Minha vila sempre foi um lugar pacato , poucas pessoas e a grande maioria de pessoas idosas , as vezes você tem a sensação de que o tempo não passa porque parece que os dias se repetem , eu me lembro que desde que eu entrei na escola a D. Maria minha vizinha colocava a sua cadeirinha no portão na hora em que a condução da minha escola vinha passar , quando eu chegava da escola eu a via na janela de sua cozinha e ela sempre repetia a mesma coisa : “Nossa meu filho você ta crescendo rápido e ta tão bonitinho” Geralmente aos finais de semana ela nos convidava pra almoçar e eu sempre ficava brincando com a neta dela a Mariana , que vinha passar os finais de semana com a avó, ela era uma garota bacana , era 3 anos mais velha do que eu , era bonita , loira de olhos azuis , meio patricete , mas não era metida não , ela era legal , éramos confidentes , eu desde pequeno já gostava de meninos , sempre tive amigas garotas e praticamente me sentia uma , mas também sabia que não podia me portar como uma , nesse ponto a Mari foi muito minha amiga porque ela sempre me deu toques sobre comportamento e como nós convivíamos juntos eu me inspirava muito no jeito dela, conforme fomos crescendo ela sempre me dava muitos conselhos e me dizia que eu tinha que agir como homem pra não sofrer preconceitos, ela sempre me falava do tio dela , um outro filho da D. Maria que era gay e ela sempre ouvia o pai dela criticar o tio. Lembro das nossas aventuras juntos , lembro que dançávamos o primeiro CD da Britney e sabíamos todas as coreografias e as letras , começamos a fazer inglês na mesma época.
Eu já tinha 10 anos e ela 13 eu comecei a sentir que estava perdendo a minha amiga , porque uma menina da idade dela já não tinha interesse de ficar brincando com um garotinho de 10 anos , e ela tava cada dia mais linda , começou a vir menos vezes na vila , até que sumiu de vez, fiquei triste pois ela nem me ligava , não vinha mais ver a avó , enfim , e eu me sentia sozinho, não tinha mais com quem conversar , até que os novos moradores da vila chegaram era a filha do falecido Sr. Agenor e ela tinha um filho, pelo pouco que eu soube da história ela não falava com o pai por conta de ter se envolvido com um cara que largou ela quando ficou grávida , o Sr. Agenor colocou a filha pra fora de casa e ela se casou com um outro homem e praticamente um ano depois da morte do Sr. Agenor ela foi morar na casa, como na vila praticamente não tinham crianças nós nos aproximamos e acabamos nos tornando amigos, Christian tinha 14 anos, era lindo, o tipo de garoto que já era meio definido , aquele cabelo preto liso tipo com aquele corte do Leo di caprio no Titanic , moreno claro e o rosto perfeito , eu não soltava pipa nem jogava futebol , mas com ele eu comecei a fazer essas coisas , sempre íamos pra pracinha de uma rua próxima daqui , nos tornamos amigos e ele era meio chegado a fazer umas merdinhas do tipo fumar e beber , ele pegava cigarro escondido e cerveja e pedia pra que eu escoltasse ele enquanto ele fumava e bebia a cerveja , uma vez eu pedi um gole da cerveja pra provar , ele me deu um safanão carinhoso e me disse “ ta maluco muleque , eu faço merda comigo, mas tu é minha responsabilidade e não siga nunca o meu exemplo” por várias vezes ele me defendeu de alguns carinhas que se metiam a besta comigo na praça , eu me sentia seguro e protegido , ele me ensinou a lutar e a me defender , eu não sabia , mas estava me apaixonando por ele , aquela paixão ingênua , ele matava aula , mas ia me buscar na escola de bike as vezes eu adorava aquilo ele era meu ídolo , ele representava tudo aquilo que eu admirava, era forte, corajoso, bonito volta e meia encobria ele de algumas “M” que ele aprontava, éramos verdadeiros cúmplices. Mas a nossa amizade era algo único, pra mim , só existia ele. A família dele era meio complicada , porque o padrasto dele não era um cara muito legal pra ele e pra mãe , era um cara rude , a mãe uma dona de casa , boa pessoa, mas acatava tudo que o marido mandava e ele era muito ruim para o Chris , volta e meia ele se refugiava na minha casa, já dormiu várias vezes lá , e era nesses momentos em que eu me aproximava mais dele, velava o sono dele ele dormia tão pesado e aquele semblante de alguém cansado, apesar de tão bonito ele era bastante sofrido. Eu ficava acariciando o rosto e o cabelo dele , uma vez eu não resisti e me enfiei em baixo do cobertor e abracei ele e acho que foi a melhor noite de sono que eu já tive , ele meio que acordou , sorriu pra mim e me abraçou também , não foi algo maldoso da parte dele , foi apenas uma retribuição carinhosa , nós sempre íamos ao clube nadar e ele brincava comigo, me colocava nas costas na piscina , me tombava , mas tudo de um jeito muito cuidadoso. Achava curioso um garoto tão esperto nunca ter percebido que eu tinha uma afeição diferente por ele.
Tudo aquilo pra mim fazia parte de um momento mágico, era tudo bonito e inocente, mas as coisas começaram a mudar , a primeira vez que comecei a despertar para algum tipo de desejo foi aos 12 anos e nessa época ele tinha completado 16 , eu já havia acobertado algumas pegações dele com umas garotas na praça, mas nunca vi nada , ele sempre me deixava um pouco afastado , eu tentava disfarçar e olhar, já tinha visto casais se beijando em filmes , já vi meus pais se beijarem, mas com ele era diferente, ele era o meu ídolo e de alguma forma inconsciente eu já o desejava , mas me recriminava por isto, mas eu ficava curioso , queria ver ele beijando uma garota , mas toda vez que eu ameaçava espiar ele me dizia “muleque se tu olhar pra cá vou te deixar com o olho roxo” ele sentiu que eu fiquei meio bolado nesse dia e depois me chamou e falou:
- Cara , não fica chateado comigo não. Eu falei aquilo é porque você é uma criança ainda, eu sei que tu fica curioso, é normal , mas essas coisas são pra caras mais velhos e você vai descobrir isso no tempo certo e com a garota certa , você é muito especial , não quero ser uma erva daninha na tua vida , não quero te ensinar as coisas erradas, lembra sempre do que eu te falei. não me tenha como exemplo.
Eu ocultei durante algum tempo aquele sentimento, já estava um pouquinho mais antenado e um dia no clube ele se engraçou com uma garota , nós nos reunimos na piscina em grupo , como a garota estava com mais duas menores fiquei jogando bola com as garotinhas enquanto ele ficou junto com a garota conversando, eu não conseguia tirar o olho dos dois , comecei a sentir ciúmes e ao mesmo tempo desejo , aos 12 eu já tinha descoberto a masturbação , mas apesar de o Chris ser meu amigo eu me sentia envergonhado de falar sobre isto com ele , por mais que ele fosse o homem dos meus sonhos eu não conseguia pensar nele diretamente , uma vez quando estava me masturbando eu cheguei a pensar nele, mas me repreendi, senti como se fosse pecado ou errado desejar ele , mas neste dia do clube aconteceu algo mais complicado ainda , ele e a garota saíram da piscina e foram em direção aos fundos do clube , eu os acompanhei com o olhar , eles estavam demorando e aquilo me angustiava eu decidi segui-los e ao me aproximar ouvi aquele barulho e percebi as respirações ofegantes vindo do banheiro dos fundos , eu senti um misto de medo , com uma ponta de tesão e ao mesmo tempo ódio , eu já sabia o que estava acontecendo ali , as minhas pernas tremiam e o meu coração acelerado , quando me deparei com a cena , a garota debruçada na pia e ele por trás dela , eu fiquei paralisado, apesar de ver o corpo dele , de ver ele nu , eu perdi os sentidos , desmaiei na hora , acordei algum tempo depois , ele tinha me levado para o vestiário , quando acordei ele só me perguntou se eu estava bem e foram as ultimas palavras naquele dia. Ele me levou pra casa e não trocamos uma palavra , passamos umas duas semanas sem contato, eu ia da casa pra escola e vice-versa , mas ele resolveu me procurar , fomos até a pracinha e ele abriu o jogo pra mim, me explicou o que tinha rolado , eu já sabia, mas permiti que ele falasse , é curioso que quando nós estamos apaixonados temos medo de mostrar que não somos tão inocentes ou frágeis pra pessoa que amamos. Mas enfim, voltamos a ser amigos, apesar de aquilo ter mexido comigo eu deletei aquela cena da minha memória e não comentamos mais sobre este assunto.
Voltamos a nossa rotina normal, jogávamos vídeo game , assistíamos TV , curtíamos um som , com ele eu não ouvia Britney , ouvia rock , metal e outras músicas do gênero.
Com 13 anos eu já tinha crescido um pouco e não era mais tão criancinha , me fazia de bobo as vezes ou de ingênuo , acho que isso era uma arma pra que ele ficasse perto de mim e me protegesse ou se sentisse em uma posição de mais forte.
Eu tinha uma maturidade muito além da minha idade e já percebia as minhas atitudes e não me sentia bem agindo assim eu sabia que era errado fingir uma coisa que eu não era e neste ponto os meus pais me ensinaram bons valores.
Mas na minha relação com ele era diferente eu achava que desta forma eu manteria ele perto de mim, tinha medo de que se eu me mostrasse mais esperto ou independente não teria mais aquela proteção e segurança que ele me dava.
Uma nova fase estava começando nas nossas vidas, eu já podia sair até as 10 da noite, sempre íamos ao cinema , eu tinha um pouco mais de recursos e nunca me incomodei de pagar o ingresso dele , assistimos vários filmes juntos, fazíamos uma bagunça legal juntos, ficávamos jogando pipoca pro alto e tentando pegar com a boca , uma vez fomos expulsos da sala, foi muito engraçado.
Mas neste dia rolou um lance estranho, ele foi ao banheiro e eu fiquei esperando na praça de alimentação , notei que ele voltou acompanhado de um cara mais velho, bem vestido e notei que ele deu uma espécie de cartão pro Chris.
Ele coçou a cabeça , parecia meio desconfortável , mas voltou até a mesa , eu perguntei quem era o cara e ele disse que era um agente de moda e que tinha convocado ele para um ensaio fotográfico eu vibrei com a idéia , incentivei ele , achei aquilo muito bom, ele era lindo , perfeito, poderia ser modelo, e também poderia ser um incentivo para que ele retomasse os estudos. mas ele continuou encabulado.
Nos dias seguintes eu passei a cobrar se ele tinha procurado o cara , se tinha ido fazer o book e etc. Ele hesitou durante muito tempo , mas depois de algumas semanas ele me pediu o celular emprestado e ligou para o cara e marcou , pediu que eu guardasse mais este segredo e como cúmplices cumpri com a minha promessa.
Depois daquele dia , ele começou a aparecer com umas coisas novas, tênis, camisas de marca , mas ele disse que não podia falar em casa sobre o trabalho que ele estava fazendo , me pedia pra guardar as coisas dele, praticamente eu reservei uma parte do meu armário pra ele , passei a arrumar o meu armário e o meu quarto para evitar a entrada da minha mãe no meu quarto , fiz tudo de forma bem sutil pra não arrumar problemas e toda semana ele pegava algumas roupas e mandava para uma lavanderia. Eu perguntava pra ele sobre as fotos , se ia sair em alguma revista , ele desconversava, dizia que aquilo iria pra fora do país , enfim , eu comecei a investigar, coloquei o nome dele em um site de pesquisa , nunca achei nenhum tipo de informação ou foto dele, mas enfim , já que ele dizia eu acreditava, apesar de estranhar aquilo.
As coisas pareciam realmente ir bem , ele inverteu o jogo, quando saíamos pra ir ao cinema , ele pagava a entrada e o lanche , quando eu fiz 14 anos ele me levou em um parque super maneiro e depois fomos lanchar juntos.
Com 18 anos ele já não era mais dependente da família, começou a bancar a casa , ele já não tinha mais medo do padrasto e depois de descobrir que o cara tinha outra mulher e filhos ele peitou e colocou o padrasto pra fora.
A evolução financeira dele foi muito boa , eu tentava dar uns toques nele , ainda não me conformava com aquela situação, tinha alguma coisa errada ali , ele comprou um carro e me surpreendeu quando eu estava voltando da escola , me deu uma carona até em casa.
Depois que o padrasto dele foi embora eu passei a freqüentar mais a casa dele do que ele vir na minha.
Eu estava voltando pra casa e vi o cartaz da seqüência de um filme de ação que a gente se amarra e resolvi passar na casa dele pra avisar , a mãe dele me recebeu , ela foi muito simpática e me convidou para entrar , sentamos na mesa e conversamos sobre diversos assuntos , ela me ofereceu um lanche e desabafou que estava um pouco preocupada com o Chris , ela estava feliz por ver que ele estava bem, mas que não entendia muito bem esse trabalho dele, de onde vem tanto dinheiro, roupas , perfumes importados, o carro em tão pouco tempo e essas fotos que ela nunca via em lugar nenhum. Me pediu para que sondasse , já que nós éramos tão amigos. Eu procurei contornar a situação, eu já havia investigado, mas não disse nada a ela , apenas coloquei que essas coisas de moda dão dinheiro, mas a publicidade leva tempo e que em breve ele seria chamado até pra fazer novela (disse brincando).
Ela deu um leve sorriso ,mas pude notar que ela continuava apreensiva com essa história.
Ele chegou , ficou feliz em me ver , mas já estava apressado para se arrumar , disse que iria para um grande evento com estrangeiros.
A mãe disse para ele ter cuidado , que ele não falava inglês , sugeriu que ele me levasse, mas ele contornou, disse que até me levaria , mas eu ainda era menor de idade e que o evento tinha bebida e era só para maiores.
Quando ele ia subir as escadas ouvimos um grito , era a Selma nossa vizinha , corremos todos para a porta , a D. Maria estava passando mal , O Chris correu e pegou o carro, meu pai saiu de casa e ajudou a colocar a D. Maria no carro e foi junto com o Chris para o hospital , a vizinhança passou a noite em claro , mas na manhã seguinte soubemos que a D, Maria havia partido.
No dia do enterro apesar de toda a tristeza , reencontrei a Mari , depois de tantos anos , ela estava mais linda , eu estava com o Chris e ela veio me abraçar , ela chorava muito e depois de se acalmar ela disse , “nossa , você ta bonito” eu apresentei o Chris , eles se entreolharam , senti que apesar do lugar e da situação não permitirem um affair , rolou algo diferente entre os dois, mas não tinha como eu sentir ciúmes naquela hora.
Algumas semanas se passaram , nesse espaço de tempo o Chris fez duas viagens de praticamente uma semana cada uma , voltou com mais dinheiro ainda.
A Mari voltou a vila , foi verificar as coisas que ainda tinham na casa da avó , pois a família iria vender a casa.
Ela foi até a minha casa, lanchamos juntos , batemos um longo papo e ela lembrou da nossa infância , das nossas coreografias , e resolveu me perguntar :
- E você , agora já tem 15 anos , já está na idade de namorar.
Eu sorri sem graça e ela continuou:
- E aquele garoto? Nossa ele é gato hein ! .... vem cá , vocês dois ....?
- Não , claro que não (falei meio sem graça).
- Mas ele é ?
- Lógico que não , ele é meu amigo, sabe , quando uma determinada pessoa , uma loirinha dos olhos azuis me abandonou , eu tive que fazer novos amigos ne?
- Ah que malvado ..... poxa cara , eu não te abandonei , é que as coisa mudaram né? Eu estava entrando numa outra fase , estudando muito , aí não dava , mas eu sempre lembrava de você , é que não dava tempo mesmo. Mas agora eu to de volta , até resolver a venda da casa da vovó eu vou ficar vindo aqui, ainda tenho que arrumar as coisas que vamos ficar , outras que vamos doar , enfim ... você podia bem me ajudar a arrumar as coisas, que tal?
Eu gostei da idéia e assim o tempo foi seguindo , a Mari começou a vir e nós arrumávamos as coisas, víamos os álbuns de família e do casamento da D. Maria , aquelas fotos antigas , o vestido de renda , o álbum dos filhos , ela chorava em alguns momentos , lamentava ter ficado tanto tempo afastada da avó.
O Chris havia feito outra viagem e chegou de surpresa , ele me viu entrando na casa da D. Maria e como a porta estava aberta ele resolveu entrar , eu e a Mari estávamos na cozinha , ele pediu licença e se aproximou , a Mari ficou encantada com ele , deu um sorriso diferente e eu notei que ele retribuiu , eu confesso que fiquei com um certo ciúme daquela situação, mas disfarcei , sorri e abracei ele , afinal estava com saudades, ela ofereceu café e ele se sentou a mesa conosco.
Ficamos conversando e eles foram se entrosando cada vez mais , senti que fiquei sobrando ali , enfim , ele se propôs a nos ajudar a arrumar as coisas e a pintar a casa. No dia de pintar eles brincavam muito, um ficava sujando o outro , e eu não tive coragem de partilhar aquilo , fiz a minha parte , fingi rir , mas por dentro eu estava me corroendo de raiva.
Eu saí por um minuto para tomar um ar, o cheiro de tinta estava muito forte e eu comecei a espirrar, no que eu voltei peguei os dois no maior beijo , eu tive a mesma sensação daquele dia do clube , mas claro, desta vez eu não desmaiei , fiquei atônito , sem saber o que pensar , mas pigarreei e os dois ficaram sem graça , eu tentei brincar , disse que se fosse atrapalhar eu ia embora, mas eles disfarçaram , tentei manter a aparência de que estava tudo bem , mas eu estava com raiva dos dois, me senti traído , a minha melhor amiga , com o homem que eu amava , eu não sabia o que fazer , queria sumir.
Eles começaram a namorar , foi um espaço muito curto de tempo e depois de um ano a casa da D. Maria já havia sido vendida, mas como namorada do Chris a Mari vinha sempre pra casa dele , ela me procurava pra conversar e desabafar ela dizia que o amava , mas ficava chateada com esse trabalho dele, disse que ele ia a festas e nunca levava ela , saiam somente pra cinema , shopping e que achava isto muito estranho, viagens de duas semanas, ligações estranhas que ele nunca atendia perto dela, ela chegou a cogitar que ele estivesse envolvido com coisas de bandido , mas eu logo tirei essa idéia da cabeça dela.
Apesar de adorar a minha amiga , ouvir aquilo pra mim era uma tortura , eu já estava com 16 anos e a Mari sempre ficava me falando que eu tinha que começar a sair mais , que existiam muitos garotos enrustidos que nem eu , que eu precisava beijar na boca , eu sempre pedi pra que ela nunca comentasse com o Chris sobre o que ela sabia de mim, uma vez cheguei a perguntar se ela achava que ele supeitava de mim , ela respondeu algo que foi tenso pra mim:
- Cara , o Chris só não te coloca em um altar e acende vela pra você porque você não é de gesso , porque ele te acha um santo , aliás , eu também acho, porque em tanto tempo eu nunca ouvi você falar sobre nada , poxa , a gente tem mó intimidade , você não fala de sacanagem , vive concentrado em estudar , se você não fosse ... eu juro que você seria um monge porque cruz credo ... mas enfim , ele te adora, te vê como um irmão mais novo , ele vive dizendo que vai te proteger de qualquer pessoa que tente te sacanear. Eu acho legal essa amizade de vocês.
Eu me senti confortado por aquilo , mas ao mesmo tempo me doía saber que a minha amiga e o cara que eu amo estavam ali , que tinham todo um carinho por mim , mas eu no fundo escondia aquele sentimento.
Quando o Chris voltou da ultima viagem fomos os três para assistir uma peça de teatro de uma amiga da Mari, no caminho o Chris parou num boteco pra comprar cigarro e eu fui junto , só que ele deixou o celular dentro do carro , demoramos algum tempo e quando voltamos a Mari estava pálida , ele se assustou , perguntou o que era , ela disfarçou e não disse nada. No teatro eu sentei ao lado dele e ela do outro lado , ele tentava abraçar ela e ela evitava.
Quando saímos do teatro, a Mari foi cumprimentar a amiga no camarim e depois que ela voltou o Cris propôs que nós fossemos jantar, a Mari disse que estava enjoada e fomos direto para o estacionamento.
Ela estava agitada , pediu que eu esperasse eles dois fora do carro, porque ela precisava conversar em particular com ele.
Eles entraram no carro , eu sentei e me encostei em uma pilastra do estacionamento, eles demoraram uns cinco minutos , ouvi quando a Mari saiu do carro e gritou , você é um nojento , nojento , sujo , eu tenho nojo de mim por ter ficado com você , ela gritava, algumas pessoas que estavam chegando no estacionamento ficaram olhando , eu tentei me aproximar dela , e ela me empurrou , disse: você é outro , com certeza sabe das merdas dele e encobre , vão pra merda vocês dois , ela saiu correndo e eu não sabia se ia atrás dela , ou ia até o carro ver o Chris
Notei que ele estava com a cabeça encostada no volante e parecia estar chorando.
Eu me aproximei , sentei no banco do carona e fechei a porta , ele engoliu o choro, senti que ele não queria conversar e respeitei esse momento dele.
Ele me levou até a porta da vila e disse pra eu descer que ele ia sair pra pensar , eu me ofereci pra conversar , ele olhou pra mim , sorriu de leve e disse : não precisa não cara, aliás , não me procura mais , você é muito limpo e puro pra andar com alguém podre e sujo feito eu.
Eu fiquei olhando pra ele e pensei , porque ? porque ele tava dizendo aquilo, ele nunca foi o cara mais certinho do mundo , mas também, nunca fez nada que eu julgasse nojento, beber , fumar , matar aula , ta , isso é vagabundagem , mas ele tinha um coração tão bom , era tão doce , tão correto com as pessoas, o que ele pode fazer de tão errado? Pra Mari sair daquele jeito e pra ele me dizer algo assim?
Eu sai do carro e ele arrancou em uma violência assustadora , eu não dormi a noite toda , rezei , pedi que Deus protegesse ele , durante um mês , não soubemos dele o celular só dava caixa postal , a mãe estava arrasada , só sabia que o filho estava vivo porque ele depositava toda semana um dinheiro na conta dela e mandou uma carta dizendo que estava bem.
Eu me sentia arrasado , rezava dia e noite por ele , sentia falta dele, queria estar perto dele, ajudá-lo , mas eu não podia fazer nada.
Depois deste tempo eu tentei ligar pra Mari , mas ela não atendia , me bloqueou no MSN, ela pensava que eu sabia de alguma coisa, mas eu não sabia de nada.
Eu estava triste , pensava nele o tempo inteiro, até que um dia o meu celular começou a tocar dentro da sala de aula , a professora já vinha tomar o meu telefone quando eu vi que era o número dele , eu saí voando da sala e fui atender , meu coração estava acelerado , ele me disse que estava na frente do colégio , eu disse a professora que era coisa de família e guardei meu material correndo, todos na sala me olhavam espantados , eu corri , desci a escada voando, esbarrei numa garota, mas nem me desculpei , quando eu saí pelo portão e vi o carro dele , eu corri , entrei e a minha primeira reação ao ver ele foi de abraçar , eu chorei como nunca havia chorado antes , ele retribuiu o abraço , ligou o carro e me levou pra ponte da reserva.
Nós saímos do carro , eu evitei fazer perguntas, deixei ele se sentir tranqüilo, só o fato de ter ele ali de novo, do meu lado , já bastava, saber que ele “estava bem” pelo menos vivo e intacto.
Ele se sentou , eu não tinha tirado a mochila das costas, sentei, peguei a mochila e coloquei entre os joelhos.
Ficamos em silencio por alguns minutos.
Ele começou a me contar tudo o que tinha acontecido , o trabalho misterioso , enfim , ele era garoto de programa e a Carol havia pego o sms de um cliente dele com uma foto dos dois juntos.
Eu permiti que ele desabafasse , ele começou a chorar , me contou que o cara do shopping no fundo tinha oferecido uma grana pra pagar um boquete pra ele e que ele tinha inventado essa história de modelo pra disfarçar , porque ele se interessou pela idéia e quando começou a ver que era um nicho rentável ele decidiu seguir, mas que se arrependia muito, que ele preferia ser um cara certo , com um trabalho honesto.
Eu primeiramente me senti culpado porque eu fiquei incentivando ele a procurar o cara, mas ele disse que eu não tinha culpa , que eu pensei no bem dele e que essa foi uma decisão pessoal dele e que nem eu nem ninguém tinha culpa.
Eu enfim pude mostrar pra ele que eu tinha crescido , conversamos durante horas, disse que ele não deveria sentir culpa , ao contrário, que aquilo era um aprendizado, foi uma etapa da vida , mas que ele tinha todo o direito de recomeçar a vida, afinal, com 19 pra 20 anos ele é jovem demais e tem toda uma vida pela frente pra crescer e escolher um caminho.
Nos abraçamos e ficamos um tempão juntos, conversando , eu me senti seguro pra perguntar coisas do tipo, se ele saia com homens , como era aquilo , se era normal , se ele sentia prazer , ele me respondeu que o prazer era meio que automático, uma coisa meio instintiva , mas que não era igual a estar com alguém que você ama, não era especial como era com a Mari e comigo.
Aquilo me impactou , eu levantei do colo dele e olhei bem fixamente pra ele e perguntei , como? Como assim, comigo?
Ele baixou a cabeça e riu , respirou fundo e disse:
- Sabe o que é mais engraçado ? É que durante todo esse tempo, te ver crescer , te ver assim , ainda tão frágil , ingênuo , puro , por fora , mas cheio de desejo e malícia oculta nessa carinha de anjo safado (falou rindo) , mas eu sei , eu no fundo sei , eu sempre senti o que você desejava , senti o seu ciúme , mas eu nunca tive coragem de me entregar a isso , eu sempre te respeitei , mas eu me apaixonei , sei lá, não sei se é paixão , eu te amava como se você fosse o meu irmão mais novo , aquele que eu tinha que proteger e cuidar , mas você foi crescendo , tentando mascarar uma fragilidade que me prendia , que não me deixava me afastar de você , eu aceitei o teu jogo, eu me deixei manipular , mas eu sei que esse amor que você tem é verdadeiro e eu to disposto a enfrentar , acho que de todas as loucuras que eu fiz, essa vai ser a única que eu não vou me arrepender.
Ele me abraçou , me beijou , já estava entardecendo e como ali era um lugar isolado , nos entregamos , enfim , eu vi aquele homem , aquele menino por quem eu me apaixonei , na minha frente , me beijando, me tocando , explorando o meu corpo , e realizando toda aquela fantasia oculta que eu nutria e me punia ao mesmo tempo por sentir, parecia um sonho , um sonho do qual eu não queria acordar , enfim, foi maravilhoso.
Com o tempo as coisas foram se reorganizando, ele voltou pra casa , vendeu o carro e aplicou uma parte do dinheiro em um curso supletivo pra retomar os estudos.
Assumimos o nosso relacionamento logo depois que eu passei pra faculdade e arrumei o meu primeiro emprego.
Foi um choque pra minha família, apesar de sermos discretos, os velhinhos que sobraram da vila nos cumprimentam com simpatia, pois nos conhecem desde a infância, mas atravessam um pouco o olhar as vezes.
Mas enfim , não podemos agradar a todos.