Pode parecer extremamente estranho, mas eu sentia que o conhecia. Algo nele era muito peculiar. Confesso que eu estava totalmente arrebatado por aquele sentimento. Não imaginava quais seriam as barreiras diante de mim. Eu o queria. Desejava-o mais do que tudo.
Eu sei que todos devem estar se perguntando “Mas só de olhar pra ele você ficou desse jeito?”. É isso mesmo. Eu estava viciado. Não sei o que me deu quando eu disse à minha irmã que iria fazer uma ligação. Mentira?! SIM.
Fui à procura do dono do bar, um velho conhecido, e perguntei se ele me permitiria ter acesso aos bastidores do show, pois gostaria de cumprimentar os cantores pelo belo show. Outra mentira?! SIM também. Acho que deveria parar de mentir um pouco, principalmente para mim mesmo.
Com a permissão recebida e um passe pelos bastidores, voltei-me à mesa. Minha irmã ficou um pouco desconfiada, mas logo a fiz esquecer o assunto. O show continuava interessante. Não que eu ligasse para aquele estilo musical, mas eu até estava me acostumando com tudo aquilo.
Ao final do show, dei uma leve desculpa para a minha irmã. Disse que precisaria ajudar um amigo e pedi que ela voltasse sozinha para a casa. Ela não engoliu muito a história, mas fingiu acreditar como ninguém. Eu me dirigi aos bastidores e, em pouco tempo, estava no corredor onde ficam os camarins. Todos estavam saindo e fiquei temeroso de que meu anjo já houvesse saído.
Meu medo se acalmou ao ouvir a mesma voz cantando ao final do corredor. Era uma música que nada parecia com Soul, mas era um tanto quanto intrigante. Sentia-me impelido a ouvi-la e compreendi apenas os seguintes trechos:
“Free me now from my memories
From the shackles that stuck me to the past”
(Liberte-me agora das minhas memórias
Dos grilhões que me prendem ao passado)
Aquilo me soava como um pedido de socorro, embora ele não parecesse estar em perigo. Aproximei-me devagar da porta e percebi que ele estava só. Dentro daquele camarim eu tive uma surpresa e tanta: o garoto era mais gostoso do que eu pensava. Ele estava apenas com um shorts que ressaltavam um belo par de coxas e uma bunda bem redondinha. Sua pele era clara, mas tinha nuances bronzeadas. Seus olhos pareciam duas fontes de mel: claros, profundos e me passavam uma sensação melancólica que me fez arrepiar. Ele ainda usava uma camisa de manga curta e estava se preparando para amarrar o tênis.
Não pensei duas vezes. Entrei. Ele se espantou um pouco, mas tratou-se de se acalmar.
(Dominicky) – Desculpe-me, mas acho que você não deveria estar aqui.
(Marcelo) – Sinto muito se te assustei. Eu havia vindo aqui para cumprimentar os cantores pela bela apresentação, mas enquanto eu caminhava ouvia um rouxinol pedindo socorro.
Não acredito! Eu disse isso mesmo?! Droga. Agora é que eu estou enrolado de vez. O menino se levantou, olhou-me profundamente, suspirou, tomou sua mochila e veio caminhando em minha direção. Eu estava na porta e ele simplesmente me deu um empurrão, tirando-me do caminho. Ele passou por mim como se já estivesse acostumado com este tipo de situação. E vamos combinar que aquilo foi a coisa mais idiota que eu poderia ter feito. Parabéns, Marcelo! Você é um idiota diplomado a partir de agora.
(Dominicky) – Acho que você deveria ir para casa e tomar um banho. Esse rouxinol aqui sabe se cuidar. Aliás, eu tenho um último recado para você.
Não! Ele não fez isso? Enquanto caminhava tranquilamente pelo corredor, o garoto me deu um belo e redondo dedo médio. Aquele gesto obsceno quebrou qualquer clima de inocência que aquele insolente tinha. Pelo visto, meu rouxinol era uma águia com garras bem afiadas. Demorei a me recuperar da surpresa desagradável que tive, mas eu precisava aceitar uma coisa: se eu quisesse aquele garoto, ia ter que ser muito mais prudente e esperto.
Voltei para casa e fui dormir. Passei uma semana em estado de choque. Pegava-me pensando naquele anjinho sobre o palco e em seguida me lembrava do diabinho que havia me empurrado porta a fora. Eu realmente estava pirando. O tempo passava e eu ficava sempre mais aliviado por ver que eu conseguia me apaixonar novamente.
Na tarde de sexta-feira, Andressa chegou animada ao apartamento e me perguntou se poderia receber um amigo novo. Eu disse que sim, só não queria que a bagunça ficasse por lá após a saída dele. Eu realmente detesto bagunça.
Por volta das 19:30, a campainha tocou e eu fui atender. Acreditem ou não, mas eu quase tive um infarto fulminante ao me deparar com o meu rouxinol parado diante de mim. Eu fiquei estático. Seus olhos me analisavam de uma forma que me deixava constrangido. Sentia-me nu diante de seus olhos misteriosos.
(Dominicky) – Oh. É você o irmão da Andressa?
(Marcelo) – S-S-Sim.
(Dominicky) – Pelo jeito não fomos devidamente apresentados naquele dia. Me chamo Dominicky!
(Marcelo) – E-E-Eu me chamo Marcelo.
(Dominicky) – A Andressa está?
(Marcelo) – Sim. Ela estava lhe esperando. Por favor, entre.
Dominicky entrou no apartamento me olhando com um sorriso estranho. Após sentar-se no sofá, ele me encarou, sorriu e começou a conversar.
(Dominicky) – Aquela foi a pior cantada que eu ouvi em todos esses anos. Aliás, não havia lhe dado liberdade alguma para ter feito o que fez. Se aquela cena não fosse deplorável, seria cômica.
(Marcelo) – Me desculpe, por favor. Eu não sou de fazer este tipo de coisa. Eu estava muito confuso e...
(Dominicky) – Andressa não precisa saber de nada. Cale-se e finja que aquela tentativa ridícula nunca existiu. Agradeceria imensamente se o fizesse.
(Marcelo) – Tudo bem!
Agora era oficial: eu estava vivendo em uma dimensão paralela. Confesso que fiquei feliz pela atitude íntegra dele de esquecer tudo o que aconteceu, mas de onde ele tirou tanta maturidade e calma para tratar daquele assunto. Ele não parecia ter mais de 25 anos e preserva uns traços puramente angelicais. E eu me enganava mais uma vez com as pessoas.
