• 4 – O culpado
Acordei no outro dia com disposição para reconquistar o que Eu havia perdido. Eu não sei como iria fazer aquilo, mas Walmir seria meu. De novo.
Saí da cama e fui direto para o banho. Meu corpo estava dolorido, mesmo sem Eu ter feito nenhum esforço físico. Aprendi que a dor psicológica é pior que a dor física, e que a ressaca moral é pior que a ressaca alcoólica. Desci para a cozinha e fui preparar um café da manhã especial para mim e para o Walmir. Era por volta das 05h30min quando Eu comecei a arrumar tudo. Tive que aprender a acordar cedo quando queria fazer alguma surpresa para ele. Acabei de arrumar a mesa do café por volta das 06h45min e fiquei esperando. O tempo estava chuvoso. “Poderia Walmir caminhar na chuva?”, pensei comigo. Algo estava estranho. Para certificar-me de que ele havia, ou não, saído, decidi procurar por cada cômodo da casa. Passei pela sala, cozinha, quartos. Subi os degraus e fui para os cômodos de cima; passei pelo banheiro, olhei o quarto de Pedro e fui em direção ao quarto de hóspedes onde ele havia se instalado. Walmir não estava lá. Não estava em lugar algum. Algo me dizia para olhar as suas coisas. Procurei na sua cômoda e não havia roupas, procurei por vários lugares que pudessem me dar uma pista de onde ele estava e, voltando para sala, encima do criado-mudo que ali se encontrava, achei um bilhete e encima do bilhete estava a aliança que Eu havia lhe dado.
Abri o bilhete e nele dizia:
“Nosso relacionamento tornou-se algo impossível. Não posso continuar nessa casa com a mentira ao meu lado e a tristeza em minha cara. Não vou atrapalhar sua vida. Acho que você encontrou seu caminho e Eu devo encontrar o meu. Estou indo para qualquer lugar que se pareça com uma rodoviária e vou pegar o primeiro ônibus que passar sem sequer me importar de qual será meu destino. É assim que os loucos encontram seu caminho. Hoje, por volta das 03h50min consegui retirar a aliança que tu me deste, acho que essa era a única coisa que me manteve ligado a você por esse pequeno intervalo de tempo. Não quero que me ache um encosto na sua vida. Se quiser mais alguma explicação, procure o livro “O Deus das Pequenas Coisas” e abra a página 120.
Eu te amei. Walmir”.
Meus olhos encheram de lágrimas e por alguns segundos não consegui raciocinar bem. Estava tomado pela raiva e pela dor.
Decidi subir para o meu quarto ver o que havia de tão importante na página 120 do livro. O livro ainda estava por cima do criado mudo. Lembro-me que no nosso primeiro dia de discussão ele estava na cama vendo o livro. Eis que abri o livro onde ele mandara e havia um pequeno trecho grifado com marcador de texto verde:
“Sabe o que acontece quando a gente magoa as pessoas?” Ammu perguntou. “Quando você magoa as pessoas, elas começam a amar você menos. É isso o que acontece quando se fala sem pensar. As pessoas amam você menos.”
Eu estava destruído. Senti-me o culpado de tudo o que acontecera.
Vesti uma de minhas calças jeans, pus uma camisa branca de manga longa e por cima pus um moletom cinza. Desci para sala e avistei Pedro.
– Gago! – Chamei-o com pressa. – Você sabe pra onde o Walmir foi?
– Não. Eu não o vi. O que aconteceu?
– Longa história. Vem comigo que Eu te conto tudo!
– Desculpa irmão. Não posso sair.
Eu não queria saber o motivo, talvez Eu fosse o próprio motivo.
– Você sabe algum lugar que se pareça uma rodoviária?
– No final da estrada sentido oposto à praia. Parece uma rodoviária, mas não é.
– Valeu Gago.
– Pra onde você vai?
– Recuperar minha felicidade.
Ele não me perguntara nada após isso. E se ele perguntasse não iria haver respostas. Fui com o carro na estrada que era sentido oposto à praia e encontrei um posto abandonado. Realmente, parecia uma rodoviária. Mas Eu não havia avistado Walmir. A chuva dificultada a visão.
De repente tenho uma visão que partiu meu coração. Um garoto, moreno claro, deitado com sua cabeça por sobre uma mala que estava coberta por uma toalha, com olhos fluorescentes encharcados de chuva e de lágrimas. O garoto se debatia com o frio que ali fazia. Se era o Walmir? Sim era ele.
Abri a porta do carro e fui ao seu encontro. Ele estava encharcado e com os lábios roxos e corpo chegando a uma tonalidade cinza. Aquela visão me apertara o coração. E Eu era o culpado daquilo tudo.
...
Eu nunca me senti culpado por tantas coisas.