• 5 – Cuidando da minha vida
“Somos prisioneiros de guerra; Nossos sonhos foram manipulados. Não pertencemos a lugar nenhum. Navegamos sem âncora por mares turbulentos. Pode ser que nunca nos permitam desembarcar em terra. A tristeza de nossas tristezas nunca vai ser o suficiente. Nem a alegria de nossa felicidade, nem o tamanho de nossos sonhos. Nossas vidas nunca terão importância suficiente para serem levadas em conta.” – O Deus das Pequenas Coisas.
O estado de Walmir era deplorável. Até então Eu não acreditara no que vira. Ele estava tremendo como se estivesse tendo algum tipo de ataque. Tomei-o em meus braços e até então ele nada falara. Abri a porta do carro e coloquei-o no banco ao lado do banco do motorista. Voltei para onde Eu o encontrara, peguei sua bolsa de viagem e a coloquei na mala do carro. Entrei no carro e olhei para ele. O garoto continuara com cara de medo e aflição. Dei partida e saí dali.
– Por que fez isso Walmir? – Perguntei em meio à raiva e aflição.
– Eu não sabia no que resultaria. – Ele falou choramingando.
– Você sabe o que aconteceria se Eu não houvesse lhe encontrado?
Walmir ficou calado e então Eu mesmo respondi:
– Talvez você estivesse... Sei lá... Morto.
– José... Por que você não cuida da sua vida?
– Eu não sei se você percebeu, mas é exatamente isso o que estou fazendo. – Nessa hora pude perceber um sorriso em seu rosto. – Se acontecer algo com você Eu vou me sentir culpado. Você é minha vida e se Eu te perder não há razões para continuar. Você é o que me mantem preso ao mundo. E se você não pertencer a esse mundo... Eu também não pertencerei. – Walmir voltara a tremer e aquilo me preocupava. – Me perdoa?
Esperei uma resposta que não veio. Mesmo depois de ter feito o que Eu fiz ele continuara a me evitar. Senti-me o cara mais podre no mundo, Eu ainda não merecia o seu perdão. Mas só por ele estar ao meu lado, Eu me sentira mais aliviado. Depois de algum tempo, meu corpo, minha mente se transformaram em pura raiva. Comecei a bater com minha cabeça e meu pulso no volante. Isso assustara Walmir.
– Eu sou um merda mesmo, né? Desde o começo da nossa relação Eu só faço te magoar.
Mesmo Walmir tremendo, ele conseguira falar:
– José... É que...
– Não! Deixa-me falar! Desde que Eu te conheci que Eu só te magoo. Eu lembro quando você veio me agradecer por algo que Eu te fiz e Eu te dispensei, meio que te ameaçando, rosnando. Lembro-me também um dia antes da sua festa quando Eu estava com a Sofia, ali foi a maior merda da minha vida até então. Depois, deixei meu pai falar mal com você. Então, no dia dos jogos te tratei mal por causa do Arthur. E quando Eu cheguei à casa de praia, te traí. Você não merece o que Eu fiz pra você, mas... Por favor! Eu te imploro. Por favor, deixe-me cuidar de você. Deixe-me cuidar de minha vida.
– Obrigado José. Muito obrigado. Você é um grande amigo.
– Eu não sou seu amigo! – Falei alterado. – Eu sou seu homem. Eu te amo.
Dei-lhe um beijo meio que forçado. Não era o momento certo para se fazer aquilo. Eu sei que às vezes sou grosso. Mas Eu precisava muito daquilo. Walmir não comentara nada.
Chegamos a casa, desci do carro e tomei-o em meus braços novamente. Minha roupa já estava toda encharcada. Quando entrei pela porta, avistei Pedro e Nanny, um sentado longe do outro, eles ainda estavam brigados, e continuariam assim até o final das férias.
– O que foi que aconteceu? – Pedro perguntou preocupado levantando-se do sofá.
– Depois Eu te conto. – Subi para meu quarto e mandei Walmir tomar um banho.
Voltei para o carro, peguei sua mala e subi as escadas em direção ao quarto. Tirei uma bermuda e um casaco de sua mala. Talvez ele estivesse com frio... E estava. Quando saiu do banheiro, seu lábio continuara roxo e seu corpo cinza. Seu lábio e seu corpo tremiam. Mandei-o trocar de roupa e ele agradeceu meu ato. Vestiu-se e continuou tremendo. Pediu para que Eu colocasse algumas cobertas (Edredons) por cima de seu corpo. No total, sete cobertas cobriam o corpo de minha vida. Mas nada adiantara. Ele continuara no mesmo estado. E piorando... Piorando... Piorando. Abracei-me com ele e comecei a chorar. Apertava-o sentindo seu corpo e sentindo-me culpado por tudo.
– José...? – Ele falara abrindo o olho.
– Eu estou do seu lado. – Falei, apertando-o por sobre as cobertas.
– Eu não estou me sentindo bem.
– Mas vai ficar. Confia em mim!
– Não José. Não vou ficar. Mas antes quero que saiba uma coisa... Eu pus no bilhete algo como “Eu te amei”. Talvez você tenha interpretado errado e ignorado, mas aprendemos na aula de português que “amei” é diferente de “amava”.
– Lembro-me dessa aula... Não muito, mas lembro.
– “Amava”, não ama mais...
– “Amei”, ato contínuo; e continuo amando. – Abri um grande sorriso esquecendo-me de tudo oque havia acontecido e lembrando-me da aula: A professora terminando de falar isso e Eu e o Walmir nos beijando na frente de toda a sala.
– Eu te amei e vou continuar te amando. Mas agora... – Antes de terminar a frase ele tossiu. Sua tosse saiu com algumas gotas de sangue seguido de um desmaio.
– Não! Você não vai morrer agora! – Falei agitando-o em meus braços tentando reanima-lo.
Eu estava decidido a salvar uma vida.
...
Eu estava decidido a cuidar do que havia se transformado em minha vida.
...
Tudo aquilo aconteceu tão rápido; pode-se dizer que todos aqueles fatos ocorreram em menos de uma semana. Eu pedira Walmir em casamento e ele aceitara, fomos à casa da praia que meu pai havia me dado de presente, nós brigamos e então Eu o traí. E agora ele estava em meus braços, desmaiado. Vivo; apenas respirando. Se ele iria morrer? Talvez, se Eu não fizesse nada.
Ainda chovia naquele dia. Desci para o carro com Walmir em meus braços e com as setes cobertas que o cobriam a alguns minutos atrás. Levei algumas roupas minhas e do Walmir, caso fosse preciso, e seu Kit de Primeiros Socorros. Estávamos indo para um dos hospitais de Recife, cujo este não poderei citar nome.
A viagem foi demorada e Walmir não acordara; apenas tossia, dando um sinal de vida. Não chovia, para o meu alívio. Estacionei o meu carro e subi no elevador com meu amor em meus braços. Duas mulheres acharam aquela cena estranha, ainda bem que não perguntaram nada. Cheguei à recepção e falei sobre o caso de Walmir. Prontamente ele foi atendido por um doutor, Carlos seu nome, aparentemente novo, talvez 33 anos no máximo. Não tinha cara de médico. Ele pediu-me para dizer o que havia acontecido para o Walmir se encontrar naquele estado. Contei-lhe toda a história. Não do começo, apenas da parte onde o encontrei na chuva.
Dr. Carlos o encaminhou para uma sala, mas Eu não pude o acompanhar. Fiquei aflito
Eu me sentia terrível. As pessoas me privavam de cuidar do que era meu. Eu não suportava aquele tipo de situação. Conversei com uma enfermeira, muito gente fina, que me disse para não me preocupar, que tudo sairia bem. Mas ela não tinha certeza, ela não acompanhara o caso de Walmir. Mas suas palavras me traziam conforto e paz. Paz, tá aí uma palavras que não tive durante minhas férias. Paz.
Na minha cabeça apenas um pensamento vinha: “As coisas podem piorar”. Nunca fui uma pessoa otimista. Eu sou totalmente o oposto de Walmir. Veja, ele é simpático, gentil e otimista. Eu era o oposto. Mas como diz a música de Legião Urbana: “Mas todo o mundo diz que ele completa ela e vice-versa, que nem arroz e feijão”. Era realmente assim. Não eram as coisas em comum que tínhamos que nos unia. Eram as incomuns.
Depois de mais de 02h00min de espera, Dr. Carlos saiu da sala onde havia entrado com os outros médicos e Walmir.
– José Otavio?
– Alguma notícia? – Perguntei com pressa.
– Sim, nem boas nem ruins. Não vou perguntar quais você quer ouvir, preciso dizer logo o que se passa. Walmir apresenta sintomas de pneumonia e essa doença não é de agora. Infelizmente ele terá que passar três dias em revisão no Hospital. Não podemos dar alta a ele, pois se algo acontecer será nossa responsabilidade.
– Pneumonia? Revisão? – As palavras saiam falhas. – A culpa é toda minha. – Falei sentando-me na cadeira.
– Depende pelo o que está se culpando. Se a culpa é sua por ele estar vivo, então está certo em se culpar.
– Mas... É que... E a chuva?
– Ele estava com pneumonia bem antes da chuva, ele apenas não demonstrou nenhum sintoma. Se o senhor não o trouxesse logo, talvez ele não estivesse aqui.
– Obrigado doutor. Essas palavras me conformam. Mas ainda me sinto o culpado.
– Bom. Não vou discutir de quem é a culpa e porquê. Preciso do telefone do responsável pelo Walmir.
– Eu estou responsável por ele. Sou maior de idade e sou o noivo dele.
– Você é maior de idade, mas ele não. Preciso do telefone de um responsável dele.
Pensei em dar o telefone de seu pai, mas se ele ligasse para o Sr. Geraldo, este ficaria uma pilha de nervos comigo. Então decidi uma coisa:
– Vou ligar para a mãe do Walmir. Preciso acalma-la primeiro. Depois o senhor poderá falar com ela.
Dr. Carlos apenas assentiu positivamente com a cabeça e se retirou. Liguei para Dona Suzana e expliquei todo o ocorrido, ela ficou magoada comigo, mas me perdoou. Pode parecer estranho, mas sou um dos poucos homens que amam sua sogra. Em seguida dei o número da residência dos Almeida Paiva para o Dr. Carlos, e este ligou para dona Suzana que resolveu todo o problema.
Todo o problema... Mas havia mais problemas, por exemplo, onde Eu me hospedaria. Procurei por informações na recepção e disseram-me que Eu poderia ficar como acompanhante do Walmir. Um problema ainda maior: “Será que ele me aceitaria? Será que ele aceitaria que Eu dormisse ao seu lado?”. Não iria ficar esperando respostas que nunca viriam se Eu não fosse falar com ele.
Depois do telefonema à dona Suzana, toda a papelada foi resolvida. Perguntei a recepcionista se agora que estava tudo certo Eu poderia ir ao quarto, ela respondeu que sim. Direcionei-me sentindo chutes em minha barriga. Eu estava nervoso, mesmo sendo o dominador em nossa relação. Eu me sentia como uma criança que havia feito algo errado. Bom, Eu não era uma criança... Mas Eu fiz muita coisa errada e queria me perdoar.
Abri a porta sentindo um frio na barriga e avistei o Walmir, deitado, lendo um livro que não prestei atenção qual era.
– Posso entrar? – Perguntei em tom de súplica, mas com um sorriso no rosto.
– Pode sim. – Ele fechou o livro que estava lendo e tentou levantar-se.
– Não! Não faz esforço! Você está em revisão.
– É... – Ele arfou de dor. – Apenas três dias. – Sua expressão era triste.
– Você se sente bem?
– Sim, ainda mais agora que estou com você. – Ele ficou vermelho com o que falara.
– Walmir... – Fiz uma grande pausa procurando ar e coragem para perguntar algo. – Eu já te fiz essa pergunta duas vezes e espero que agora não me desaponte. – Ele olhara como se não soubesse sobre o que Eu queria falar. E não sabia. – Você me perdoa?