REUNIÕES, SOB O LUAR DO SERTÃO
As casas
Ainda lembro quando mamãe largou o telefone gritando.
- Eles virão!... Eles virão!...
No monofone jogado de lado a tia Carmem gritava pela irmã que não respondia. Eles viriam para a festa de fim de ano. Todos viriam, os tios, as tias, o primo e as primas. Lembro ainda do tio Julio pegando o telefone e sorrir feliz pela voz distante da irmã...
(Lembranças de Nat)
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Era festa de fim de ano e toda a família se reuniria para o festejo da Santa e comemoração da passagem de anos. A casa grande ficará cheia de tios, tias, primos e primas que, pela primeira vez se reuniriam no rincão de onde partiram para fazer a vida.
- É bom limpar a casa pequena e arrumar umas redes extra pra alojar parte do pessoal. – sugeriu a tia Nadir.
- O Ataliba falou que a Mercês e Marluce virão depois do almoço para ajudar – anuncia o tio Julio de saída para o curral.
Todos estavam alvoroçados já imaginando as festas diárias e os Vie reunidos fariam.
- A Nininha falou que Manoel está cada vez mais gordo – mamãe falou enquanto varria a sala. – E que se continuar assim o coração pode até falhar outra vez.
- Então ela que se prepare com remédios porque o Julio mandou separar um garrote gordo para abater – tia Nadir sentara respirando forte pelo calor e cansaço da lida. – Sem falar nos pururucas, patos, capões que há muito vem cevando pra essa reunião.
- Vexe Maria mão de Deus – se benzeu Izadora enxugando o suor que lhe lavava o rosto retinto. – Inté parece as festa do sinhô Câindu. Quá gente! Acho mió chamar a Mineu pra mode me ajudá... – saiu resmundando em direção à cozinha.
Eu e Cíntia estávamos encarregados do brilho nos móveis e nas louças, montanhas de pratos e talheres. O calor infernal que fazia incomodava tanto que mamãe não reparou que eu estava de cuecas e Cíntia de calcinha e uma camisa folgada curta que lhe deixava os seios aparecerem.
- Êita meninos, quando tuas primas chegarem não vão ficar assim aqui em casa - falou baixinho a tia ao passar por nos.
- Deixa de besteira mãe! – reclamou Cíntia temendo que minha mãe escutasse. – Até parece que a tia está fazendo tua cabeça!
- Ninguém faz minha cabeça, menina... Tô brincando com vocês...
Já passava do meio dia quando o tio voltou reclamando da fome. Ao nos ver sentados na área lavando e areando as louças se achegou e abraçou a filha carinhosamente.
- Me recordo dos tempos do meu pai quando eu e tua tia tínhamos que lavar e arear essa montanha de prato – levantou indo lavar as mãos e deu uma cachuleta em minha orelha.
- Deixem isso aí que a Marluce termina depois. Vão tomar banho pro almoço!
Era o que esperávamos ouvir. Levantamos apressados e corremos em direção ao banheiro, cada qual querendo ser o primeiro a banhar-se. Cíntia era ágil e saiu em minha frente rindo de minha lerdeza. Apressei os passos e, antes que ela entrasse, segurei no cós de sua calcinha quase arrancando. Ela parou.
- Merda primo, assim tu me deixas nua... – e massageava seu baixo ventre vermelho pelo puxão.
- Desculpa amor... Não quis machuca-la – falei abraçando-a por trás.
Deixo que ela entre, resignado com mais uma vitória dela.
- Vou banhar no poço – falo entrando para pegar uma toalha.
- Há! Vai não... Deixa pra gente banhar lá de tardezinha...
- Cíntia!... Cíntia!... Toma logo teu banho que tua tia também quer banhar – escutamos os gritos da tia Nadir.
O resto do dia continuou a mesma bagunça cansativa. Pela tarde fomos para a casa pequena que deixamos tudo arrumado e à noite, depois da janta, o tio Julio nos contou suas aventuras com os irmãos. Bem tarde nos recolhemos em nossos quartos.
Escutamos uma leve batida na porta, Cíntia abriu, era tio Julio.
- Conversei com as garotas (tia Nadir e mamãe) e decidimos que vocês dois serão os responsáveis pela casa pequena. Teu primo e tuas primas ficarão lá.
Saiu desejando boa noite.
*****
No dois dias seguintes continuamos limpando e arrumando tudo para a chegada do pessoal. Chico caiou os currais, pocilgas e todos os troncos das árvores quem conseguiu. O Ataliba gadanhou o terreiro e o Nezinho da Loura se encarregou do riacho e da lagoa.
A véspera do dia marcado foi o mais tenso e corrido. A Izidora não parava de reclamar com tudo e com todos e a Ana Mineu, sisuda não deu uma palavra o dia todo. Até o Roberto Carlos tinha vindo da cidade para ajudar, trazendo Das Virgens que implicou com Goreth e Pininha, mas como tudo mesmo era uma confusão só ninguém percebeu quase nada.
À noite eu e Cíntia nos mudamos para a casa pequena. Enchemos os potes, acendi o pavio da geladeira, arrumamos as camas, armamos as redes e, só depois de ficarmos satisfeitos com nosso trabalho voltamos para a casa grande onde estavam todos reunidos em volta da mesa grande tomando o café da meia noite.
- Como é que ficou a caverna dos jovens... – perguntou o tio passando o braço por meus ombros.
- Acho que está tudo certo – respondi.
- Mas ainda vou lá para ver se está tudo direitinho mesmo – retrucou tia Nadir.
- Pôxa mãe! Será que a senhora não vai acreditar na gente nunca? – reclamou Cíntia sentando amuada na cabeceira da mesa.
- Eu tou é você, minha filha, ligar para tua mãe – falou o tio. – Essa aí vai brigar até na hora da morte.
Todos caímos na gargalhada e atacamos os bolos e broas da Mineu. Mamãe ainda comentou.
- Julio, não esquece de trazer o que te pedi – virou-se para a tia Nadir – e você, Dona Nadir, não vá esquecer o que combinamos.
Levantamos todos e fomos dormir ainda tensos imaginando se não nos esquecêramos de algum detalhe.