Lá estava eu, sentado na minha escrivaninha, fitando um porta retrato de 2008 ao qual eu estava abraçado com um garoto um pouco mais baixo do que eu, com um topete curvilíneo, cabelos de cachos grandes e um sorriso encantador, seus olhos uma imersão de encanto.
Comecei a devanear sobre "esse garoto".
Eu precisava escrever uma redação sobre a influência do meu passado no meu presente, e não fazia ideia do que escrever. Aproveitei o retrato em mãos e comecei a escrever sobre o Lucas:
"Belas tardes de primavera aquelas que passávamos quase todos as tardes de segunda a sexta, jogando Super Mario Bros. num velho porém funcional Super Nintendo.
Sempre jogávamos até o segundo mundo e depois pegava o atalho pra ir direto para a fase final.
Nossos pais eram tão amigos quanto nós, ou até mais. Sendo assim, eramos praticamente uma única família.
No meu aniversário de 13 anos, ficamos eu e ele no quarto, ele iria dormir na minha casa. Já passava das 4h da manhã e ainda estávamos acordados. Conversa ia, conversa vinha. Secretamente, sempre amei o Lucas. Levou tempo para eu admitir que eu estava sentindo algo por um menino. Mas com muita dor, aceitei esse fato. E prometi a mim mesmo que ele nunca saberia por mim, infelizmente, naquela noite tudo estava prestes a mudar.
Num certo ponto da conversa, ele me perguntou se eu beijaria um menino. E eu não respondi, fiquei pálido e ele notou isso:
- O que foi?
- Nada não.
- Cara, você está branco como borracha, e suando. Por que a minha pergunta te incomodou tanto?
- Não é que...
Lucas se aproximou de mim, e ficou me encarando com aquele sorriso safado e belo que só ele tinha.
- Vamos, fale. É que?
Sentia minha pulsação bater muito rápido, tentei desviar do assunto, mas Lucas colocou ele no eixo novamente. Estávamos a um palmo de se beijar, ele me fitava de um jeito inexplicável. Frente a frente, deitados na minha cama.
O resto dessa noite prefiro não lembrar.
Contei a ele que eu gostava dele:
- Diga logo, o que você tanto não consegue me dizer.
- É que eu te amo, porra!
- Cara, você é gay?
- Não sei ainda, estou confuso, mas eu gosto muito de você.
- Para, cara. Cê só pode estar brincando, sério.
- Não, não estou. Estou sendo sincero, eu te amo profundamente...
Lucas que estava frente a frente comigo, foi para o colchonete no chão. Mas não sem antes me encarar com revolta e indignação.
Eu estava desesperado, não sabia como ia ser dali pra frente. Mas achei melhor deixar essa história para a manhã seguinte.
Quando acordei, olhei para todos os lados procurando as coisas do Lucas, que não estava deitado. Infelizmente, minhas suspeitas se concretizaram, ele havia ido embora.
...
Da primavera para as férias foram um pulo, e desde lá o Lucas não falava mais comigo. Tentei ligar pra ele, mas ele desligou. Chamava ele no msn, mas ele me bloqueou. Tentei me comunicar com ele de todas as maneiras, mas ele sumiu nas férias.
Descobri que ele mudou de escola, e por esse motivo que eu pedi aos meus pais que me transferissem para lá também.
Faltava alguns dias para as férias terminarem, era de noite, e eu estava na rua. Quando vi, o Lucas passando, sem olhar para os lados rapidamente. Parei-o, instantaneamente, e ele me empurrou:
- Sai, mano da minha frente. Eu não quero te bater, cacete.
- E vai me bater por que te contei a verdade? Por que eu te amo?
- Mano, você é viado. Cala a boca. Vai comer uma mulher, vai.
- EU NÃO ENTENDO O QUE TE FIZ DE ERRADO! - gritei furioso - A única coisa que eu fiz, foi ser seu melhor amigo esse tempo todo. Quando você estava gostando da Lucia, quem foi que fez de tudo pra te ajudar a ficar com ela? Quando a vaca da sua mãe te surrava, era na casa de quem que você se escondia? Quando você descobriu que o puto do seu pai traia sua mãe, quem lhe ofereceu o ombro, a casa, a família, e o que mais tivesse pra que você ficasse bem? FUI EU, E POR SER SINCERO COM VOCÊ, EU MEREÇO ISSO?
- Não fala dos meus pais, seu bosta - Lucas me empurrou novamente e eu cai no chão
Eu sou uma pessoa meio estourada, mas violência pra mim se combatia com violência.
Me levantei e soquei-o, o soco atingiu seu nariz que começava a sangrar. Ele rebateu o soco.
E não demorou muito para que estivéssemos rolando no chão, batendo violentamente um ao outro. Provavelmente, os vizinhos escutaram os barulhos na rua e chamaram meu pai de modo que ele logo chegou para apartar a briga e nos levar pra casa.
Estávamos os dois, cheios de raiva e ódio, um pelo outro. Sentados cada um, em um sofá em casa. Quando o padrasto dele, bêbado chegou na minha casa, e o puxou com muita raiva. Ainda lembro de tê-lo visto ser chutado na barriga pelo padrasto antes que a porta se fechasse. Fiquei pensando se deveria ajudar ele. Mas quando resolvi fazer algo eles já haviam desaparecido da rua.
Depois daquele dia, o Lucas saiu definitivamente da minha vida e perdemos o contato.
Isso mudou minha vida, descobri que era gay por me apaixonar pelo meu melhor amigo aos meus 13 anos. E definitivamente, sinto falta dele".
E assim terminei minha redação, realmente sentia muita falta do Lucas. Porém, nunca mais soube nada sobre ele. Nada mesmo.
Fechei meu caderno, e resolvi entrar um pouco na internet pra descontrair. Aquela lição me fez lembrar de partes do meu passado que eu não gosto de lembrar. Assim que entrei no msn, o Olavo me mandou aquele "oi" que apesar de longe, você senti a animação da pessoa por estar falando com você. Abri um sorriso, e lembrei que não havia motivos pra temer: Eu tinha um namorado lindo, estava bem comigo mesmo, meu pai conseguiu um emprego novo, então foi-se o tempo das vacas magras aqui em casa.
Eu tinha certeza que amava o Olavo, e era com ele que eu queria estar. O Lucas foi importante pra mim, mas estava morto e enterrado no meu passado, de onde nunca deveria ter saído.