Não é sempre. Nem quero nem posso. Sou casada. Ele me chama apenas quando tem vontade, o que não quer dizer saudade. Nem pensar. Acontece, porém, que em mim a vontade sempre bate. E quando se transforma em desejo insuportável, aí, dou um jeito, mesmo à custa de riscos. Ligo e peço.
Ofereço-me.
Nem sempre ele quer. Faz parte do jogo.
Ás vezes, o acaso dá uma ajuda, como dá última vez.
Meu marido veio com a notícia: vou ter que viajar, duas semanas.
Não gosto que ele viaje. Ele perto, sinto-me amparada. Feliz. Um pouco mais imune.
Lamentei, sincera.
Quer dizer, o meu lado racional, bom, lamentou. Não sou o que gostaria de ser. É a hora, pensei também, com um leve tremor, já antevendo o remorso e o arrependimento, mas também os gozos que iria ter.
Umedeci quase instantaneamente.
Na volta do aeroporto, liguei.
Ele é frio. Sempre foi. Gosto. Não quero calor humano. Isto já tenho. Até demais. Quero os gozos que só ele sabe tirar de mim.
Ele viajou. Posso ir?
Demorou séculos para responder, perguntando: Quando?
Amanhã.
Não.
Por favor.
Amanhã, não. Depois de amanhã, às seis.
Não faz isso comigo, pôxa, disse entre frustrada e resignada. Qual a cor que você quer?, emendei.
Branca, disse, desligando.
Há algumas explicações para eu perguntar qual a cor da sandália. Não pode ser usada. Tem que ser novinha. E ele sabe o quanto fico excitada ao comprá-la. É um ritual. Perco horas entrando e saindo em lojas, examinando o mesmíssimo modelo, a mesmíssima cor. Todas são rigorosamente iguais. Quanto mais demoro, mais molhada fico. A escolha final se dá, invariavelmente, quanto já não estou me agüentando de excitação.
Desta vez, levei quase três horas escolhendo. Uma delícia. Cheguei em casa dormente.
Abri um vinho.
Na cama, nua. Eu e as sandálias. Branquinhas. Cheirinho de novas.
Cheiro de borracha.
Meus nervos ficam à flor da pélvis.
Elas parecem ter vida. Passo a ponta do dedo nelas, sentindo o relevo nas alças e, o mais delicioso, as ranhuras fininhas do solado. A vontade de meter logo a mão entre as pernas é imensa.
De barriga para cima, “calcei-as” nas mãos, pousando o solado nos meus seios já aflitos. Movimentos calmos, sem muita pressa. O arranhar suave nos bicos me faz estremecer, perder o ar.
Paro.
Mais vinho.
Passo o indicador na minha xota. Um lago. A fricção me leva a um espasmo. Tiro o dedo. Chega brilha. Sinto o cheiro. Chupo.
Gosto do meu gosto.
Volto a calçar a sandália na mão. Trago os dois pés ao meu rosto.
Nunca deixei ele me bater nas faces. Com as sandálias, não. Medo das marcas. Mas vontade não falta.
Esfrego os solados no meu rosto. Na boca. Passo a língua. Mordo.
Volto com uma mão para os seios. Solado na boca, solado nos seios.
Penso em dar uma parada, uma acalmada, e prolongar a agonia. Luto com meus nervos. Paro, respiro. Relaxo.
Vinho.
Penso no dia seguinte. Como será? Nunca é igual. Tento adivinhar o que ele fará comigo.
Sei que vai me bater. Mas não é só isso. Ele sempre me surpreende.
Também nunca apanhei na xota. De sandália, não. Só tapinhas. Dói muito.
Estremeci. De vontade.
De sandálias: apanhar na buceta com sandálias. Sou louca. Na bunda, nas costas, nas mãos, tudo bem. Na xota e na cara, não. Na xota, sim; na xota, sim...
Escancarei as pernas, ergui a pélvis, tomei coragem, e bati. Devagarinho.
Dor pouquinha. Dor suave.
Mas dor não rima com suavidade.
Outra vez, mais forte um pouco. Só um pouquinho mais forte, digo para mim mesma.
E bato.
Dor gostosa.
Mas dor gostosa é uma contradição.
Agüento mais, eu sei que agüento.
Bato mais forte. Dor mais gostosa ainda.
Mas dor gostosa não é punição. É prêmio, ele sempre diz.
Mais forte, pra dor ficar dolorosa.
Com medo, hesitante, imprimo mais força, fecho os olhos, e largo a mão.
Aí, doeu. De me contorcer.
Dor dolorosa. Muito.
Mas passa. A merda é que passa. Eu queria que durasse mais. Que ficasse doendo e me forçasse a parar. A dor vicia. E quanto mais viva, maior a vontade de senti-la. Quero sofrimento, não quero prazer. Esta é a lógica, mas sofrer me dar prazer, o que não é nada lógico.
Divido-me: melhor parar.
Não, só mais uma, só mais uma, umazinha.
Adiando a decisão, enganando-me, insistindo, esfrego a ponta da sandália na xota, melando-a.
Vou aos céus, lembrando dos versos mórbidos de Augusto dos Anjos“...o beijo... é a véspera do escarro...a mão que afaga é a mesma que apedreja...”
Molhada, vai doer mais, imagino, já resignada por insistir, por não parar.
Com o coração aos pulos, bato, quase com raiva. Toma filha da puta, você não quer mais, sua idiota?
E sufoco o grito mordendo o outro pé, quase arrancando-lhe um pedaço.
Vêm as lágrimas, merda! Não gosto e gosto de chorar. O choro tem o poder de me trazer à realidade, mas também de fazer voltar à insensatez.
Por quê?, me pergunto. Para quê isso? Essa merda? Esse horror? Essa dor?
A resposta é meio óbvia: porque eu mereço, porque eu gosto, porque eu quero, porque eu preciso!
E abro as pernas e pego a sandália e me bato com mais raiva ainda. E rolo na cama, e me esfrego para tentar aliviar a dor, mas o esfregar a mantém viva, e mais viva ainda a minha volúpia e já não penso, pois os pensamentos congelam em imagens absurdas idéias, sujas, sórdidas, e a dor, esta delícia maldita dispara o gozo, e já não há tempo para me bater mais, nem uma vezinha, mas isto já não importa porque o orgasmo em si é uma dor e mordo o outro pé da sanália, para abafar meu grito, e o gozo-dor ou dor-gozo me domina.
Me despedaço de prazer.
Sono quase imediato, pesado. Sem sonhos. Direto.
Pela manhã, as reminiscências me deixaram meio deprimida, um dos meus estados mais estranhos.
A desgraça é que a culpa me excita.
Por isso, cultivo-as: não deveria ter “usado” as sandálias. Ele as exige sempre novas. E se ele perguntar se eu usei. Não vai, nunca perguntou. Mas, se perguntar? Minto ou não? Não, não vou mentir para ele, vou contar tudo. Talvez ele goste, fique mais excitado. E bata nela gostoso.
Fiquei assim o dia inteiro, neste jogo mental fantasioso, corroendo-me em dúvidas e vontades e desejos. Molhada.
Pensei em lavá-las.
Não, seria apagar os vestígios. E eu iria adorar que ele os percebesse.
Fui pontual.
Conversamos um pouco. Amenidades impessoais e vinho, aliás, maravilhoso.
Pelo olhar dele, percebi que estava na hora. A conversa havia acabado.
As sandálias, pediu.
Entreguei-as, meio trêmula, sem conseguir encará-lo.
Porque não estão presas uma na outra? São novas mesmo?
Fiquei vermelha.
São ou não são?
São, comprei ontem. E porquê as separou?
Por nada. Foi sem querer, um impulso, sei lá.
Você não sabe mentir.
Jura que você não vai me machucar muito?
Manteve-se impassível.
Contei tudo, morta de tesão. E perguntei se ele queria que eu comprasse outra.
Claro.
Desculpa, sei que não deveria ter mentido. Vou comprar agora e volto logo.
Não. Volte depois de amanhã.
Depois de amanhã?
Você é surda? Segurou meu braço indelicadamente e levou-me até a porta. Leva essa merda.
O par de sandálias “usado”.
Por favor, não faz isso, não faz isso...
Quem quer gozar é você, não eu. Vai, se manda.
No elevador, ensaiei um choro. Mas a gente sabe quando está errada. E eu tinha errado e apostado no erro. Ele estava com a razão. Eu que me danasse.
A danação é deliciosa.
Ao chegar na rua, já me sentia excitantemente resignada.
Ele não foi o primeiro homem da minha vida. Foi meu professor de balé clássico, uma imposição imbecil da minha mãe. Após quase oito anos de tortura, já adolescente, bati o pé no chão e decretei que não dançaria mais. Não tinha vocação. Nunca tive. Além disso, uma nuvem nos meus pensamentos: eu o odiava porque ele exigia mais de mim que das outras alunas. Às vezes, de forma sutil, me humilhava. Mas, quando não me exigia ou não me humilhava eu o odiava também.
Somente depois que saí do balé, percebi que aquela ambigüidade doida nada mais era que um jogo sexual velado. Perverso.
Senti falta. Não do balé, mas do jeito que ele me tratava.
Um ano depois, dei. E não gozei. Com os dois outros que se sucederam, a mesma coisa. Eu não conseguia gozar. Gostava de fazer, mas não conseguia. Fingir era um horror.
Até que sonhei com ele.
Estávamos em exercício, apenas o dois. Ao redor, nem sinal de vida. Ele, me torturando com intermináveis repetições, que, com os anos, acabam se tornando mantras na nossa alma. E eu caindo por diversas vezes, suplicando, putíssima da vida, para que ele acabasse com a aula, porque eu já não mais fazia balé e ele também não era mais meu professor. E eu não compreendia como aquilo que estava acontecendo podia acontecer, mas sonho é puro nonsense. Tanto é que ele olhou-me daquele jeito terrível e eu parei os exercício e ele sentou-se numa cadeira e eu, arrasada, tirei as sapatilhas, entregando-as a ele, e me debrucei em suas pernas, e puxei o meu tutu para cima, expondo minha bunda, e esperei.
Ele bate com a ponta da sapatilha, primeiro devagar, mas vai aumentando a intensidade a cada pancada. Peço que pare, mas ele continua, levando-me a inevitáveis contorções e tentativas de sair daquele colo infernal. Com os movimentos, o joelho dele se encaixa na minha xoxota ou a minha xoxota se encaixa no joelho dele - sonho é sonho - e meus gritos de socorro, que ninguém ouve, acabam em gemidos. De dor, claro, mas também de outra coisa, assustadoramente gostosa, que me diz que vale a pena, porque por mais que esteja doendo, meu gozo virá. E pela primeira vez, “sinto” que ele virá. E que vou gozar tanto, mas tanto, que valerá a pena toda as dores que eu sentir.
Acordo.
E me pego de bruços na cama, com a mão atochada na buceta, toda melada, me masturbando, com a cara enfiada no travesseiro, quase em sufocamento. Mesmo assustada, continuo, porque eu nunca tinha sentido tesão com tanta intensidade.
E o gozo brota, devastador.
O primeiro orgasmo da minha vida.
Chorei de felicidade.
E voltei a dormir, confusa e extasiada, querendo continuar o sonho. Claro, não consegui.
Ao despertar, uma verdade intuitiva: só ele me faria gozar.
Não foi coincidência nem acaso, voltei para o balé. Desculpa, manter a forma.
Aulas particulares, com ele.
Recebeu-me como se já soubesse as razões do meu retorno.
Pra que você voltou? Você não tem a menor vocação. Está perdendo seu tempo.
Sorri, decidida e excitadíssima. E provocativa.
Eu sei. Você já me disse isso. não quero ser profissional. Acontece que nunca na vida amei tanto o balé. Só que tem que ser com você.
Olhou-me demoradamente.
Azar o seu. Está pronta?
Claro, disse, molhada de pingar.
Tirou o meu couro, levando-me ao limite da resistência e a dores insuportáveis.
No final da aula, além da extenuação mortal, o tesão.
Vai insistir?
Só se você disser que não quer mais me dar aulas. Aí, não posso obrigá-lo.
Você tem idéia do que está acontecendo, do que pode acontecer?
Tenho. Sonho com isso há meses.
Com o quê?
Fui direta: com esse jeito que você me trata.
Você gosta?
Não sei se é gostar, só sei que fico excitada, confessei, ruborizando.
Ele pensou, pensou, pensou, olhou-me duro e disse.
Tenho ainda uma aulas. Me espera no bar de fora. Peça um vinho, amacia a alma.
O “bar de fora”, que tem outro nome, é localizado na parte externa do shopping onde fica a academia. Uma espécie de “baixo-shopping”. Mais popular e mais gostoso, caloroso, em meio às árvores. Uma delícia.
Muito dolorida?
Um pouco. Amanhã vai ser pior.
Ou mais gostoso?
Talvez mais gostoso, respondi com a inestimável ajuda do vinho.
O que você quer de mim?
Nada.
Quer sim. Não sou mais criança, garota.
Por quê você sempre me maltratou tanto?
Intuição. Algumas, como você, gostam.
Algumas?
Você acha que é a única? Não seja ingênua.
Não sei o que dizer.
Sabe, sim.
Sei o quê?
Não torne as coisas mais difíceis para você garota. Tesão.
Não precisa ser tão direto.
Olha aqui, menina, não sou psicólogo, analista nem bom samaritano. Também não tenho tempo a perder. A única coisa que fez você voltar foi o tesão. Admita isso e poderemos nos entender.
Tenho medo.
Mas tem desejo.
Olhei para ele. Era tudo ou nada.
Sonhei com você.
E daí?
E daí que eu gozei pela primeira vez, pronto.
Impassível, frio, ele devolveu: Menina, sou velho demais para curtir paixonites com meninas da sua idade.
Não estou apaixonada por você. Nunca estive. Na verdade, sempre detestei você.
Que bom! Mas... e daí?
Não sei como explicar. Só sei que, no fundo, eu gostava do jeito como você me tratava. Me dava ódio achar isso. Até que descobri que era tesão.
E daí?
Essa frieza sua é nojenta!
E daí?
Pelo amor de Deus, não dá para você, por uns instantes, ser menos gelado?
Você sente atração por mim?
Você é linda, desejável, gostosa. Mas meu tesão não viaja por aí. Como você, existem milhares de garotas doidas por sexo com carinho, amor...
Não quero amor, nem carinho. Não sei, estou confusa.
Todas são.
Me ajuda, pedi, realmente confusa.
Pela primeira vez ele sorriu denotando compreensão, um pouco de humanidade.
Você é virgem?
Não, há muito tempo.
Sabe, garota, você é mais uma vagabundinha hipócrita, cheia de tesão, de culpas, incapaz de se controlar e quer um idiota para te punir.
Não me chama assim. Não sou vagabunda.
É, sim. Se não fosse, jamais estaria se arreganhando para mim, contando sua vidinha sexual ridícula, toda molhada. Ou você não está molhada?
Quase desabando em choro, sucumbi.
Olha, eu nunca quis isso, ser assim. Tenho nojo de mim mesma, ódio. De você também. Mas não consigo me controlar, entendeu? Tô cansada de pensar, tô morta de vergonha, puta da vida...e...
Aliviada, ele disse.
Você é diabólico...
Está molhada ou não está?
Muito.
Onde você quer ir?
Aonde você quiser me levar.
Mas você não está toda dolorida?
Se ficar mais, não me importo.
Por quê?
Por quê quero saber, em detalhes, o seu sonho comigo. Mais uma taça?
Aceitei. E contei.
Não fui muito honesta. Acabei fantasiando mais do que deveria.
Vamos fazer o seguinte?
O quê?
Digamos que eu esteja satisfeito com esta nossa conversa. Não fique feliz. Mas bebemos demais e ainda tenho um compromisso. Amanhã, na minha casa.
Rapidamente, contrariando minhas expectativas, anotou o endereço e me deu.
Frustrada, peguei o papel e olhei para ele, que já se levantava.
A conta é minha, disse, virando as costas. Saiu sem olhar para trás.
Intuí, raivosa e excitadíssima, que começava a trilhar um caminho sem volta.
Cheguei um pouco antes da hora marcada. O porteiro: ele pediu para a senhora aguardar um pouco.
Uma hora.
Já me levantava para ir embora, indignada, quando o empregado disse: moça, ele mandou a senhora subir.
Não, acho que não vou subir mais, não. Esperei demais, sabe?
Moça, eu não sei o quê dizer, mas o elevador está ali, esperando a senhora.
Subi, puta, e mais molhada do que gostaria.
Por quê você me fez esperar tanto? Indaguei irritada.
Menos, menina. Sua irritação é o que menos importa. Você veio porque quis. Se quiser, poder dar a volta.
Não, por favor, eu não quis ser indelicada, desculpe.
Vá se desculpar aos padres, menina.
Mas...
Nua, agora.
Titubeei. Assim, sem mais nem menos?
Você não veio aqui fazer amor, garota.
Tirei a roupa, roxa de tesão.
Após olhar minha nudez com indiferença, apontou um pufe estreito e alto.
Debruça e abre as pernas.
Não, assim, não. Mais para frente. Quero a sua bunda bem alta, vai...Assim.
Morde isso aqui.
Uma sapatilha de ponta, usada. A outra, deu para ver de soslaio, na mão dele.
Depois de hoje, você nunca mais vai querer me ver. Sonhos e fantasias são uma coisa, a realidade é outra. Já imaginou o horror dos seus pais vendo-a nesta posição indecente, vergonhosa, toda arreganhada, vazando de tesão e doida para apanhar?
Senti uma dor intensa na alma. Ele não precisava falar nos meus pais. Mais que no horror deles, imaginei o meu se me vissem daquele jeito.
E Deus? Você sabe que ele está te vendo. Para onde você acha que vai, para o céu?
Responde...
Deus...meu deus, me desculpa, me perdoa..., pensei.
E me deu um estalo diabólico, que me fez entrar em transe de tesão. Foda-se Deus, foda-se Deus...
Responde...
Pro inferno, eu vou pro inferno, foda-se...me machuca logo, me bate de uma vez por todas...
A dor nas fantasias é uma coisa, sua idiota. Imaginá-la dá tesão, tudo bem, mas é uma dor não sentida. Na verdade, é uma dor idealizada, é uma dor que não dói. A real, porém, é horrível.
Bateu.
Trinquei os dentes para não gritar. De dar arrepios. Mas o balé já me fizera sentir dores piores. Muito piores.
Não na bunda, daquele jeito.
A seguinte, na outra nádega. Agüentei bem.
Conta, vagabunda. E agradece.
Três...
Agradece, sua puta!
Quatro...obrigada...
Quin...ta, obrigada
Sex....ta....o...bri...gada
Apanhar e ainda agradecer uma dor que eu já não estava suportando mais. Aquilo era o absurdo do absurdo.
E uma voz me dizendo...só faltam quatro, você agüenta, quatro só...
A décima doeu tanto, mas tanto, que eu resvalei para o chão me contorcendo.
Mas contei e agradeci.
Ao vir-me no chão, em posição fetal, com todos os músculos retesados, a deliciosa sensação de vitória - consegui, consegui, consegui agüentar - acompanhada por uma pesada e mórbida satisfação por ter-me deixado espancar, ser humilhada.
Que vergonha, meu Deus!
E me dei conta que a dor já não era mais “a” dor, o que me dominava agora, era um tesão profundo, de entorpecer os sentidos.
Volta, vagabunda. Ainda não acabamos.
Apóia a mãos no pufe.
Ele vai me bater mais. Não vou agüentar. Não, vai sim. Não foi delicioso?
A qual voz você obedeceria?
Fiz como ele mandou. Dobrei-me, apoiando as mãos no pufe e me abri toda, apreensiva e experimentando uma resignação tão gostosa que eu poderia traduzir como felicidade.
Ao invés da sapatilha na bunda, primeiro veio o pau dele, na xota, que eu ainda não tinha visto. Entrou fácil, apesar de grosso. Estava molhada de pingar.
Estocadas lentas, mas vigorosas.
Conta, vadia.
E voltou a bater na minha bunda.
Apanhar fodendo. Era isso que eu precisava. Apanhar e foder. Foder apanhando.
A dor e o êxtase crescendo.
Sete, obrigado.
Oito, o...bri...gado.
De...zeso..bri...ga...
Apanhar fodendo. Apanhar, foder e, meu deus, gozar...
Alucinadamente, fodendo e apanhando...
Apanhando, fodendo e gozando. A primeira vez com um pau dentro.
Quis desabar novamente no chão, sem forças, mas ele me segurou e me fez sentar no pufe. Minhas nádegas ardendo e doendo.
Feliz, envergonhada, saciada, amedontrada com tudo aquilo, dominada pela exaustão, fechei os olhos.
Obrigada, disse, com uma sinceridade infame.
Não acabei ainda, vagabunda.
Abri os olhos.
O primeiro jato alcançou-me a testa e o cabelo. Em segundos, vi-me lavada de esperma. O cheiro forte, como eu nunca tinha sentido, acompanhado do gosto, fez meu estômago embrulhar. Grosso, pegajoso, branco. De arder a garganta. Apesar disso, até hoje fico excitada quando me recordo.
Não tivemos muitos encontros. Ele recebeu e aceitou um convite para trabalhar em Paris. Mas foram suficientes para eu conhecer os caminhos do meu prazer.
Durante os anos seguintes, nos vimos poucas vezes. Todas intensas, com gozos magistrais.
Até que conheci meu marido. Amor à primeira vista. Sexo diferente, mais convencional, normal. E gostoso. Outro tipo de prazer, de gozo. Menos intenso, é verdade, mas muito bom.
Sentir-me “normal” me fez bem.
Mas sentia falta também dos outros gozos.
Meses após meu casamento, ele retornou ao país e me ligou.
Não tive coragem.
Soube respeitar meu jejum, mas sempre ligava. Conversas curtas, que me abalavam, que me atiçavam. Incendiavam. Dizia que era apenas uma questão de tempo. Eu sabia que sim, de pouco tempo. Negar, porém, me dava força e uma certa satisfação. Era bom resistir. Bom para mim.
Aconteceu durante primeira viagem do meu marido a trabalho.
A dor maior foi não conseguir resistir. Trair meu marido. Não, não é trair. É só sexo, um fetiche. Não temos um caso. Mas fodemos. Ele enfia o pau em mim, goza em mim. E me faz gozar alucinadamente. Mas não é trair, isso não é trair. É, claro que é.
Uma negociação dolorosa e excitante, da qual, lá no fundo, eu já sabia o final.
Liguei.
Disse apenas: eu quero.
Vem.
Agora?
Desligou.
No táxi, estava a ponto de gozar.
Como sempre, me recebeu com vinho.
Envergonhada?
Claro que sim. Não é fácil trair. Gosto dele.
Compreendo. Mas está aqui, cheia de tesão. Para foder.
Não me olhe desse jeito.
Culpa, né, sua vagabunda.
Claro.
Vagabundas não sentem culpa.
Eu, sim.
Por ser vagabunda?
É. Por tudo isso.
Vou aliviar suas culpas, vem.
Na cama, nua, de bruços, vendada e assustada com as algemas me prendendo à grade.
Nunca tinha sido algemada. Nem me sentido tão indefesa. Nem tão assustadoramente excitada.
Com medo?
Um pouco.
Passou o pau nos meus lábios. Instintivamente, abri a boca.
Não, só lambe.
Em meio às lambidas e louca para chupar, o pingo gelado no meu rego.
Reagi com um impulso. As algemas me machucaram.
Ergue a bunda.
Mais pingos gelados. No cu, escorrendo para a xota. As algemas me tolhendo, me machucando. E eu lambendo.
Passeou, devagar, com a pedra de gelo por toda a minha espinha.
O quente do pau dele na minha língua e o frio na minha pele. Tesão de me fazer friccionar a buceta na cama.
Sente o cheiro.
Num primeiro momento, atordoada pelo tesão, não consegui identificar.
O que é?
Não sei.
Tenta.
Borracha, parece borracha.
Lambe.
Uma sandália!
Lambe toda, vagabunda.
Inesperadamente, ao cheiro e ao gosto da borracha, o do esperma dele.
Quero-a toda limpa.
E saiu, fechando a porta.
Pudesse pegar e olhar a sandália, seria mais fácil. Com uma dificuldade exasperante, tentei.
Logo, um problema: veio-me a idéia de que a sandália poderia ser usada. O nojo, já presente por causa do cheiro e sabor enjoativos do esperma misturados ao da borracha, fez a minha saliva aumentar. E eu já não sabia o que era esperma e o que era baba, e quanto mais lambia mais melada a sandália ficava.
Só parei quando a dor na minha língua tornou-se insuportável.
E ele não voltava.
A longa espera me levou a um transe estranho. Já acostumada ao gosto e ao cheiro, minha saliva ficou menos abundante, mergulhar numa mistura de cansaço, e sono, como se eu já tivesse gozado. Uma calma esquisita. Tensa.
Não dormi.
Apenas esperei.
Não sei por quanto tempo. Não importava. O importante é que eu estava ali.
Voltei a lamber a sandália.
E ele voltou, sem que eu percebesse.
Com o outro pé da sandália, que estalou, violentamente, na minha nádega direita. O susto foi maior que a dor ardida.
Uma, obrigada...
Era o que eu tinha que fazer, a regra. Apanhar, contar e agradecer.
A sapatilha doía menos.
Quatro, obrigada.
A sandália, mais.
Treze, obrigada.
Era mais diabolicamente gostosa.
Dezoito, obrigada.
As marcas, meu deus, as marcas. Deve marcar mais.
Vin...te e três..., obrigada...
Foda-se, eu mereço. Quando ele chegar já terão desaparecido.
Vin...te e see...te, obrigada...
A dor é algo surpreendente. Consegue se afigurar gostosa, mesmo quando começa a ficar insuportável. E quanto mais insuportável, mais desafiante.
Ele nunca diz a quantidade, nem termina, sempre, em números redondos. Na verdade, não sei qual o critério dele. Melhor, é mais excitante.
Mas, na quadragésima, a dor era tão violenta que eu já não conseguia articular as palavras, nem contar com segurança.
Nem controlar as lágrimas.
E nem pedir para ele parar.
Se eu agüentara quarenta, conseguiria chegar cinqüenta, a sessenta. Não me importava.
A dor era violenta, o cérebro em curto, mas o tesão, esse tipo maldito de tesão, compensava.
Evitar mexer os braços, por causa das algemas, que machucam muito, era outra tortura. Deliciosa.
De quatro, como uma cadela, mandou, sem parar de bater.
Meteu. Fundo. Numa estocada só. Sem parar de bater.
Qua...cin..quenta e oi.. e no..vê... ses...sen...ta e...
Batendo, sem parar de foder.
E paro de contar, sem saber mesmo que parei. Não consigo verbalizar.
Viro pensamentos. Sujos, indizíveis. Infames.
As algemas. Como machucam. A venda. A escuridão. Meu marido, meu deus. Deus, porra, Deus. Foda-se Deus. Sou uma vagabunda. Cadela. A dor, bate mais, é tesão, bate mais, eu sei que é tesão. Enterra mais. Mais fundo. Me rasga, caralho. Que vergonha, porra. Que se foda, a vergonha é gostosa, deliciosa, não presto, mesmo. Bate mais na tua puta. Na tua galinha. Com mais força. Me fode. Fode a tua cadela. Me enche de leite. Me alaga com essa porra, com essa gala nojenta. Bate mais. E fode o meu cu...me arromba toda...porque você nunca comeu meu cu, seu filho da puta? Aproveita, tô algemada, mete no meu cu, agora, caralho...
Só pensamentos.
Pensamentos-fórceps, medonhos, retirando do fundo do que há de pior em mim, o gozo infame, despudorado, que destroça meus nervos, meus músculos, minha razão.
E dá sentido à minha vida de bailarina que jamais foi ou será bailarina.
E que tem os nervos à flor da pélvis.