I Parte:
“Sangue ruim igual ao do pai”
Lá para os lados de Machado meu avô tinha uma fazenda de café que só dava problema. Não parava administrador de jeito nenhum e as terras eram defendidas pelo Zelão- e alguns capangas- dos grupos armados que vinham do Nordeste e agiam como gafanhotos, roubando, matando, tocando fogo, etc . Quando meus pais voltaram de lua-de-mel o Velho enviou meu pai para tomar conta dela, sob os protestos de meus avós maternos que não queriam ver sua única filha “em terras de bugres”.
Os velhos morreram se estranhando por causa desse fato.
Minha mãe que era teimosa que nem uma mula bateu pé dizendo que ia com o marido até o fim do mundo.
Foram e la chegando viram que a Casa Grande estava quase em ruinas e que só a casa do administrador tinha condição de ser habitada.
Meu pai, cheio de dedos, deu carta branca a minha mãe para reformar a Sede.
E a obras começaram com Zelão e alguns homens tratando de defender a ‘esposa do patrãozinho’.
Quando a ala dos aposentos de meus pais ficou pronta, ela pediu a meu avô que enviasse seus moveis pela Rede Mineira de Viação sob a custódia de uns homens que meu pai ia mandar para o Rio.
Assim foi feito.
Meu pai estava no campo quando a ultima peça de decoração foi colocada no lugar , minha mãe mandou selar um cavalo para ir atrás de meu pai para lhe dar a noticia de que iam morar na nova casa.
Zelão se atrasou e minha mãe se emprenhou pelo cafezal, ainda em recuperação, quando um homem saído do nada se meteu na frente do cavalo o qual empinando derrubou minha mãe.
Ele ia partido para violenta-la quando um grupo de catadores- auxiliares de meu pai chegou e ele com medo fugiu.
Zelão chegou logo atrás e a socorreu.
Na sua nova cama continuou desacordada para desespero de meu pai.
O médico, já bem idoso, foi chamado da Vila.
Expulsou meu pai do quarto, ficando com Josefa, mulher de Zelão, e duas empregadas de dentro.
Em volta da Sede uma multidão de colonos, catadores, empregados das fazendas vizinhas, formando assim uma enorme tropa de cavalos, rezava um terço puxado pelo padre da pequenina Igreja da Vila.
Os fazendeiros e suas mulheres estavam na ante-sala dos aposentos de meus pais e como é de se esperar com umas caras de dar medo.
“- Seu Menino ela vai ficar boa, mas o filhos os senhores perderam. Lamento muito”
“- Que filho?”
“- O senhor não sabia que ela estava em estado interessante?
Meu pai deu um urro e gritou a plenos pulmões;
“- Juro por esse anjinho que vou matar com as minhas próprias mãos esse filho da puta que me fez perdê-lo e causo mal a minha “Menina.”
Meus pais sempre se chamaram, até a morte, de ‘menino’ e ‘menina’, pois o apelido dele desde de pequeno , dado pelo Velho, era ‘menino’.
Zelão, zeloso, já havia capturado o camarada e o mantinha preso em uma tulha.
Meu pai entrou no quarto arrasado e chorou tudo que tinha que chorar por toda a sua vida de joelhos ao lado da cama de minha mãe.
Dona Gertrudes, mulher de um fazendeiro vizinho, contava essa história com lagrimas nos olhos.
O povão que ouviu a promessa de meu pai, não arredou pé da frente da casa.
Pela manhã meu pai desceu e foi até o Terreiro e lá já estava Zelão e o ‘vira-bosta’ de joelho.
Meu apaí mandou que ficasse em pé e ele levantou cuspindo em meu pai.
Papai mandou desamarra-lo e esperou pelo combate que não veio.
Segurou então com pescoço do alagoano e apertou até que ele estrebuchou e caiu morto.
“- Que sirva de lição para quem mexer comigo, com minha mulher ou com alguém de minha família, incluindo a do negro Zelão”.
Voltou para a casa e uma semana depois estava no Rio para cuidar de minha mãe na Beneficência Portuguesa.
A historia rodou mundo e um dia, meu pai estava sozinho de volta, quando foi avisado que um grupo armado de nordestino estava atirando para dentro da Sede e já tinha matado Gumercindo, filho de Zelão, e recém casado.
Montou no cavalo e com seus homens chegou por trás dos ‘vira-bostas’ os pegando de surpresa, com isso eles mataram a todos, não sobrou um para contar a historia.
Findo o combate meu pai mandou jogar seus corpos no açude que havia em suas terras, pois decretou que bandido não tinha direito a ‘campo santo’.
Desse dia em diante alguns diziam a socapa que ele tinha “Sangue ruim” e outros o aclamavam com defensor do município tanto que pediram anos depois ao Governador que lhe outorgasse a Medalha da Inconfidência por serviços prestados aos mineiros.
Nas portas de todas as nossas casas, nos escritórios das fazendas, da Usina, tinha escrito ora em azulejos, ora em forma de afresco, ora em belo quadro, a frase "Deus me poupou o sentimento do medo", dita pelo seu grande amigo Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Servia como alerta para todos e como exemplo para a familia, o que solidificou mais a fama de “sangue ruim” que ele tinha.
Demorou muito para minha mãe ter fihos e primeiro veio minha irmã e anos depois eu.
Um dia eu ouvi:
“- Ele tem sangue ruim igual ao do pai”.