que Ísis havia aproveitado para me passar discretamente as coordenadas de onde estaria às oito da noite de quinta-feira, e que eu estava pensando em ir até lá, nem que fosse para pedir a ela que parasse de me provocar.
O difícil foi evitar Ana à noite. Louco daquele jeito, se transasse com ela acabaria pensando na outra, e isso eu não queria. Mas continuava ficando de pau duro só de lembrar do que tinha visto na boate. Tentei me saciar no banho, tentei pensar em uma solução, tentei pedir conselhos para os amigos mais próximos. Nada disso mudou o que, na verdade, já estava mais do que resolvido em minha cabeça.
O resto da semana se arrastou sem novidades, tudo expectativa. E, no grande dia, lá estava eu no balcão do pub indicado, assistindo o barman preparar drinks. Tinha ido direto do escritório e estivera bebendo sem parar desde as sete, mesmo que houvesse prometido a mim mesmo não tratar daquele assunto sob a influência do álcool. A coordenação motora já me faltava quando percebi dedos se enfiarem entre meus cabelos, segurarem com firmeza e puxarem levemente minha cabeça para trás, depois para os lados. Não houve um olhar, uma palavra. Ela simplesmente fazia o que queria, como vinha fazendo desde o começo, e eu não tinha forças para protestar.
– Fodeu... Agora fodeu, não tem mais jeito – murmurei comigo, desistindo de vez do discurso ensaiado.
Paguei a conta e nos enfiamos no primeiro táxi que passou. Em poucos minutos, estávamos sozinhos em uma suíte de motel, onde ela começou a se despir lentamente. Era uma versão estranha do strip com que eu tanto tinha sonhado, sem música, dança ou sorrisos, mas nem por isso menos excitante. Quando finalmente estava nua, me deixei cair de joelhos à sua frente e a abracei... Não, a agarrei, agarrei como ela pudesse fugir dali a qualquer momento. Beijei seu ventre, depois suas coxas, suas pernas, seus pés. Ela ergueu um deles, passou os dedos pela minha boca e por fim o apoiou em meu ombro. Fui então subindo pela outra perna, farejando até a região mais quente e úmida que agora me esperava entreaberta. O gosto era muito suave, algo salgado, uma delícia. Logo minha língua estava toda dentro, cada vez mais fundo.
Em alguns minutos, senti suas pernas estremecerem de leve. Ela olhou para mim, sorriu, segurou minha gravata e me arrastou assim até a cama, literalmente me fazendo engatinhar. Pediu-me que colocasse a camisinha, e adivinha se eu não havia levado algumas para o nosso encontro? Uma gata dessas me dando mole, tinha que comer. Mentira, não tinha que fazer porra nenhuma. Eu quis. Porque sou um puto.
Era o que dizia a mim mesmo enquanto procurava os preservativos na carteira sobre a mesa da sala, pouco antes de ouvir um celular. Confesso que demorei a reconhecer o toque de meu próprio aparelho, porque não conseguia entender como havia deixado de desligá-lo. Imediatamente voltei para o quarto, mas, para a minha surpresa, Ísis já atendia a ligação.
E, antes mesmo de ser fuzilado pelo seu olhar de reprovação, eu soube quem estava do outro lado da linha.