Olá! Me chamo Théo. Nesse primeiro conto (fictício) que pretendo começar e finalizar, me inspirei na famosa música da cantora Rihanna, “We Found Love”. Será uma espécie de releitura da letra, do clipe, tudo junto e em forma de conto. Espero que gostem.
Meus pensamentos estão longe. As luzes dos postes nas calçadas os interrompem iluminando meu rosto. Da janela do ônibus consigo vê-lo, de forma meio embaçada (quase não conseguindo). Dezenove anos. Cabelos desgrenhados castanho-claros, pele branca e reluzente, olhos largos e cansados. Estou usando uma blusa cinza nesse dia (minha mãe diz que eu fico mais bonito de cinza), calça jeans e um all star azul-marinho. A descrição vem assim mesmo, natural, quase automática, coisa de gente que não teve acontecimentos relevantes durante o seu dia. Durante semanas. Durante a vida toda. São onze e meia da noite. Estou no último ônibus desse dia, torcendo para não ser assaltado ou algo assim. Todo dia é essa mesma adrenalina pós-expediente. Entrar num ônibus vazio e cruzar a cidade por uma hora e meia tendo contato com apenas cinco seres humanos (incluindo o cobrador e o motorista). E são sempre os mesmos. A senhora de idade que, acredito eu, seja uma empregada doméstica escravizada pelos patrões. O cara na casa dos quarenta anos com o bigode do Chaplin e a mulher com cara de puta (profissional do sexo, por favor) usando blusas com o número menor que o dela mostrando sua barriga saliente. Nunca falei com eles por medo, ou seria pelo cansaço? Justificativa muito coerente, já que eu trabalho mais naquela livraria do que uma prostituta em começo de carreira. Eu até gosto do lugar, do ambiente, do ar-condicionado, mas odeio o salário que pagam e o fato de eu não conseguir fazer mais nada quando chego em casa. Dizem que só a rotina de casais mata. Ah, queridos, vocês não conhecem a minha. Acordar às seis, ter um pseudo-café-da-manhã, faculdade, depois ser consumido físico-psicologicamente até às dez e meia naquela senzala climatizada, pra enfim, dormir. Estou prestes a cumprir minha última tarefa (e a mais prazerosa) quando dobrar a próxima esquina. Eis que surge o obstáculo. Desperto da minha realidade paralela quando ouço a buzina do motorista gritando pra algo que atrapalha o caminho:
– Passa por cima, filho da puta! – diz uma voz firme e rouca.
O motorista continua buzinando, incrivelmente paciente.
– Pff! Era só o que faltava, um drogado suicida! – diz a puta (profissional do sexo) com barriga saliente.
Nessa hora, ouço batidas na janela dianteira do ônibus.
– Abre essa porta se você for homem, seu viadão! – diz a voz rouca.
Não consigo ver o dono dessa voz, pois estou sentado nas últimas cadeiras do lado direito do ônibus, e na minha frente estão aqueles bancos duplos mais altos que toda criança (qualquer pessoa) gosta de sentar. Nesse caso, a mulher de barriga saliente. Finalmente o motorista se manifesta:
– Se esse infeliz não sair em dez segundos eu passo por cima dele!
Continuo ali, até calmo pra situação. Lembro que o meu ponto é a mais ou menos vinte metros dali, ou seja, muito perto.
– Motorista, abre a porta aqui de trás? Eu saio logo ali!
O motorista me olha com uma cara de “que sorte heim, garoto?”, e em seguida, abre a porta. Antes que eu pense em me levantar pra descer, vejo um vulto que deve ter algum parentesco com velocista correndo até a porta de trás. Ele entra, a passos firmes e barulhentos pisando no chão de metal do ônibus.
– E agora heim, viadão? Vai me expulsar do ônibus?!
Olho para o a criatura transtornada. Aparentava ser maior que eu. Lábios e nariz finos, parecendo que foram milimetricamente criados por algum artista talentoso. A boca vermelha, pulsante, furiosa. Seus cabelos eram cobertos por uma espécie de touca verde cor-de-exército, mas dava para ver uma parte do lado. O cabelo saltava pra fora da touca, sufocado. Eram macios e mesmo assim brilhavam com aquela iluminação precária do ônibus. Usava calça jeans rasgada na bainha, blusa azul por baixo e um moleton, jaqueta, ou algo assim cor de ferrugem por cima. Sua expressão furiosa me despertou curiosidade. Como um cara tão bonito se presta a uma situação desse tipo? A DR entre os dois continua:
– Olha, tem câmeras aqui! ¬– diz o cobrador apontando pra bolinha de vidro na acima do cobrador – Se você não sair agora vou mandar essas imagens para a polícia e acabar com essa tua palhaçada, moleque!
– Manda, manda o que você quiser, eu não tô nem aí pra vocês gays! – diz ele, em seguida caindo em um riso gostoso e irônico. Seus dentes eram brancos e alinhados como os de uma criança antes da fase adolescente.
Resolvo me levantar e fugir daquela situação. O ônibus estava parado e a porta continuava aberta atrás. Só precisava criar coragem, colocar a mochila e sair rapidamente. Até que a profissional do sexo com barriga saliente interrompe meu plano de fuga:
– Motorista, vamo logo com esse ônibus! Deixa esse pentelho aí falando! – ouço pela primeira vez a voz do Chaplin.
– Pentelho?! Quem é pentelho aqui, sua velhote?! – diz o moço desequilibrado se virando pra trás e encontrando o Chaplin.
Seus olhos o fitam, apenas por um instante. Em seguida, eles se movem em minha direção. E se prendem. Me prendem. Sua expressão furiosa diminui um pouco, como se dissesse “olá” mal humoradamente. Posso analisá-lo com mais atenção. Seu rosto tem a pele branca, quase delicada. Seu pescoço é totalmente proporcional à cabeça. Mas, instintivamente, eu dou a minha sentença por definida olhando pro seu membro. É tudo muito rápido. Será que ele percebeu?!
¬ Não posso sair com esse doido aí, ele não pagou passagem e tem câmera aqui! – diz o motorista, ficando impaciente.
– Esses marginais... Só tornam a cidade mais insuportável! – diz a profissional.
– Marginal é a puta que pariu, vagabunda! – diz o rapaz com expressão bipolar. Em seguida, vejo ele tirando algo do bolso e mostrando à ela. Algo afiado, brilhante. Talvez um canivete. De bonito a drogado, de drogado a assassino. O encanto estava se esvaindo.
Como num start de um jogo de luta, eu pego minha mochila e saio em direção à porta de trás rapidamente. Desço as escadas, ignorando o asfalto e pulando direto para a calçada. Ouço ele gritando de dentro do ônibus:
– Ei moleque, onde você pensa que vai?!
Ando um pouco. Olho pra trás. O ônibus continua lá, parado. Que se foda! Dobrando a direita e passando três casas eu chego ao meu recanto de paz, onde não existem marginais deslumbrantes com cabelo macio. Estou quase chegando na esquina. Sinto meu coração pulsando de adrenalina e felicidade. Olho para trás de novo. Vejo alguém saindo pela porta de trás do ônibus. A luz do poste reflete em sua cabeça. Em segundos percebo que se trata de alguém de deve usar shampoos caros, pois seu cabelo reluz, como ouro. E esse ouro segue no mesmo caminho que eu. Nesse momento desejo um precipício.