Capítulo 2
O contato com a natureza, pessoas passeando, outras correndo, malhando, lhe dava uma sensação de tranqüilidade, tranqüilidade essa que permitiu ir caminhando lendo uma revista, com suas bolsas e pasta, esquecendo do mundo em sua volta, até que de repente sente uma pancada muito forte.
Era como se tivesse sido atropelado por uma jamanta, e em segundos ele foi arremessado ao chão sem que desse tempo de processar o que estava acontecendo. Apenas viu seu material de trabalho voar, enquanto sentia a aspereza do chão arranhar sua pele e um peso enorme em cima do seu corpo, até que aos poucos seus olhos retornam a consciência e ao levantar a cabeça percebe que esta ao chão entrelaçado com um homem com o olhar que lhe atravessava os olhos a ponto de fitar até sua alma, mas que na verdade o olhava com uma fúria avassaladoraFernando gostava de correr todos os dias de manhã, mas naquele dia por compromissos anteriores, resolveu correr no fim da tarde. Estava apenas de bermuda preta e regata branca, protegido pelo sol, por um boné, quando numa pequena distração, da se de frente com um cara todo arrumadinho, lendo uma revista totalmente distraído. O susto foi imediato e o choque inevitável....
João olhava fixamente no fundo dos olhos de Fernando, mas logo se deu conta que estava em uma situação constrangedora, caído no chão, com um homem suado em cima dele, homem esse com cara de poucos amigos.
Fernando – Qual é cara, não olha pra onde anda maluco.
João – Desculpa cara, você vem correndo desse jeito não te vi.
João tentava se desculpar, tentando sair do chão, olhando suas coisas espalhadas a sua volta, enquanto Fernando enfurecido ia saindo de cima dele soltando uma enxurrada de desaforos.
Já sentado no chão, João sentia seu pulso doer e o antebraço esfolado.
Fernando – Vai ficar ai no chão até que horas cara, presta atenção pra onde anda, aqui não é biblioteca pra ficar lendo enquanto passeia. Dizia Fernando já preparando pra sair, até que nota os lábios de João.
Já em pé se recompondo e tentando visualizar suas coisas pelo chão, João observa seus dedos e toca seus lábios, que estão sangrando e começa disparar um monte de desaforo em cima de Fernando.
João - Va se fuder cara, olha o que você fez, olhe você pra onde anda, dizia irritado.
Embora não fosse nenhum exemplo de força física e nem conhecedor de técnicas de lutas, João quando saia do sério, não pensava antes de falar, só depois se dava conta que excedia seu limite e que poderia correr o risco de apanhar de alguém mais forte que tu.
Fernando não se importou com a atitude de João, pelo contrário, agora parecia se preocupado ao ver aquele cara ali, com a boca sangrando e o braço ralado. Só então, Fernando olhou para sua regata branca e percebeu algumas marcas de sangue dos lábios do desconhecido. Fernando vai em direção a João que por impulso tenta se afastar.
Fernando – Você esta bem cara, se machucou?
João – Cai fora cara, me deixa na minha.
Fernando – Sua boca esta sangrando, deixa-me ver?
Fernando – Foi mau cara, eu não te vi cruzando o caminho foi sem querer meu.
João ainda tocava seus lábios, de tão carnudos, inchavam se rapidamente. Tentava juntar suas coisas, mas Fernando foi mais rápido, já tinha pego sua bolsa, revistas e livros.
João - Ta bem cara, deixa pra lá, esquece.
Fernando – Não ponha a mão na boca, sua mão esta com terra, pode infeccionar.
João – Ta de boa cara, valeu mesmo e me desculpe também.
Num impulso Fernando tira sua camisa e aproxima-se de João, encostando aquele tecido branco naqueles lábios vermelhos.
João – Não precisa cara, estou bem.
Apesar da situação meio traumática, João não deixou de reparar no peito de Fernando, com uma leve penugem de pelos castanhos, e definido na medida certa, com dois mamilos salientes amarronzados. Fernando puxou João pelo braço sentando o num banco próximo e virou-se pegando as coisas do mesmo.
Fernando – Senta aqui cara, nossa meu, foi mal mesmo.
João – Esquenta não, não ia beijar na boca hoje mesmo. Já dizia João, se refazendo do susto e vendo a situação de forma mais tranqüila.
Fernando riu também, causando uma grande duvida na cabeça de João.
João – putz, nervoso o cara já é lindo, mas sorrindo chega à perfeição.
João – Obrigado cara, mas tenho que ir. Dizia João, já se levantando e pegando suas coisas, apesar da mão ainda doer.
Fernando o observava, sentindo um pouco culpado, mas João parecia nem lembrar mais do ocorrido, já tinha se reposto como uma fortaleza e preparava-se para seguir seu caminho.
Fernando – Prazer, meu nome é Fernando. Estendeu a mão a João.
João – Prazer, meu nome é João, carreta sem freio. Dizia João fazendo graça, descontraindo o clima que a minutos atrás parecia de uma luta num ringue.
João – Bom cara, vou nessa, mais uma vez desculpa.
Fernando – Falo cara, de seta da próxima vez. Dizia rindo.
João – Ei, sua camisa. Estendeu a mão com aquele pano branco enrolado.
Fernando – Sua boca ainda esta sangrando. Deu um sorriso e tomou seu rumo.
João também seguiu seu caminho achando que aquela história acabaria ali.
Já em seu apartamento, tomou um banho, aquele dia não teria aula em seu curso, aproveitou para ficar esparramado no sofá, vendo TV.
Já na hora de se recolher, ainda sentia seu pulso doendo mas sabia que logo passaria, foi tomar água quando viu aquela trouxinha branca em cima da pia, não resistiu e esticou aquele tecido, e por impulso levando até o nariz. Era um cheiro de homem, suor, com um perfume cítrico, um perfume único.
João – Que besteira João, você não nasceu pro amor, no máximo uma trepadinha.
João nunca namorou ninguém, sua timidez impedia qualquer aproximação natural. Nunca freqüentou lugares gays, bares e nem tinha amigos gays, se algum homem olhasse para ele na rua, era bem capaz dele fazer um buraco no chão e se esconder.
Todos seus relacionamentos limitavam-se a um sexo sem compromisso, sempre com caras que conhecia pela internet. No começo ele achava que isso bastava mas aos poucos via que aquilo era só pra suprir sua carência e falta de atenção e com um tempo começou se sentir culpado por ter esse comportamento.
Em um desses encontros, ele conheceu Marcos, um cara que tinha praticamente tudo em comum com ele, e que deu abertura pra que ele se apaixonasse. Pela primeira vez João se entregou de verdade, foi tudo muito rápido, João sentia uma sensação indescritível quando sentia a presença de Marcos, mesmo que pela internet. Mas nem tudo era perfeito, Marcos não era a pessoa que João achava que fosse, as diferenças começaram a aparecer e as brigas foram constantes. Por incrível que pareça, os dois nunca transaram, mas João sentia por ele, algo que até então nunca sentiu por nenhum outro cara. Marcos se mostrou um cara totalmente desequilibrado e complicado, se afastou de João, que não teve alternativa, teve que matar esse sentimento a todo custo pois era um relacionamento destrutivo para os dois, até amizade seria impossível de rolar.
Depois de experimentar o que é amar, mesmo não sendo amado, João certificou de algo que já tinha certeza, não conseguiria mais ir para a cama com outro cara se não fosse por amor.
Algum tempo depois tentou alguns relacionamentos sem sucesso e sem importância e aos poucos foi consumindo-se por uma culpa arrebatadora, sentia-se o mais culpado dos homens, se castigava a todo momento, até que por uma indicação médica, procurou ajuda com um psicólogo. Seus medos e angustias logo foram constatados na terapia. João não aceitava sua orientação sexual, anos de coisas mal resolvidas chegaram a um ponto que o fez explodir, a ponto de procurar ajuda profissional para voltar a viver sem culpas. A falta de dialogo familiar e de amigos para dividir seus problemas, o tornaram uma pessoa desconfiada. Por fora era uma fortaleza, invejado, um exemplo de pessoa equilibrada, de padrão a ser seguido, mas por dentro estava em frangalhos, era capaz de rir, estar em uma festa contando uma piada, mas por dentro a ponto de explodir. Jamais demonstrava suas fraquezas e seus sentimentos, seus problemas eram só seus, tanto que nem mesmo sua família algum dia suspeitou que ele precisava de um alicerce para se apoiar e aliviar sua carga, que tanto lhe pesava nas costas.
Essa fase passou, João superou esses obstáculos mas ainda tem consciência que sua felicidade só vai vir quando se auto aceitar, só será amado quando se amar primeiro.
João largou aquele pedaço de pano e realmente esqueceu o acontecimento daquele dia. Tratou de dormir, pois a rotina o espera no dia seguinte.
Em uma sexta-feira, o pessoal de seu curso estava combinando um barzinho depois da aula.
Cíntia – João, vamos até um bar que tem num posto perto do centro da cidade, já falei com o Gilson, Willian, Taís e a Camila.
João – Opa, to dentro, mas vou com quem?
Cíntia – Vamos em dois carros, meu namorado vai também, daí tu vai comigo?
João – Combinado, perai vou la falar com o Willian.
Todos estavam animados, João temia um pouco, segurar vela pra galera, ninguém ali sabia da sua orientação sexual, mas logo a preocupação foi embora, se a turma se arranjasse por la, ele ficaria sozinho mesmo, isso não era problema pra ele, ele sabia se virar só com sua companhia.
Desde que se mudou para SP, João fez uma grande amiga, era Cíntia, era um pouco mais velha que ele, mas uma pessoa que ele sentia - se muito bem quando estava em sua companhia, era uma amigona de verdade. Nos trabalhos em sala de aula, mandavam muito bem e a cada dia a afinidade entre os dois só aumentava.
No bar, todos estavam muito animados, João apesar de ser uma pessoa solitária, quando estava com amigos e em situações agradáveis, era uma pessoa totalmente estrovertida e brincalhona.
Já por volta da meia noite, Willian resolve ter idéias e tenta convencer todos a ir a uma balada.
Willian – Qual é galera, amanhã ninguém trabalha, vamos esticar a noite e fechar com chave de ouro, essa balada é muito boa.
Taís – Conheço, é boa mesmo, mas vamos deixar pra outro dia.
Gilson botou pilha, pois o pessoal ainda estava em cima do muro, João se saia muito bem em reuniões com amigos, mas balada não era sua praia.
João – Putz a quanto tempo não vou a uma balada, bom pra dançar, melhor ainda, seria dar uns beijinhos. Pensava consigo mesmo.
Cíntia – João, acorda, e ai vamos com a gente?
João – Blz então, já que é pra quebrar tudo, então vamos.
A balada realmente era muito boa, muita gente bonita, animada, musica legal. E mais uma vez, da-lhe bebida. Willian e Gilson já estavam se animando pensando se a noite iria render. Apesar de ser totalmente másculo e discreto, João nunca se envolveu com mulheres para disfarçar sua sexualidade e nem pretenderia fazer isso.
Cíntia estava com o noivo dançando e dividindo a atenção com os amigos.
Cíntia – João vai la no bar pega uma bebida pra gente.
João – Qualquer coisa, menos caipirinha.
Cíntia já altinha, trás qualquer coisa que tenha álcool, até perfume, ria abraçando Léo, seu noivo.
João – Por favor, duas caipirinhas de morango.
Esperando sua bebida, escuta uma voz gostosa e familiar atrás de si:
“ Confesso que achei que não iria te encontrar tão cedo”
João vira-se e confirma o que seus pensamentos já tinham lhe informadoContínua.......