[Para melhor compreensão desse conto leia “O começo” e “O começo II”.]
O meu relacionamento com o Pedro estava evoluindo de forma muito agradável. Ele era muito atencioso, nos falávamos várias vezes ao dia, tanto na escola, como pelo celular ou MSN. Após a nossa primeira relação, a nossa intimidade evoluiu também, eu já não tinha mais nenhum receio dele, pois sabia como ele agia e me sentia confortável.
Na escola as coisas estavam seguindo da mesma forma, eu já havia feito vários amigos, conversava com todos e aquela insegurança do começo era apenas uma lembrança.
Um grupo de teatro havia chegado à cidade com a peça shaskespereana “Otelo”, eu convidei o Pedro para ir comigo. Percebi que a vontade dele de me acompanhar era pouquíssima, para não dizer nenhuma, mas mesmo assim ele concordou em ir. Chegamos ao teatro e nos sentamos nas fileiras de trás, eu estava muito ansioso, pois já tinha lido várias vezes o livro e queria muito ver a peça, já o Pedro estava tão animado quanto um condenado indo para a guilhotina, mas revolvi ignorar a má vontade cultural dele e me concentrar no espetáculo que estava começando.
Otelo foi interpretado por um ator lindo, sua pele negra ficava encantadora sob a iluminação muito bem planejada, Desdêmona foi interpretada por uma atriz que além de bonita era muito talentosa e o detestável Iago quem interpretou foi um ator que parecia ter nascido para o papel. Eu estava emocionado, sempre me senti assim com relação a Shakespeare, apesar de achar ele um malvado que quase sempre matava os amantes em suas histórias, mesmo assim, ele me emociona.
Quando acabou o primeiro ato, para a minha surpresa, percebi que Pedro não estava dormindo, muito pelo contrário, estava acordado e em seu rosto tinha uma expressão de compenetração, perguntei se ele estava gostando, ele respondeu: “‘Po’ isso aqui é massa até!” e assim eu soube que ele tinha gostado da peça, tanto que ele chorou quando Otelo, em um rompante de ciúmes, mata Desdêmona no final da peça
Após sairmos do teatro fomos para casa dele, já deveria ser umas nove horas e eu dormiria lá. Ao chegarmos a mãe do Pedro se levantou, deu um beijo nele e disse que já tinha arrumado o colchão ao lado da cama do Pedro para mim, eu agradeci, e fiquei imaginando o que ela faria se imaginasse que o colchão se quer seria usado.
Ao acordar não senti o corpo do Pedro perto do meu, olhei para o lado e vi que ele não estava ali, estava no banho. Após ele acabar, eu fui tomar meu banho e depois tomamos café para irmos à escola.
Na volta para casa, conversávamos sobre a escola, formatura, e vestibular, o Pedro queria fazer advocacia. Pedro comentou sobre a noite passada, disse que sempre era muito bom estar comigo, e perguntou se eu estava gostando de estar com ele, respondi que sim e permaneci olhando para o horizonte para evitar o olhar incisivo e o sorriso malicioso que eu sabia que estava estampado em seu rosto.
O meu celular dá um alerta de mensagem, ao ler a mensagem uma surpresa... “preciso falar com você, me envia uma mensagem quando puder falar”, Kauê. Fiquei intrigado. O que o Kauê poderia querer falar comigo? Não nos falávamos há muito tempo. Pedro percebeu que eu estava pensativo e que não estava prestando atenção no que ele falava e perguntou-me quem era. Sem jeito respondi que era algo sem importância, propaganda. Preferi não dizer que era o Kauê, não sabia qual seria a reação dele, ele poderia achar que eu tinha alguma coisa com o Kauê e eu não queria começar um problema entre nós.
Ao chegar em casa liguei para o Kauê, ele me perguntou como eu estava e queria que eu contasse as novidades. Após a narrativa do que havia acontecido comigo até ali, comentei sobre a mensagem que ele havia me mandado, ele disse que com as férias de inverno chegando ele resolveu me ligar para saber se poderia passar uns dias ali em casa, se meu pai deixaria. Na hora a ultima pessoa que pensei foi no meu pai, pensei sim em como contaria isso para o Pedro, como faria ele entender isso. Disse ao Kauê que falaria com o meu pai e retornaria para ele.
Agora vocês imaginem a situação que eu fiquei, pois não sabia como contar e nem se o Pedro entenderia pios se fosse o contrário, se o Pedro estivesse no meu lugar eu não sei se eu entenderia o garoto com quem ele transou ir dormir na casa dele.
No dia seguinte pensei nisso o dia todo, enquanto fazia a lição na casa do Pedro pensei em falar para ele, mas não achava jeito, então resolvi não falar. Ao chegar em casa falei com meu pai, para ele não havia problema, ele conhecia e até gostava do Kauê. Liguei para ele e disse que poderia vir quando quisesse, pois meu pai tinha concordado e que seria um prazer recebê-lo, ele disse que viria quita-feira e ficaria até segunda-feira.
Pronto, estava feito. Cheguei à conclusão que não poderia, por causa do Pedro, acabar com uma amizade que já existia muito antes de eu transar com o Kauê, eu contaria ao Pedro no dia seguinte, sabia que não seria fácil, o que eu não sabia era que a minha atitude ajudaria a trazer a tona no Pedro sentimentos que eu preferiria que se mantivessem adormecidos.
Naquele dia depois da aula os garotos do time de futebol iriam treinar e eu resolvi ficar para assistir. Apesar de estar olhando para o campo, não estava enxergando o jogo, pensava na visita do Kauê e em como contar isso para o meu namorado. O jogo acabou e o Pedro foi conversar com as pessoas que estavam em volta, após cumprimentar a todos veio em minha direção. Eu estava sentado no chão com os braços em volta dos joelhos. Ele pergunta o que eu achei do jogo, disse que tinha sido bom.
Percebendo que eu estava mais sério que o normal, me perguntou se algo havia acontecido, permaneci alguns segundos em silencio depois desse que tinha algo a contá-lo. Ele me olhou como se dissesse “prossiga”, permaneci mais alguns minutos sem dizer nada e então despejei tudo de uma só vez sobre ele, contei sobre a mensagem, sobre o pedido do Kauê para passar uns dias lá em casa, e que eu havia falado a ele que poderia vir. Ele estava sentado em uma mureta ao meu lado, ouviu tudo imóvel olhando para o nada, o silencio dominou o momento. Tomei coragem e disse para ele falar algo, ele me olhou de forma fria e disse: “Se tu falo que podia, o que posso falar?” e sem esperar resposta levantou-se e foi para o vestiário.
Permaneci ali, sentado, sem ação enquanto ele se afastava. Na realidade não esperava que ele entendesse, eu já esperava que ele tivesse essa reação, mas entre esperar que nos aconteça algo e acontecer efetivamente há uma grande diferença.
A quinta-feira chegou, eu não havia mais falado com o Pedro, a não ser pelo MSN, pois na escola ele me evitava. Trocamos cumprimentos, ele estava sendo distante e eu controlado, me perguntou quando o meu “amiguinho” chegaria e eu disse que mais à tarde, ele não escreveu mais nada nem eu insisti.
O Kauê chegou às cinco horas da tarde, ele estava diferente, tinha raspado a cabeça, estava muito engraçado, não feio, apenas engraçado. Ele tinha minha altura olhos azuis e pele branca, era naturalmente bem humorado, sabia como ninguém quebrar o gelo em momentos constrangedores e adorava ver anime japonês.
Ao entrar em casa me deu um abraço e disse que havia sentido saudade, e até então eu não havia percebido, mas também havia sentido a falta dele, sempre contávamos tudo um para outro, éramos confidentes. Ele me contou tudo o que tinha acontecido a ele depois que me mudei, me contou dos casos amorosos, ao que percebi não foram poucos e das decepções que foram proporcionais. Ele sempre foi assim, se apega fácil as pessoas, ele acredita que todos são naturalmente bons e por isso sofre muito nos relacionamentos, mas nunca aprende, e essa capacidade de confiar é uma das características que eu mais gosto nele.
No dia seguinte eu ainda tinha aula por isso tive que deixar o Kauê sozinho em casa. Cheguei à escola bem antes da hora e me dirigi à sala de aula. Ao chegar lá encontrei apenas o Pedro que já estava sentado em sua carteira. Disse bom dia e me sentei, senti que deveria falar algo a mais, mas não achei o que dizer então fiquei quieto. Ele chegou perto e perguntou: “e então, como passou a noite com seu amiguinho?”. Fingindo não perceber a ironia respondi que tudo correu de forma muito agradável, que havíamos conversado até tarde e depois dormimos. Ele me olhava fixamente, eu sentia uma onda de calor transpassar o meu corpo e sem nem um rodeio perguntou: “dormiram juntos?”. Nessa hora a minha vontade era de dizer para ele parar de ser infantil e idiota, pois ele estava me ofendendo com aquelas perguntas, mas isso apenas pioraria tudo, ele estava com ciúmes, o que era compreensivo, então decidi que teria muita calma com ele, e sabia que depois que o Kauê fosse embora as coisas aos poucos voltariam ao normal. Então simplesmente disse para ele voltar ao seu lugar que a aula iria começar.
Na volta da escola eu vinha só, caminhava lentamente sem pensar em nada, apenas caminhava. Percebi passos atrás de mim, era o Pedro novamente, começou a caminhar ao meu lado, caminhamos em silêncio até chagar ao ponto onde nos separávamos então ele me pergunta se eu não queria ir a casa dele. Eu não acreditava no que eu acabara de ouvir! Ele me evitara e semana inteira, me tratando com grosserias, e agora me convida para ir a casa dele?! Respondi que não seria possível. “É claro que tu não pode, o Kauê está te esperando em casa né?”, disse ele com ironia que tinha passado a usar nos últimos dias. Essa foi a gota que fez o copo transbordar, disse a ele que se não confiava em mim então talvez fosse melhor nós acabarmos com a nossa relação. Ele me disse que nós não nos encontrávamos mais e que eu me preocupava mais com o meu amigo do que com ele. Irritado disse que o meu comportamento era o reflexo do comportamento dele e que não tinha clima para ficarmos juntos porque um namoro em minha opinião é mais do que sexo, é compreensão, e que essa palavra ele desconhecia. Sem esperar segui meu caminho, não queria mais falar ou discutir.
Ao chegar em casa disfarcei meus sentimento, não queria que o Kauê pensasse que estava me trazendo problemas, isso era um problema entre eu e o Pedro. Ele havia trazido um monte de filmes para assistirmos, sempre gostamos de assistir filmes, principalmente romance e foi isso que fizemos aquela tarde.
No dia seguinte o convidei para ir ao shopping, ele adorou a idéia. Fomos ao cinema, tomamos um lanche, olhamos lojas e compramos algumas coisas. O Kauê viu uma vitrine onde estavam expostas camisetas bem exóticas, ele adorava aquele tipo de camisetas. Enquanto olhávamos e comentávamos as camisas alguém me toca no braço, me viro e dou de cara com o Pedro, que parecia estar de mau humor. O Kauê estende a mão para ele para complementá-lo, ele faz um gesto com a cabeça de forma indiferente deixando o Kauê com a mão suspensa e diz se dirigindo a mim: “preciso falar com você”. O Kauê entendendo a situação disse que iria entrar para ver as camisetas que ele tanto havia gostado. Olhei para o Pedro com uma expressão de revolta e perguntei o que ele queria. “Quero saber quando vamos nos encontrar ficar juntos como antes, ou agora tu só tem tempo para esse cara?”. Eu estava cansado de brigar, então concordei em encontrar ele, à noite seus pais iriam em um jantar com amigos e a casa ficaria livre para nós.
Eu e o Kauê voltamos para casa e eu disse a ele que teria que sair a noite, e perguntei se ele não se importaria de ficar só por algumas horas, ao que ele me respondeu que não, disse que sabia aonde eu iria e sorriu ironicamente.
Enquanto me dirigia para a casa do Pedro tinha resolvido que não iríamos transar, iríamos conversar e apenas isso. Ao chegar bati na porta, ele atendeu sem demora e disse para entrar. Entrei e comecei a dizer o que havia decidido no caminho, mas não tive tempo de terminar. O Pedro me deu um puxão e me arrastou até o quarto, eu estranhando a atitude disse para ele me soltar, mas ele parecia não ouvir, então comecei a puxar meu braço numa tentativa frustrada de me livrar dele. Ao chegar à porta do quarto ele a abre com um pontapé e me empurra para dentro entrando ele atrás. O Pedro passa a chave na porta e nessa hora pensei mil coisas, e uma mais desesperadora que a outra.
Pedro virou e tirou a camisa, e eu imaginei que minhas suspeitas estavam se confirmando, resolvi que se ele tentasse algo atacaria ele com o abajur que estava do lado. Ele sentou na cama e me olhou, e ficou assim por alguns segundos então começou a se aproximar. Quando ia mover a mão para o abajur ele para do meu lado e diz: “te amo e sinto saudades. Fica comigo!”. Nessa hora as minhas armas baixaram, eu só consegui olhar para ele e dizer o que ele já sabia, eu também o amava.
Abraçamos-nos convulsivamente e senti meu corpo ser inundado pelo calor dele. Nos beijamos e nos entregamos um ao outro em um amor puro e quente que nos preenchia e nos fazia sentir um do outro, sem preconceito ou subjugação. Apenas dois iguais que se amavam.
Quando sai do banheiro o Pedro estava de cueca secando os cabelos, fiquei um tempo admirando a sua beleza até que ele me viu e sorriu. Sentei-me ao lado dele e disse que queria falar do Kauê. Ele fez um movimento para se levantar, mas eu o puxei de volta. Era necessário esclarecermos esse assunto. Disse ao Pedro que eu e o Kauê sempre fomos amigos, nos conhecemos quando criança, pois éramos vizinhos, depois os anos na escola tornaram essa amizade mais forte, disse também que o que aconteceu entre nós foi um fato isolado, e que não interferiu na nossa amizade.
Era isso que eu queria que ele entendesse então ele disse que estava tudo bem, que ele havia entendido e que me devia desculpas por ter sido tão estúpido todos esses dias. Nos beijamos e ficamos mais um tempo junto depois eu voltei para minha casa onde tive que contar para o Kauê o que havia acontecido, caso contrário ele não me deixaria em paz nunca.
No resto do fim de semana o Kauê e eu nos divertimos muito, agora eu não tinha mais preocupações, pois o Pedro havia entendido a minha relação com o Kauê, tanto que ele foi almoçar conosco no ultimo dia do meu amigo lá em casa.
Tudo estava bem e estava voltando à normalidade novamente. Isso era o que eu achava até a volta as aulas me trazer uma surpresa de cabelos negros...
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[CONTINUA]