Uma vida de esperança - Parte 3

Um conto erótico de DeBemComAVida
Categoria: Homossexual
Contém 1551 palavras
Data: 19/04/2012 10:26:14
Assuntos: Amor, Gay, Homossexual, Romance

O meu pai ainda hesitou antes de falar, por isso eu já começava a suspeitar qual era o assunto.

Sílvia: Ah pai, eu conheço essa cara. Outra vez não, por favor. Dá um tempo.

D. Antónia: Francisco justo hoje? O seu filho acabou de ganhar mais uma medalha e você se lembra disso justo hoje? Hoje devíamos festejar, não era hora pra esse assunto.

Nessa altura já Afonso tinha agarrado a minha mãe. Ele não gostava deste assunto tanto quanto eu.

Sr. Francisco: Não há hora certa ou errada para falar deste assunto. Eu queria deixar para depois do jantar, mas vamos falar agora então.

Respirei fundo e Afonso me sentou juntinho a ele no sofá da sala. Todos se sentaram menos meu pai.

Sr. Francisco: Vou ser direto então. Há um novo tratamento para invisuais nos estados unidos.

Sílvia: Outra vez não, para mim já chega.

Sílvia se levantou e veio ter comigo.

Sílvia: Pedro, meu amor, você não precisa ouvir tudo de novo, já sofreu demais. Sabe que pode contar comigo para qualquer coisa.

Deu-me um beijo na testa e depois falou para meu pai.

Sílvia: Juro que não entendo porque o Sr. insiste sempre no mesmo, ele é seu filho, não acha que já sofreu demais?

Afonso continuava calado a meu lado, ele nada falaria. Só se eu estivesse realmente aflito aí ele intervinha. Ouço minha mãe suspirar. Ela não gostava desta conversa tanto quanto eu, mas sabia que nada ia impedir o meu pai de falar.

Sr. Francisco: Desta vez é diferente. Este tratamento tem tido uma taxa de sucesso muito superior aos outros.

Sílvia: É sempre a mesma história "desta vez é diferente". Ah pai, chega!!

Ouço ela sair da sala. Provavelmente caminhava para o jardim de casa. Lá havia uma grande árvore com dois baloiços pendurados em dois ramos diferentes. Era pra lá que nos íamos desde criança. Às vezes juntos e ficávamos horas e horas a sentir o vento na cara sem dizer uma palavra. Bastava olhar uma para o outros que logo percebíamos o que cada um estava a pensar. Sinto muito a falta disso. Sinto falta de olhar fundo naqueles olhos castanhos que me transmitiam tantos sentimentos.

Meu pai com certeza já esperava que ela não ficasse para ouvir, ele a conhecia muito bem. Mas não era isso que o ia fazer desistir de falar. Conseguia imaginar perfeitamente meu pai de pé com as duas mãos coladas a falar e a olhar para cada um de nós.

Há dois anos atrás quando o meu pai falava sério assim num assunto era bem difícil encara-lo nos olhos, acho que até os advogados adversários tinham dificuldade em olha-lo nos olhos rsrsrs ele intimidava-me qualquer um, deixava qualquer um completamente ‘nu’. Mas agora já não tinha esse poder sobre mim. Mas mesmo sendo tão intimador preferia sentir-me intimidado, preferia poder olha-lo nos olhos. Olhar para o escuro custa muito mais.

Sr. Francisco: Meu filho, há um caso em que uma mulher que tinha ficado sem ver subitamente, recuperou 89% da visão. E há mais casos de sucesso.

Eu: Assim como no estudo anterior um menino de 11 anos recuperou 55%. E em outro estudo anterior um de 15 anos recuperou 73%. E em outro… e em outro… e em outro…

Eu falava calmamente. Não era um assunto que me agradasse. Mas já estava habituado a lidar com ele.

Eu: Pai, todos os estudos que nos mostrou tiveram casos de sucesso. Mas eu nunca tive qualquer alteração.

Sr. Francisco: Eu sei meu filho, mas agora é diferente.

Como já disse atrás o meu pai é um advogado famoso e respeitado. É daqueles que desarma qualquer advogado adversário. Poucas vezes foi surpreendido no tribunal. Mas quando o assunto era eu ou a minha irmã ele era completamente irracional. Desde que perdi a visão ele não parou de procurar por tratamentos, em qualquer parte do mundo. Com certeza foi o que sofreu mais. Mais que a minha irmã e a minha mãe. Ele simplesmente não se conformava e acreditava que havia uma solução.

D. Antónia: Ah Francisco, tenho de concordar com a sua filha, você sempre diz que é diferente e a gente sempre se ilude e depois nada muda. Fica tudo na mesma.

Minha mãe não se exaltou, falava calmamente, mas podia notar na voz dela que estava desiludida.

Sr. Francisco: Me escutem por favor. Este novo tratamento tem aparecido em várias revistas científicas, há já vários médicos que estão a estudar os casos e que estão muito surpreendidos com os resultados. É que existem vários casos de sucesso. Já há centenas de pessoas inscritas.

Eu: Pai por favor me diga que o Sr. não me inscreveu pra fazer o tratamento sem me consultar?

Sr. Francisco: Mas meu filho a lista de espera é enorme, não podíamos perder tempo. Um cliente meu está envolvido com o projeto e consegui uma ótima vaga para você.

D. Antônia: Você não devia ter feito isso sem primeiro consultar Pedro. Ele não é uma criança, já tem idade para decidir.

Sr. Francisco: Mas vocês não entendem? Desta vez é diferente!!

Meu pai já começava a ficar ligeiramente exaltado.

Sr. Francisco: acreditem em mim por favor. Por favor!!

Eu: Pai, eu se que o Sr. me ama e que se preocupa demais comigo. Mas eu já me conformei em ser assim.

Sr. Francisco: Eu sei que estou sendo egoísta, mas faça isso por mim por favor. Por nós...

Eu sei que meu pai estava sendo egoísta, e este ‘Por nós…’ era uma tentativa desesperada para que eu aceitasse.

Suspirei…

Esperei uns segundos tentando analisar toda a situação, mas precisava de um tempo, precisava de respirar um pouco, precisava do meu espaço.

Eu: Eu preciso de pensar…

Fui-me levantando e Afonso se levantou comigo.

Eu: Meu amor, preciso de ir sozinho.

Passei a mão no rosto dele e lhe dei um beijo nos lábios. Saí da sala e fui para o jardim. Atrás de mim ficaram todos em silêncio. Ao fundo podia ouvir o fio do baloiço a raspar os ramos bem devagarinho...

Caminhei pelo jardim e fui direto para meu baloiço, cada um tinha o seu baloiço.

Sílvia: Qual é a taxa de sucesso dessa vez?

Eu: Uma mulher melhorou 89%.

Sílvia: E papai acredita que você chega aos 90%.

Eu: Eu acho que para ele chego mesmo aos 100%.

Ri-mos juntos.

Fiquei um tempo sentindo a brisa suave no rosto. Estávamos em silêncio. Eu sabia o que ela ia perguntar...

Sílvia: Você vai fazer o tratamento?

Eu: Tem outro jeito?

Sílvia: Tem! Claro que tem! Você já é adulto, já tem idade para escolher o rumo da sua vida.

Fiquei calado por um tempo. Ela tinha razão. Era a minha vida. Mas...

Eu: Você sabe que se o pai tem esperança eu fico sempre com um pouco de esperança.

Sílvia: Eu sei, eu conheço você. Mas quer passar por tudo mais uma vez? Cada vez custa mais...

Eu: Eu sei que sim e sei que não sofro sozinho. Sei que todos sofrem.... e muito... Mas sabe que eu não sou de desistir. Sabe que na minha cabeça fica sempre o "e se desse certo...", "e se resultasse...", e se... e se... e se...

Sílvia: Você sabe que te apoio sempre, mas acho que vai sofrer de novo e você não merece isso...

Eu: Eu sei...

Voltamos a ficar em silêncio.

Eu: Vamos pra dentro?

Sílvia suspirou.

Sílvia: Vamos. Mas acho que você vai fazer a maior burrada.

Veio ter comigo, puxou pelas minhas mãe para eu me levantar e me abraçou. Foi um abraço não muito longo mas com muito sentimento. Era disto que eu precisava.

Sílvia: Eu te amo...- disse dando um beijo na minha teta - Vamos então...

Entramos em casa e estavam todos calados. Tinham ligado o televisor mas eu duvida que alguém estivesse realmente atento ao filme que passava.

Tentei quebrar o gelo.

Eu: Vamos comer?

D. Antónia: Vamos então, vou voltar a aquecer, já esfriou.

Sílvia: Eu ajudo.

Sento-me no sofá no mesmo lugar onde estive sentado momentos antes e Afonso continuava no mesmo sítio.

Afonso: Meu amor, tudo bem?

Eu: Sim, só precisava de pensar um pouco.

Eu não conseguia ver mas podia jurar que o meu pai estava me encarando à espera que eu falasse qual a minha decisão.

Eu: Pai?

Sr. Francisco: Estou aqui meu filho.

Eu: Eu faço.

Afonso: Tem certeza?

Eu: Sim. Mas é o último. Faço este tratamento com a condição de que não procure por mais tratamentos.

Nisso meu pai já estava à minha frente me levantando e me abraçando.

Sr. Francisco: Eu sinto que é desta meu filho. É desta!

Eu: Vamos esperar... Vamos esperar...

O meu pai estava eufórico, de certeza que manteve o sorriso na cara todo o jantar. A minha mãe parecia aparentemente normal. Afonso esteve todo o jantar me fazendo carinhos e Sílvia quase não comeu.

Mais uma luta se aproximava. Daqui a um mês era a hora da batalha. Eu queria muito ganhar, mas não dependia só de mim. Queria muito acreditar no meu pai e pensar "desta vez tudo se resolve", mas já pensei isso para outros tratamentos e de todas as vezes sofri, sofri muito. Cada vez sofria mais. Por isso prometi a mim mesmo que era a última tentativa.

CONTINUA…

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 0 estrelas.
Incentive DeBemComAVida a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários