Eu estava cego de fúria, minha cabeça não conseguia formar um pensamento coerente. A única coisa que eu pensava naquele momento era fazer picadinho do Miguel. Eu queria jogar um bomba nele.
Saí em disparada pelo corredor, jogando o maldito jornal no chão, ignorando tudo e todos. Esbarrei em um garoto com o suco na mão, mas nem dei atenção. Minha mente só estava voltada para uma coisa: ferrar o Miguel.
Eu o encontrei no meio dos seus amiguinhos babacas, conversando, rindo, com o jornal nas mãos. Achando graça da minha desgraça. Ele iria pagar caro por tudo que estava fazendo comigo.
Sem dizer uma palavra, passei pelo meio dos seus amigos e o encarei, bufando de ódio.
Eu: vai me dizer agora que você não tem nada a ver com isso?
Ele estava com aquele sorriso no rosto me fazendo surtar de tanto ódio.
Ele: com o fato de você não conseguir ninguém que te queira? O que eu teria a ver com isso?
Sem pensar, eu o puxei pela gola da sua jaqueta e saí arrastando ele para dentro de uma sala. Eu o empurrei com força e ao cair, ele me deu uma rasteira; caímos no meio dos objetos de limpeza que estavam no almoxarifado.
Eu: repete o que você disse! Repete o que você disse ou eu juro que arrebento essa sua cara de boneco de porcelana.
Estava com ódio de Miguel e se ele falasse de novo aquelas palavras, eu juro que não responderia por mim. Ele não sabia de nada, aquele idiota.
Vir – gen - são!
Qual é o problema de ninguém te querer? Alias, quem era que iria querer tirar esse seu bv? ninguém! - falou, me olhando nos olhos, rindo na minha cara.
Eu o soquei com todas as minhas forças, bufando de ódio.
Eu vou mostrar pra você quem é boca virgem, seu playboy de uma figa.
Miguel segurava os meus braços: O que você vai fazer, Julho, me diz? Vai me dar um soco? - Perguntou, me olhando desafiadoramente.
Eu tirei meus braços de suas mãos e me encolhi em um canto da sala.
Eu comecei a chorar, descontrolavelmente.
Miguel me olhou, surpreso e falou:
Você esta chorando?
Eu: porque você não vai embora?
Miguel: eu não vou embora! Nunca imaginei ver o garoto mais durão do colégio chorando, e agora que eu vi vou aproveitar ao máximo.
Eu peguei me celular tirei uma foto do meu rosto inchado e todo molhado por conta da lágrimas. Entregue – lhe o celular.
Eu: toma, aproveita! Vai mostrar pelo colégio.
Miguel: não, olha aqui o que eu vou fazer
Antes que eu olhasse qual seria a sua ação, ele me beija com coragem, eu também o beijei com força, minha boca colada na dele, nossos lábios se tocando lentamente, a sua barba rosando em minha pele.
Eu sabia que ia me arrepender por ter feito isso, mas era necessário, meu plano estava se concretizando. Precisava mostrar para Miguel com quem ele tinha se metido.
Eu tentei parar aquele beijo, mas ele ainda estava em cima de mim. Puxei sua cabeça para mais perto e deixei que a minha língua adentrasse na sua boca. Nunca tinha feito aquilo e por isso eu mesma me surpreendi com tamanha ousadia..
Nem em meus melhores sonhos eu poderia imaginar que o gosto dele era tão bom desse jeito.
Miguel me puxava para si, me agarrando, nossas bocas nervosas, explorando cada centímetro uma da outra. Passei as mãos pelo seu pescoço, acariciando seus ombros com calma. Ele já puxava minha camisa, querendo arrancá-la a força.
Eu o detive, tirando suas mãos da minha cintura e colocando-as mais embaixo, puxei sua nuca. Sabia exatamente o que estava fazendo. Ele deu uma risadinha abafada por nossos beijos e eu continuei minha exploração com minhas mãos ávidas. Miguel agora me beijava no pescoço e eu quase perdi a linha de raciocínio.
De repente, eu parei, e o encarei.
Julho? Você não gostou?
Eu sorri e não disse nada.
Miguel: é melhor pararmos por aqui, melhor você esquecer isto. Isso não devia ter acontecido.
Por que, Miguel ? Tá com medo de ficar falado por ter ficado com o estranho a escola? Tá com medo disso arruinar sua fama de hétero cobiçado? - perguntei, minhas mãos ainda paradas em seu peito.
N-não é isso... - gaguejou e eu soltei uma risada.
Eu: bom, então nós finalmente chegamos onde eu queria. Ou você para com essa palhaçada de nunca fui beijado, ou eu espalho para todo mundo dessa escola que você é o foi o primeiro a me beijar. Que tal?
Miguel: eu acho que eu não entendi muito bem – ele falou, me tirando do seu colo.
Me coloquei de pé e ajeitei meu cabelo.
Não se faça de tonto, eu sei que você entendeu tudo direitinho. Mas se você é surdo, eu vou te dar um desconto e repetir: ou você desmente essa mentirada toda que estão de falando de mim, ou eu você vai provar do mesmo remédio - ameacei, ainda mexido com todos esses acontecimentos.
Miguel me olhou, com raiva e confuso também.
Miguel: Julho, não fui eu que espalhei esse boato. Ok, ontem eu fiquei bolado com você, mas eu não inventei nada de você, não é do meu feitio fazer essa coisas.
Ou ele era um mentiroso dos bons, ou estava falando a verdade, pois os olhos dele pareciam sinceros. Mas mesmo assim eu não aliviei.
Eu: Eu não estou interessado em saber se foi ou não você quem começou essa palhaçada toda. Mas eu sei que tem dedo seu nisso tudo, Miguel. E não adianta você negar, pois não acredito em nada do que você fala. Portanto, ou você faz todo mundo esquecer esse boato ou eu juro que conto para todo mundo que você é loucamente apaixonado por mim.
falei, olhando-o com raiva.
Aquela sala era pequena demais para nós dois. Já estava me sentindo outra vez incomodado.
Miguel: E se eu for apaixonado?
Ele me olhou serio enquanto falava isto.
Meus ouvidos não acreditaram naquilo que acabaram de ouvir. Mas você não acham que porque eu ouvi aquilo vai cair nos braços dele como uma princesa, né?
Eu comecei a rir, tão ironicamente, quanto ele.
Miguel: Isso é chantagem, Julho? Ninguém vai acreditar em você.
Eu: vejo que agora estamos falando a mesma língua, Miguel. Eu não teria tanta certeza, se fosse você, seu idiota. Afinal, esse bando de babacas acredita em tudo que um grupo ou outro fala. Já pensou, o belo e babaca do Miguel Guimarães sendo taxado como gay? Ia ser hilário!
Gargalhei e quando vi, Miguel já estava me segurando pelos ombros, me encurralando contra a parede.
Miguel: eu juro que eu vou perder a paciência, Albuquerque. Faz muito tempo que eu não bato em um garoto, desde a quinta serie mais especificamente, hoje eu estou disposto a abrir uma exceção.
Eu não me contive e gargalhei mais uma vez, agora nós estávamos nos entendendo.
Eu: ora, ora, além de gay vai ser taxado como gay homofóbico .
Miguel me soltou e falou: você é irritante, Julho.
você ainda não viu nada, Miguel - falei e nós dois nos encaramos por um bom tempo. Pelo visto ninguém cederia.
De repente, ouvimos alguém esmurrando a porta, mandando que nós a abríssemos imediatamente. Era a diretora:
Eu olhei para o Miguel e falei: e aí, Guimarães? Estamos de acordo? - estendi a mão e ele me encarou com ódio.
Miguel: você vai pagar caro, Julho! - ameaçou, apertando a minha mão.
Eu: tô pagando pra ver.
Lá fora, o diretor estava aos berros mandando que nós abríssemos a porta.
Eu: não aconteceu nada, Miguel. Nós só conversamos, ok?
Miguel: você definitivamente não vale nada, Julho - comentou, já girando a chave da porta.
Eu: e você vale menos ainda.
Depois desse meu tórrido encontro com Miguel, nenhuma palavra foi dita sobre aquele boato. Grande parte por conta do diretor, que suspendeu os editores do jornal da escola, por terem publicado uma ofensa à um aluno da escola, ou seja, eu.
Miguel e eu cumprimos os nossos papéis com perfeição. Todo mundo acreditou, ou pelo menos fingiu que acreditou, quando nós dois dissemos, com a cara mais lavada do mundo, que tínhamos só conversado no almoxarifado e que a porta tinha emperrado.
Em compensação a guerra estava mais viva do que nunca. Miguel e eu não nos falamos mais e eu ainda estava perturbado com o meu surto. Eu tinha beijado Miguel Guimarães. Nós tínhamos dado uns amassos. Que progresso, hein, Julho Albuquerque?
Nunca tinha feito aquilo com nenhum garoto. Na verdade eu nunca fui o tipo de garoto que fica com várias pessoas, sempre fui meio encalhado.
Meu primeiro beijo foi desastroso, não gosto nem de lembrar.
É, não foi muito romântico. A menina estava com mal hálito, ai como eu não sou muito delicado eu falei: eca, você já ouviu falar de escova de dente?
A verdade é que a garota nunca tinha superado aquilo e depois de um tempo, os pais dela resolveram se mudar para. Não sei se tive alguma coisa a ver com isso.
Na hora do intervalo eu estava me sentindo cansado, então preferi não ir ao refeitório. Fui me sentar no pátio da escola, que geralmente fica vazio, por conta da chuva. Ignorei a chuva fraca que caía e me sentei em um banquinho, tentando me acalmar.
Por que eu era tão diferente dos outros garotos? Por que eu não era masculino ou bonito? Sempre fui o terror dessa escola, aterrorizava tudo e todos. Aquilo não era muito legal, eu sabia, mas esse era o meu jeito de lidar com as coisas. Se eu fosse chorar toda vez que algo de ruim acontecesse comigo, ia ser a maior manteiga derretida da escola.
A verdade é que agora eu queria chorar, chorar por conta da humilhação que sofri, da forma com que as pessoas olharam para mim. Ninguém tinha nada a ver com a minha vida, mas quando falam uma mentira a seu respeito dói e você tenta fazer de tudo para que a verdade prevaleça.
Foi isso que eu fiz ao atacar Miguel. Queria que ele parasse de falar aqueles absurdos sobre mim. Mas eu não estava preparada para sentir o que eu sentir ao beijá-lo. Agora eu tinha mais certeza do que nunca: eu o amava.
E por causa disso eu o odiava, por ele despertar em mim a fraqueza que tanto lutava para esconder.
Dei um longo suspiro, levantando minha cabeça, deixando que as gotas de chuva caíssem sobre meu rosto. Aquilo era tão bom. Deixei as gotas escorrerem, enquanto as lágrimas tomavam conta dos meus olhos.