Eu não sabia onde enfiar minha cabeça. Allan estava vermelho e olhava para baixo com vergonha e eu não sabia para onde olhar, sentia mil olhares me perseguindo, cada gesto meu. Eu não sabia o que fazer... se pulava e enfiava uma faca na garganta daquele desgraçado que sorria com prazer ou se apenas ficava de cabeça baixa esperando todos nos julgarem como aberrações. Eu faria o que o Allan fizesse, por debaixo da mesa, peguei na sua mão e ele olhou pra mim com lagrimas nos olhos e como quem toma uma atitude ele engoliu em seco, enxugou suas lagrimas e se levantou com fúria, olhou para todos na mesa e disse com voz ríspida e grosseira:
- olha aqui seu filho da puta, quem você pensa que é pra falar assim de mim? – todos olhavam para o Allan com uma cara de “quem é você? E o que fez com o Allan amável?”.
- haha. Eu só...
- cala a tua boca de merda que eu não terminei ainda. – disse Allan cortando o primo ridículo dele, o clima pesou legal naquela hora, dava pra sentir no ar que alguma coisa iria dar errado. Terrivelmente errado, eu continuei sentado e apenas olhando ele em pé com os olhos em fúria metralhando o primo dele do outro lado da mesa que demonstrava um pouco de medo.
Allan saiu de perto de mim e contorno a mesa chegando bem perto do infeliz.
- repete se você for bem homem, repete, mas fique sabendo que vão ser as ultimas palavras que você vai dizer usando todos os dentes.
Um silencio brotou na sala, todos quietos e concentrados.
- eu não tenho medo de você. – disse o primo.
- pois deveria ter. – disse o pai do Allan se levantando. – o que você disse foi constrangedor e ridículo, se meu filho é ou não o problema é dele e se você não demonstrar respeito você vai apanhar tanto dele quanto de mim.
- e de mim também – eu disse me levantando também serrando os olhos em ameaça.
- chega dessa palhaçada!! – disse o bisavô do Allan que estava evidentemente furioso com tudo aquilo. – eu não vou tolerar esse tipo de coisa na minha casa, ainda mais no natal. Sentem todos quietos e não quero mais nenhum pio entre vocês, eu sou velho mais eu ainda mando nessa bosta.
O pai de Allan foi o primeiro a sentar, por respeito, claro, eu sentei logo depois, mas Allan continuou de pé e ainda disse:
- desculpa bisa, mas eu não vou tolerar isso, e também não vou estragar o natal de ninguém, então se o Flavio (nome do primo) quiser resolver isso igual homem que ele venha comigo lá pra fora pra gente por o papo em dia. – Allan cuspia as palavras na cara do Flavio, era uma situação bem tensa, mas isso me deixou muito excitado e apaixonado pelo Allan.
Allan se virou e foi pra porta da frente e saiu batendo ela com força. Todos olharam para o Flavio que ficou ali parado por uns segundo sem fazer nada.
- vai filho, agora. – disse quem eu acho que era o pai dele.
-mas...
- você provocou, agora agüenta igual homem.
Flavio fez uma careta de desaprovação e andou pesado até a porta da saída. Eu e o senhor Spencer, pai do Allan, levantamos juntos. Mas o bisavô falou:
-sentem os dois, é uma discussão de homem pra homem, eles que se resolvam.
Ficou silencio chato depois disso então uma mulher se levantou da mesa e aumentou o volume da TV da sala para que ninguém ouvisse a discussão lá fora. Então todos como se não houvesse nada começaram a puxar papo uns com os outros pra tentar realegrar o natal estragado.
Depois de uns 5 minutos ouvisse um barulho enorme na porta da frente, como se algo tivesse batido nela
BBAAANG!
Todos ficaram quietos, logo outro
BANNG!
BAANG! BANNG!!
Não parava mais, a maioria dos homens da mesa se puseram de pé preparados. Inclusive eu.
De repente a porta se abre e Flavio corre para dentro coma as mão na boca enquanto caia um rio de sangue do seu rosto. Ele entrou chorando, Allan vinha logo atrás com um olhar de fúria.
- volta aqui seu filho da puta por que eu nem comecei. - Flavio correu pro banheiro, 2 ou 3 mulheres foram logo atrás pra cuidarem dos ferimentos.
Eu e mais 2 homens seguramos o Allan enquanto ele tinha um acesso de fúria (não sei se isso existe), quando ele parou de lutar pra se soltar pra ir atrás do flavio, ele respirou fundo, foi até a mesa pegou a taça de vinho virou num gole só e disse pro bisavô:
- desculpe pelo natal. – virou as costas para ele e me pegou pela Mao e disse:
- vamos embora daqui. – e me puxou pra porta.
- onde vocês pensam que vão! – disse a mãe do Allan histérica.
Allan ignorou, então me senti na responsabilidade de responder:
- não se preocupe tenho dinheiro, agente arruma um lugar. – mal deu tempo de dizer isso e ele me puxou casa a fora e caminhamos por um tempo pelas calçadas da cidade, sem dizer uma palavra.
O silencio era chato e insuportável, ainda mais entra nós dois, eu queria falar algo mas Allan estava possesso então eu quis esperar ele se acalmar.
- esta com fome? – perguntou ele mais calmo olhando para o chão.
- na verdade, não. – menti.
- esta sim, te conheço quando mente. – ele deu um sorrisinho bonito de ver. – vem, vamos para um praça da cidade achar qualquer coisa pra comer, saímos no meio da ceia, não comemos nada.
- é. Tudo parecia tão bom. Kkk
- sim, minha mãe e minhas tias são cozinheiras de mão cheia.
Ele já estava mais calmo e falava mais amoroso.
- sinto muito estragar seu natal. – ele disse olhando pro chão. Parecia se sentir culpado pela briga, que alias ele saiu inteirão.
- ta brincando né? Eu conheci sua família, e comi algumas guloseimas, e pude conhecer SC que nunca estive aqui, andei de avião de mão dada com uma pessoa especial, e ainda você esta me levando pra passear na rua em pleno natal, bem romântico não?
- você não falou das coisas ruins que aconteceram. – ele ainda olhava para o chão e caminhava com as mãos no bolso ao meu lado.
- como o que? não lembro de nenhuma.
- bom, teve que agente não pode ficar de mãos dadas, nem se abraçando nem nada disso, e também, que você foi humilhado pelo meu primo na frente de umas 25 pessoas. E sem contar a briga e o caos que rolou.
Eu parei de andar e fiquei na frente dele, para que ele olhasse nos meu olhos enquanto eu falava.
- olha, eu passo quase 24 hrs me agarrando com você, eu não vou morrer de ficar do seu lado ao invés de ficar encima de você, no natal, eu to pouco me lixando pro que o seu primo pensa da mim, ou da gente, e a briga, foi horrível de ver, mas nada mais foi do que uma prova de amor sua. De me dar mais certeza ainda de que estou com a pessoa certa pra mim. E não, você não estragou meu natal, pois preferia mil vezes estar aqui com você nessa rua que eu não sei o nome do que estar em casa vendo TV com um pote de sorvete vendo especial do Roberto Carlos, aquele homem que nunca se aposenta, então levanta essa cara murcha, me da um abraço e vamos comer uma porção de batatas fritas por que você me deixa com fome. Nos dois sentidos.
Ele riu e me abraçou com força, mas discretamente, e ainda disse:
- eu estaria chorando se não fosse você aqui do meu lado.
- eu sei, mas vamos enfrentar tudo e todos juntos.
Assim, caminhamos até achar um bar bem relax e legal com musica ao vivo e bem rústico, onde vendiam chopp de metro. Eu pedi 2 porções de batatas, por que eu e Allan amamos batatas fritas, enquanto esperávamos ficamos conversando e tal, pegamos uma mesa bem no canto, onde não tinha quase ninguém, exceto um rapaz da nossa idade sentado numa mesa atrás de mim. Conversamos um pouco e tal e Allan sempre olhava para o rapaz com uma cara desagradável, como se a presença do cara estivesse incomodando ele. Então depois de uns 10 minutos conversando chegou nossas batatas e do nada Allan fez sinal para que eu parasse de falar, então ele olhou por cima do meu ombro e disse:
- até quando você vai ouvir a nossa conversa?
Eu me virei e o cara da mesa pareceu levar um susto, ele não esperava que fosse notado ouvindo nossa conversa, por sorte não falávamos nada de comprometedor.
- err... eu não... bom... é que... olha, eu não quero confusão. – disse o rapaz corando de vergonha.
- não vamos arranjar confusão com você. – eu disse apresado antes que Allan fosse falar algo. – só queremos saber o porque de nos escutar.
O rapaz parecia chateado e triste.
- não é nada demais. – ele falou apressado, tentando fugir do assunto.
- você não parece nada bem com essa cara caída. – disse o Allan meio alegre já, bom sinal, sua fúria tinha sumido.
- da pra ver é? – o rapaz riu um pouco e fitava o nada meio distraído.
- você ficou todo o tempo que estávamos aqui, ouvindo nossa conversa, com uma cara de bunda, olhando pra parede, não parece que você esteja pulando de alegria.
Ele riu mais forte e agora dava pra ver o rosto dele, como ele realmente era, um rapaz de cabelos castanhos, uma barbicha estilosa, e olhos verdes lindos, mas eu preferia mil vezes meu Allan, né? (Allan pode ler isso).
- bom , você já ouviu nossa conversa, sua vez de nos contar alguma coisa. – disse o Allan já sorridente e feliz.
O rapaz se virou de frente pra gente e começou a sorrir e falou:
- bom, ehh, eu acabei de notar que a pessoa que eu gostava não ta nem ai pra mim, então vim com minha família pra cá, passar o natal, mas eles encheram a cara de cerveja e agora estão brigando, típica reunião em família brasileira.
Olhei para o Allan e disse:
- nem me fale.
Allan riu meio envergonhado.
Eu apontei pro Allan e disse:
- esse aqui arrancou 3 dentes do primo dela agora pouco.
- nossa! Que natal! – riu o desconhecido.
- meu nome é Allan e o fofoqueiro é o Carlos. Somos do rio.
O rapaz se surpreendeu.
- serio? Também sou do rio.
- pow que bacana. Nós voltamos amanha e você? -eu disse descontraindo.
- eu vou ter que ficar aqui mais uma semana. E já pego o réveillon. =/
Papo vai papo vem, conversamos mais um pouco e ele acabou sentando na nossa mesa e disse que dividiria a conta (há ele não me conhece) conversamos um pouco e Allan já acerto na ferida.
- então quem era essa pessoa que não ta nem ai pra você?
- uma pessoa que nunca me deu valor e que me trata super mal. – disse o rapaz meio pensativo.
- que bosta eim? Essa menina deve ter problemas, você é um rapaz bonito e tal, deveria pegar quem quiser. – eu olhei pro Allan com um olhar de quem diz “rapaz bonito? Você quer morrer?”, Allan entendeu o recado, sorriu e disse:
- to brincando amor. Só tenho olhos pra você.
O rapaz olhou pra gente, e ficou meio em duvida. E nós já sabíamos em que ele estava em duvida.
- vocês são... é... são.. gays? – ele falou bem baixinho.
- hahaha, sim, algum problema? Pois nós não estamos te dando mole. Acredite. – eu disse sorrindo.
O rapaz sorriu e disse;
- que bonito isso, sabe eu não contei isso pra ninguém, mas eu também sou, e a pessoa que gosto é um colega de faculdade que não me da a mínima.
- noooooossa, ai fica tenso, dizem que amor de homossexuais pode ser 2 ou até 3 vezes pior do que qualquer tipo de amor, se você se declarar e a pessoa não ta afim, você perde sua vida social num estalos de dedos. Eu já sofri muito com isso – disse Allan reconfortando o rapaz que agente nem sabia o nome.
- é eu já percebi isso, e pode ser bem deprimente também não é? - o rapaz respondeu.
- desculpe, mas qual seu nome mesmo? – eu disse cortando o papo do amor não correspondido.
- meu nome é jhow(fictício), prazer conhecer vocês.
- prazer nosso, sempre bom ter amigos. – disse o Allan devorando sem medo as batatas. – mas não esquente, você encontrara alguém pra você, o mundo da voltas, mas tire o olho desse ai porque esse é meu. – apontou pra mim com um sorriso que eu tanto amava.
Bom, a noite foi passando e pedimos um choop de metro e depois outro e mais outro, e assim foi, quando o bar já estava fechando tivemos que ir embora:
- bom, foi muito conversar com vocês, ter brother como vocês pra poder conversar sem medo. Obrigado.
- que nada, sempre bom, desabafar com estranhos, que podem te esfaquear pelas costas. Kkkk
- mas marcamos de nos encontrar qualquer dia no rio, sair, pra um boate, te arrumar um homem né? – Allan disse.
- hahaha com certeza, mas não tenho muita grana, vou ter que economizar. – jhow respondeu bem alegre em nos conhecer, bem melhor do que quando encontramos ele.
- isso não é problema. – eu disse.
- ok então, nos vemos por ai.
Nos despedimos umas 20 vezes e ele foi embora, e nós também. Tava na hora de enfrentar a família. =/