Era uma vez eu, Ledencira, que tinha uma vida linda e maravilhosa ao lado de papai já que sua mulher que era minha mãe tinha morrido nem sei quando. Ele levava eu para passear no shopping e era muito bom: “O bolo é de chocolate filhinha, do jeito que você pediu”. “Mas eu falei que era chocolate só na cobertura, não na massa”. “Tá bem queridinha, o papai troca”. “Igualzinho ao bolo dos meus quinze anos!”.
O desgraçado um dia me traiu e casou-se com uma bruxa horrorosa chamada Dasmarta e que tinha duas filhas mais horrorosas ainda. Tinham mania de estar sempre lavando, limpando e estudando mas eu sei que no fundo isso era só para me dar indiretas. Metidas!Eu sempre ficava atrás da porta escutando e um dia a bruxa disse pro papai: “Ela volta da escola, isso quando vai, tranca-se no quarto e não faz mais nada”. “Mas querida, ela é apenas uma criança!”. “Já completou dezesseis anos”. “É uma situação nova para ela”. “E para nós? Minhas filhas vivem cobrando. É escola, deveres e ajudar nas tarefas da casa enquanto a outra vive como princesa!”. “Eu só peço a você mais um pouco de paciência”.
Mas isso ela não teve e um dia meu pai acabou morrendo de enfarte. Prá mim foi de desgosto. Minha vida virou então um inferno e eu era culpada de tudo que acontecia de errado. Como ela querida que a grana durasse se a mesada era uma miséria? Tive de vender meu som, patins e bicicleta e elas implicavam de eu ficar na sala vendo Tv até de madrugada. Proibiram o Barreto e o Fenízio de me visitarem (chamavam eles de ratinhos, despeitadas!!!): “To falando sério mamãe, é impossível viver assim!”. “O perfume importado que eu comprei a semana passada sumiu”. “Tenho de viver com tudo debaixo de chave!”. “Ledencira, escute o que suas irmãs estão dizendo!”. “Ãhhhhhhhhhhhh?”. “Pelo amor de Deus, tira esse fone de ouvido!”. “Calma galera, calma, o que tá rolando?”. “Quem tá rolando é eu e minhas filhas. Ninguém te agüenta mais!”. “Ahhhhhhhhhhhh....!”. “De hoje em diante você vai morar no porão. Se chegar na hora pode comer conosco, caso contrário se vire. E vou trocar as fechaduras da casa. Você usa o banheiro de fora.”. “Perai... quer dizer que...?!”. “Quer dizer que você faça o que quiser. Eu só não vou deixar que você acabe com minha vida e a vida de minhas filhas”.
Fui para o porão morta de ódio e esqueci que elas existiam; as nojentas! Vi quando receberam o convite de casamento da prima Nita e não me falaram nada. Vi também quando compraram roupas e presentes para ir na festa. No dia eu fiz questão de zoar: “Onde vão as Barbies assim?”. “Sua prima casa hoje”. “Eu não estou convidada?”. “Não. Você resolveu desistir da família faz tempo.”. “Mas eu tenho direito de ir, afinal...”. “Afinal você não vai e pronto, para não estragar a festa”.
Ai que raiva! Eu não fazia questão de festinhas caretas mas uma boquinha livre até que ia bem. Estava na maior deprê quando a Fainha chegou e trouxe o pozinho mágico. Na primeira cheirada eu vesti meu jeans de marca; na segunda entrei no carrão do Fenízio e do Barreto e na terceira eu estava na festa. Dançava com lindos rapazes e curtia a cara de despeito de Dasmarta e suas filhas.
No outro dia acordei com uma ressaca daquelas por causa da zoeira em frente de casa: “Ai que vergonha tia, você nem imagina o que aconteceu! Roubaram a casa do meu vizinho e ele disse que foi gente da festa. Deu parte á polícia e pela descrição......”.
Logo parou um caro de polícia em frente de casa. Um soldado desceu segurando algo:” Senhora, por acaso reconhece isso? Foi achado na casa roubada.”. Eu não entendia o que eles falavam mas saquei que o filho da puta estava segurando um pé do meu tênis importado. Avancei, arranquei da mão dele e só prá provar que era meu calcei na frente de todos: “Viram seus babacas? Serviu direitinho!”.