Assim como em qualquer sonho, eu não me lembro exatamente como isso começou. Essa é a vantagem dos sonhos: você não precisa se preocupar com o antes e o depois, apenas vive o momento, e dependendo da atitude que toma nessa hora, resume quem você é. Por isso eu sempre soube que os sonhos são a mais perfeita metáfora na qual você pode se auto-avaliar. Coisas da vida.
Apoiei os braços sobre o balcão daquele bar. Balcão molhado de bebida barata, bar de periferia. Era só um balcão, era só um bar. Coisas da vida. Segurei a carta dela com as duas mãos em frente ao meu rosto. Cheirava a channel N°5, o mesmo cheiro que ela sempre teve, se bem que de todos os aromas e sabores que eu já senti naquele corpo, isso era um mero detalhe. Era só uma carta, mas nela se resumia minha vida toda. Coisas da vida.
O balconista conversava com outras pessoas no mesmo balcão a alguns metros de mim. Notou meu copo vazio e caminhou-se na minha direção para enchê-lo. A mesma vodka, o mesmo estereótipo de balconista com a toalha apoiada no antebraço. A TV noticiava no alto da prateleira de bebidas o massacre de alguns membros de uma facção criminosa ocorrido ali perto na noite anterior, alegando ser um acerto de contas entre quadrilhas rivais. O balconista então enxugou a testa com a toalha e me disse em tom atônito, como alguém que achava que sabia mais que eu, e queria me entreter com uma história interessante.
- Acerto entre quadrilhas nada, foi apenas um homem. Matou outros doze como se fosse brincadeira. A lenda dele, o justiceiro, está ficando famosa por aqui, só a polícia ainda não sabe.
Sorri, olhando para a carta, e respondi:
- Você acredita mesmo nessa história de justiceiro?
- Eu não acredito, eu vi com meus próprios olhos.
Preferi não dizer mais nada, mas ele continuou:
- Esse cara é uma lenda. Eu vi ele matar todos estes homens, e nunca me esquecerei do rosto dele pelo resto da minha vida – ele disse isso em tom pausado, olhando fixamente para a minha cara. Pela primeira vez então o olhei nos olhos.
Vi pelo canto dos olhos outros homens se levantando em uma mesa atrás de mim, também me olhavam, e começaram a caminhar na minha direção. Senti o cano gelado de uma arma tocar a lateral de minha cabeça. A morte também faz parte dos sonhos. Coisas da vida.
Bebi em um gole toda a vodka do copo. Procurei apreciá-la devagar, nunca sabemos quando será a ultima vodka. Pousei o copo sobre o balcão lentamente.
Quando o sujeito segurando a arma piscou seus olhos, numa fração de segundo golpeei-lhe o punho com meu braço esquerdo, fazendo a arma sair da minha direção. Disparou, atingindo uma garrafa e fazendo-a explodir. Era pinga barata, ninguém se importaria. Torci seu braço com a mesma mão ouvindo o barulho do osso dele se quebrar, seguido de um grito do homem, que deixou a arma cair. Puxei-o para a frente do meu corpo, deixando-o entre eu o os outros caras armados, ele seria um bom escudo contra os tiros deles. Começaram a disparar também, picando as costas do homem de balas. Saquei a minha arma, Walther p-38, de dentro da jaqueta e por cima do ombro do agora morto que eu usava como escudo disparei cinco vezes. Os outros cinco caíram mortos, fazendo o tiroteio cessar.
Sobraram sete balas no pente, uma delas bem que poderia ir para a cabeça do barman fofoqueiro, mas decidi que hoje não era o dia dele.
Peguei a carta dela no outro bolso da minha jaqueta, estava intacta, ainda com o perfume, era o que mais importava no momento. A carta era o meu combustível para fazer tudo isso. Na verdade, a autora era o meu combustível, a carta era a mera preposição que nos ligava.
Quando você começa a sonhar que está sonhando, pode apostar que está prestes a acordar. As palavras e o perfume dela tinham esse poder. Coisas da vida.
O COMEÇO
O primeiro passo ao se contar uma boa história é que você defina onde ela começou. Relutei por algum tempo em escolher esse começo. Coisas da vida. Decidi que a minha começou há dez anos, quando conheci Stephanie, uma prima distante que veio passar uns dias na minha casa, ela prestava vestibular para direito. De todas as faculdades de direito do mundo, de todas as cidades do mundo, ela tinha que escolher a da minha cidade.
Eu tinha apenas 15 anos, as meninas que se interessavam por mim eram só meninas. Stephanie era uma mulher. 19 anos, gostava de me provocar, e sabia fazer isso bem.
Criança, babaca mesmo, eu gastava minhas tardes em frente ao vídeo-game, esperando algum dia ser herói como aqueles personagens. Coisas da vida. Ela foi a primeira coisa que me fez sair do foco da minha rotina. Não sei se fazia de propósito, mas foi o que aconteceu.
Em uma tarde lenta e preguiçosa, saindo do meu quarto e caminhando pelo corredor, vi a porta aberta do quarto de Stephanie. Como um portal aberto para um universo paralelo.
Ela saía do banho enrolada na toalha. Tirou-a e passou a enxugar os cabelos ruivos ainda molhados. Stephanie parou ao lado da cama, em um ponto do quarto onde os raios de sol vindos da janela alta incidiam sobre ela. Estava nua, a pele branca iluminada dava-lhe um ar espectral, místico, uma deusa recém chegada à terra para inspirar seu guerreiro em alguma batalha.
Os seios médios e rijos contrastavam com a barriga delineada e esbelta, abaixo, uma sutil trilha de pelos ruivos levavam ao sexo de Stephanie. Ela apoiou uma das pernas na cama e inclinou seu corpo para frente. Espalhou o creme pelas coxas e começou a massageá-las até a canela, ainda iluminada por aquela luz. Até o sol resolveu se por mais tarde naquele dia, quem sabe para apreciar o mesmo que eu via naquele momento.
Parei na porta, encostado com o ombro no batente, admirando-a como se ela estivesse ali só para me entreter. Cara de pau sempre foi a minha maior virtude, também meu maior defeito dependendo de como eu a usava.
Ela demorou alguns instantes para me perceber ali, apontando seu rosto com algumas sardas na minha direção. Seus olhos verdes brilharam assustados ao me ver, piscaram como faróis avisando um motorista desavisado que ele está na contra-mão. Eu apenas continuei com meu sorriso sarcástico, sarcástico mas puro. Quem já o viu entende.
Ela tentou esconder os seios com as mãos cruzadas na frente do corpo, auto-reflexo após o susto. Anos depois uma namorada me disse que toda mulher faz isso por instinto quando é flagrada nua, como se os seios representassem a sua feminilidade e vulnerabilidade expostas. Coisas da vida.
Não fez menção nenhuma de me mandar ir embora, pouco adiantaria, a casa é minha e você está dentro dela, Stephanie, é minha por tabela. Me olhava perplexa, linda e sardenta, como que se esperasse uma atitude minha.
Caminhei até Stephanie em passos determinados, segurei-a pela cintura apertando meu corpo no dela.
- Pare André, eu sou sua prima.
Recusei me a responder, minha saliva estava ocupada no momento, enquanto eu beijava seu pescoço. Tirei seus braços da frente dos seios e segurei-os atrás do corpo de Stephanie, subi minha boca até a dela. Resistência feminina, a muralha mais gostosa de se derrubar que já inventaram. Não lembro quantos segundos ela ainda resistiu antes de começar a retribuir o beijo, se eu pudesse, cronometraria. Talvez eu ainda faça uma pesquisa acadêmica sobre esse tema algum dia. Coisas da vida, e que me interessam muito.
Empurrei Stephanie na cama, mesmo eu com 15 anos e ela 19, já era maior e mais forte que ela. Puxei-a de volta até a beira da cama, ainda deitada. Ajoelhei no chão, na frente dela, passei minhas mãos pela parte de trás de suas coxas e levantei as pernas de Stephanie. Deixei-a totalmente exposta para mim, a vista dali era deliciosa. A vagina úmida fazia meus dedos deslizarem acariciando as duas entradas de Stephanie, comecei a lambê-la, morsdicá-la, cheirá-la; como se aquela buceta fosse uma fonte de água no deserto. Minha língua rígida, reta, gosto de deixá-la assim para poder penetrar uma mulher durante o sexo oral.
Peguei-a de leve pelos cabelos e a coloquei de joelhos, comigo em pé na frente dela. Tirei minha bermuda, apertada pelo volume do meu pau, explodindo de tesão. Ainda com ele dentro da cueca boxer, passei o rosto de Stephanie sobre o contorno. A cada toque dos seus cabelos no meu abdômen ele latejava.
Stephanie abaixou a minha cueca, pegou meu pênis na base, sobrando ainda uma boa parte para sua língua percorrer. As veias por baixo da minha pele estavam coradas e salientes como se todo o meu sangue estivesse ali naquele momento. Ela lambia toda a extensão e fazia movimentos circulares em torno da cabeça, em seguida engolindo-o até onde sua garganta agüentava, vez ou outra apontando seus olhos verdes para o meu rosto. Alucinação, delírio, estado de tranze.
Deitei-a de novo na cama, coloquei a cabeça do meu pênis na entrada de sua vagina e pressionei devagar, gradual. Eu olhava seus olhos, duas esmeraldas, e colocava meus dedos, lambuzados pelo seu suco, na boca de Stephanie.
Nosso encaixe era perfeito. A vagina dela recebeu meu pênis com uma hospitalidade obscena, seu rosto com sardas era uma máscara de prazer. Como se as entranhas de Stephanie moldassem-se ao redor do meu pau, seus músculos internos me apertavam. Puxei sua cabeça para trás, pegando-a pelos cabelos e comecei a meter com força. Nossos corpos trombavam com violência, meu saco tocava o ânus de minha prima, o suor que escorria do meu peito pingava no rosto e no pescoço de Stephanie. Sentíamos o clímax chegando para ambos.
Gozamos juntos, Stephanie se contorcia, rebolava, e chegou a morder meu braço apoiado na cama ao lado do seu rosto. Eu tirei meu pênis de dentro dela e despejei meu sêmen em todo o seu baixo ventre. Ela teve que voltar para o banho depois disso. Acompanhada.
* * *
Dias depois ela voltou para a sua cidade, mas não ficou muito tempo por lá. Stephanie passou no vestibular que veio prestar nos dias em que passamos juntos. Nos primeiros dias de aula, até ela achar algum lugar para morar, ficou em minha casa, a casa dos meus pais na verdade, o que nos impunha algumas limitações e muita discrição para as nossas brincadeiras. Mas mesmo assim foram os melhores dias da minha vida. Com Stephanie, eu era o cara que eu sempre quis ser.
Ela então se mudou, foi morar em uma república com outras garotas. Cada vez nos víamos menos, eu ficava com algumas meninas da minha turma, mas ainda pensava nela. Ficamos mais algumas vezes, por dois anos, enquanto eu ainda estava no 2° colegial, na mesma cidade. Quando eu fiz 18 anos sabia que iria embora dali, ainda não para onde, mas queria respirar outros ares, minha melhor possibilidade oferecida era ir para os Estados Unidos fazer intercâmbio e terminar o colegial por lá. Era o fim do segundo ano dela na vida universitária.
Tempos depois soube que Stephanie estava namorando, alguém de sua faculdade mesmo. Não vou dizer que isso não me afetou nem um pouco, mas nunca fui um cara que gosta de demonstrar emoções. Digamos que só me abalou um pouco...o suficiente. Na verdade, isso me magoou pra caralho. Coisas da vida
Fiz o mesmo que a maioria dos bravos homens faz quando tem seu coração partido por uma mulher: ele vai à guerra.
Mas não vou adentrar no que aconteceu nesse meio tempo da minha vida, não creio que seria relevante para essa história.
* * *
Minha vida fora do país correu melhor do que eu esperava. O tempo passou. Stephanie agora era promotora de justiça, e pelo que eu sabia estava casada. Nunca perguntei se era com o mesmo namorado da faculdade, ou se ela tinha filhos. Na verdade, eu estava pouco me importando com isso. Eu estava muito bem onde estava, da maneira que estava.
Mas sonhos bons as vezes terminam com um despertar brusco. Meu despertador foi a carta de Stephanie. Mais que um despertador, um balde de gelo, e daqueles que se é jogado bem no saco.
A destemida promotora havia comprado briga com uma facção criminosa. Sofreu um atentado numa noite em que saiu para jantar com o marido, e agora estava no hospital com uma bala de raspão na têmpora, fora de perigo, mas ainda internada. O cônjuge não teve a mesma sorte, foi assassinado no tiroteio.
Na carta ela dizia que teria que sair do país, pelas ameaças que recebia. Ao mesmo tempo se lamentava por ter que deixar seu trabalho, que para Stephanie era a sua vida. Pelas palavras, notei uma tristeza em Stephanie que eu nunca tinha visto. Ao final, em letras garrafais ela escreveu: “Sempre te amei.”
Não Stephanie, você nunca me amou, as vezes você precisa de mim, e nossa relação se resume a isso. Na vida ou no sexo sempre fui um recurso útil para você. Coisas da vida.
Para mim, a situação era diferente; eu gostava dela, apesar de expressar isso do meu jeito singular.
Resolvi voltar para perto de Stephanie e ajudá-la a minha maneira.
Ela sabia mais de mim do que eu imaginava, sabia do meu meio de vida na fronteira México-EUA: Assassino, herói, mercenário, a liberdade de opinião das pessoas as permitem dar vários nomes para mim. Eu era um dos caras atarefados e responsáveis que mantinham os cartéis mexicanos longe do país que mais consome drogas no mundo.
Minha prima promotora sabia disso, ela era o braço direito e legítimo da justiça. Eu, o outro, o que carrega a arma. E eu ia ajudá-la, o perfume da carta acionou minha memória olfativa e me direcionou para isso como se não houvesse outra opção. Porra, parece que eu realmente amava essa minha prima. Essa vadia!
* * *
Visitei-a no hospital. O tempo só a deixou mais bonita, ainda que com um arranhão de bala ao lado do rosto. Tranqüilizei-a, tentei-lhe animar e passar confiança.
“Vou resolver seu problema, Stephanie”.
Ao sair, retribuí a carta deixando-lhe um bilhete que dizia:
Alguns amores são de fogo
Outros, de pouca fúria
Mas de que vale esse jogo
Se tudo que temos é a luxúria.
Quem sabe algum dia ela entenda. Coisas da vidaEsta é a primeira parte do conto, os capítulos restantes escreverei de acordo com a vontade do público.