Não queria sair dos braços do Lucas pra sempre. Para ele, não tinha me visto sorrir, andar, conversar, durante 3 anos. Mas para mim, tinha sido ontem que eu tinha visto esse menino caindo da cama, ontem que eu o ajudei a ir no banheiro para ajudar ele a fazer as necessidades, ontem que eu tinha ficado sabendo que ele mantinha sentimentos por mim que eu desconhecia pois não sentia o mesmo por ele. Ontem que eu caí. É claro que agora tínhamos crescido, e ele... ele virou um homem. Ele ficou irreconhecível com certeza. Ficou realmente um homem. Tinha as mesmas feições mas agora em um rosto crescido e bem formado. E o que eu achei? Lindo. Mais do que lindo. Eu pude ver que ele mantinha as mesmas caretas que ele tinha. Não mudou nesse aspecto. Seus braços me apertaram mais e ele começou a falar.
- Sabe, eu sei que você é mais velho. Mas você não era mais alto que eu? - Ele começou a dar uma risadinha e eu o acompanhei.
- Eu lembro disso... Mas você realmente está um homem. Feito. Seus braços estão maiores. Seu rosto, suas pernas, sua boca, suas mãos, seus pés.... - Olhei pra baixo. - Aliás, quanto que você está calçando?
- Bom.... Na última vez que você viu, provavelmente eu estava vestindo uns 38... mas agora eu to calçandoNossa! Que coisa...
- Não foi só eu que cresci. Você também meu amigo.
- Sério? Eu ainda não me vi...
- Podemos resolver isso. - Ele se soltou um pouco do meu abraço mas eu não soltei ele. - Calma! Eu só vou até o banheiro buscar o espelho. Eu juro que eu volto.
Soltei ele e me sentei na cama pois não aguentava o peso do meu próprio corpo. Lucas foi até o banheiro e voltou com o espelho. Colocou-o na minha frente e o que eu olhei ali era um menino pálido sentado em uma cama de hospital. Seu cabelo estava comprido e com uns poucos pelos na face. Era magro e esguio. Ossudo, Em cada parte de seu corpo tinha um osso visível por debaixo de músculos murchos e uma pele branca de cor de giz. Seus olhos, enfiados em um crânio definido por debaixo de uma fina camada de pele, estavam fundos e sem vida. Definitivamente eu tinha crescido também, mas ao meu ponto de vista, ontem eu era um menino feliz, com um bronzeado, gordinho e pequeno. E hoje eu estou branco feito papel, magro demais, meus ossos cresceram e esticaram a minha pele frágil e elástica. Eu não era esse menino. Lembrei de um documentário que eu dia eu tinha visto em um programa de curiosidades que existia milhares de mortes pela fome, seca ou doenças devastadoras e que mostrava imagens dessas pessoas. E eu era uma. Bom pelo menos eu perecia com uma delas. Lembro-me que eu senti muito mal por saber que existia pessoas passando por isso e eu agradecia a deus por não ser uma delas. E olhe agora. Que destino cruel que eu tive. Preso em uma cama, não podia fazer o que eu costumava fazer.
- Você.....
Tentei falar com Lucas mas tudo o que saia da minha boca era ar. O homem no espelho movimentava a boca agourenta mas de la nada saia.
- Eu sei que isso pode ser um choque mas esse é você agora.
- Não. Esse não sou eu. Esse pesadelo que esta na frente do espelho não sou eu. - Em um momento eu estava feliz por ter abraçado Lucas mas agora, depois de ver aquele reflexo no espelho eu não sabia quem eu era.
- Não fale isso meu querido. Eu estou tão feliz de ver você falando, piscando, que se fosse possível eu trocava de lugar com você. Você não merece isso.
- Como você pode dizer isso? Você não sabe como é passar anos deitado.
- Eu sei o que é passar anos ao lado de uma cama.
- Você... Você....
- Não deixei de vir aqui um dia.
Olhei para o rosto dele e vi que ele não estava mentindo. Mas de algum jeito, assim como eu, eu desperdicei a vida dele também.
- Eu.. Eu acabei com sua vida. Eu..
- De algum modo sim. Mas não pense que você é o culpado disso tudo. Eu não queria te abandonar.
- Mas você estava vivo! Você poderia ter vivido a sua vida! O que te manteria aqui dentro? Um corpo que poderia ter ficado aqui dentro por anos e anos sem fim. E você ficou aqui? Por que?
- Você. Sua amizade. Seu carinho comigo. Eu vinha aqui todos os dias. Até os trabalhadores desse hospital me conhecem. - Ele parou por um momento e olhou para o meu rosto. - E quando eu voltava pra casa, - Ele deixou o espelho onde tinha achado e pegou o pacote que tinha trazido e colocou em meu colo, - eu olhava isso.
Abri e vi que era uma fotografia que tínhamos tirado em uma festa que tínhamos feito. A mesma fotografia que ele tinha me dado no meu aniversário 3 anos atrás. Nela ainda trazia dois meninos se abraçando. Dois meninos saudáveis e com a vida toda pela frente.
- Você guardou isso? Durante todos esses anos?
- Não ia jogar fora né meu querido?
- Você pode dormir comigo hoje?
- Durmo sempre com você. Faz tempo que eu não deito em uma cama de verdade. Só fico deitado nessa cadeira aqui.
- Não eu digo deitar, deitar comigo. Aqui na cama.
- Acho que a enfermeira não vai deixar...
- Droga acabei de acordar de um coma. Posso?
- Tá tá ! - Ele deu uma risadinha. Eu me deitei com dificuldade mas Lucas me ajudou. Eu me espremi na beirada e ele se deitou comigo. Ele colocou um de seus braços em baixo de minha cabeça e com o outro me abraçou. E assim eu adormeci facilmente.
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