Você já ouviu vozes dentro da própria cabeça?
Já foi atormentado por um pensamento pervertido?
Teve que realizar algo que em princípio não queria ou achava errado só
para poder se livrar dessa ideia?
Sinceramente, espero que nada disso tenha se passado com você, até
agora...
Leia com cuidado. Não tire seus olhos das letras e
sinta o Demônio da depravassão tomar conta de você aos poucos.
Planeje e escolha as vítimas certas, abuse ao extremo delas, use-as completamente, e tente conviver com essa incrível mente
depravada que existe dentro de você. Poucas coisas podem ser mais assustadoras que a
própria consciência.
Não está ouvindo a voz?Antes de contar a minha história, preciso fazer algumas considerações sobre
o que resolvi chamar de Demônio da Depravassão.
Em sua busca para descobrir quais teriam sido as intenções de Deus ao
criá-lo, o homem acabou por se analisar e chegou às seguintes conclusões: como
Deus lhe deu órgãos digestivos, é preciso que o homem se alimente para manter
seu corpo. Essa necessidade impulsiona o homem como o chicote impulsiona o
cavalo e, movido por ela, o homem come. Com a energia proveniente da comida,
o homem transforma o seu meio. Deus também pôs no homem acessórios para
que ele se reproduzisse e continuasse sua existência terrestre. A mente humana
também foi outro presente divino e, com ela, o homem foi capaz de seguir normas
morais e intelectuais.
Tal pensamento teria sido mais exato se o homem tentasse deduzir as intenções
divinas a partir daquilo que o próprio homem faz, e não a partir de suas
suposições sobre o que ele acha que Deus quer que ele faça. Se já é difícil para
nós entendermos Deus em suas obras visíveis como os grilos, as girafas, as montanhas,
as estrelas, as marés... como será possível tentar entender os pensamentos
e as intenções de Deus ao criar as coisas que criou?
Posteriormente, a FRENOLOGIA (teoria obsoleta que estudava o caráter e as funções intelectuais
do homem, tendo como base a configuração do crânio) admitiu a Depravassão como uma característica
congênita, primitiva e paradoxal de boa parcela da raça humana. Como
se, ao nascer, já estivéssemos condenados pela Depravassão. Todos nós, mais
cedo ou mais tarde, acabamos ATORMENTADOS por vozes internas, pensamentos
repetitivos que vêm de nosso interior e que causam impulsos violentos. Esse impulso violento,
essa loucura mental muitas vezes só precisa de uma faísca, uma breve ideia para
virar um impulso, para que esse impulso se converta em desejo e o desejo, em
vontade. A partir daí, a vontade se torna uma angústia incontrolável que, infelizmente,
é satisfeita. Digo infelizmente porque, quase sempre, satisfazer nossos instintos
primitivos não é algo de acordo com o sistema moral e social em que vivemos...
Quase sempre isso nos causa transtornos, REMORSOS e sofrimentos.
Essas crises, tão cruciais para um ser humano, nos arrebatam num instante
e exigem decisões rápidas, energia e ações imediatas. É como nos vermos
numa fuga e, subitamente, nossa estrada acaba em um precipício. A primeira
ideia, a de pular, nos causa medo, nojo, receio, angústia. Contudo, nossos
inimigos se aproximam e começamos a analisar melhor o abismo. Começamos
a traçar uma rota de fuga no ar. Imaginamos que aquela é a única saída,
mesmo que não haja nada para nos deter. Então, empurrados pelo espírito
da Depravassão, nós cometemos a loucura porque no fundo sabíamos que
não deveríamos cometê-la. A Depravassão nos tira do sério e reduz nosso
princípio inteligível a MIGALHAS.
Desculpem minha demora e minha filosofia, mas precisava tentar
explicar por que me encontro encarcerado nesta cela reforçada. É sobre
isso que quero falar. Ouçam minha história e vão entender por que
me encontro agora trancado numa cela fria, com correntes nos punhos e
tornozelos.
Acredito que nenhuma aventura humana, nenhum crime, nenhuma façanha
tenha sido tão bem planejada e executada quanto a minha. Durante
meses dediquei todo o meu tempo a ele e outros meses pensando em uma forma de executar
minha proeza. Fiz desenhos, cálculos, li livros, passei horas imaginando
situações e descobrindo suas falhas. Quando era possível, eu as solucionava;
se não fosse possível reparar as falhas, abandonava o plano e partia para a mentalização
de outro modo de eliminar meu oponente. Até que li num romance
francês sobre a morte acidental de uma personagem chamada Madame Pilau, por
uma vela envenenada. Pensei e repensei sobre aquele crime e após um detalhado
estudo, resolvi adotá-lo.
Foi preciso aprender a envenenar uma vela e armar uma forma de colocá-la no
castiçal de minha vítima, mas essa parte não foi tão díficil já que eu sou muito intimo dele. Para tanto, armei um jantar na qual comemos
bastante. Quando minha vítima foi ao banheiro,
com extremo cuidado e esperteza entrei em seu aposento e substituí a vela. Os demais fatos
decorreriam naturalmente, uma vez que minha vítima adorava ler deitada em sua
cama e que seu quarto era estreito, pequeno e com muito pouca ventilação.
“Por que eu o usei e depois o matei?” — você deve estar se perguntando.
Posso responder que estava de olho em sua herança, já que tudo que era
dele seria meu quando ele morresse. Achei melhor não esperar tanto e, por isso,
abreviei sua morte. No entanto, à medida que eu elaborava meu plano, meu interesse
em sua perfeição, em seus detalhes e em sua execução iam deixando o seu
objetivo final — tornar-me um homem rico — de lado. Posso dizer sem problema
algum que, embora eu tenha utilizado de vários bens materiais provenientes
do meu crime, nenhum deles me deu a satisfação pessoal que o assassinato ainda
me causa.
Lembro-me com intensidade do momento em que entrei no quarto, a porta rangendo
e meu coração pulando dentro do peito enquanto substituía a vela normal
pela envenenada. “Durma bem, querido!”, pronunciei com orgulho e malícia.
Voltei para a sala e logo ele voltava do banheiro. Com muita naturalidade,
retomei nossa conversa sobre cavalos. Que papo mais chato.... conversar sobre cavalos.
Depois, sempre pensando em minha segurança, lembro-me de ter destruído
todas as minhas anotações e livros que remetessem ao crime. Estava quase apreciando
o fogo devorar as evidências quando fui surpreendido por uma voz:
— Você aqui!
Era um amigo... amigo não, mais que isso, tivemos um caso nos tempos de escola e eu sabia que ele ainda gostava de mim e ia usar isso ao meu favor.
Meu estômago gelou. Fingi um sorriso
saudoso. Ele se aproximou. Pensei em matá-lo, mas seria tolice cometer um crime
sem planejá-lo antes. Tive outra ideia:
— Venha até aqui, estou fazendo uma pequena fogueira para combater
esse frio.
O sujeito se aproximou na tarde gelada de inverno, o fogo já devorava com desejo
os rascunhos que poderiam provar minha culpa, aproveitei e começei a seduzi-lo e logo estava-mos agarrados no chão úmido, não demorou muito, nos ajeitamos, pomos as mãos na frente do fogo para nos aquecer e começamos a conversar.
— Que boa ideia — ele disse.
— É. Eu tenho mania de juntar muito papel, muito lixo. Mas hoje, com esse
frio, tomei coragem e pus fogo em tudo!
Ele apenas sorriu. Por sorte era um sujeito tosco, pouco afeito a livros, e
logo mudamos de assunto. Minutos depois meu casinho de escola foi embora e fiquei
mais calmo.
Continua...