O dia passou com a sua monotonia de sempre, a programação da televisão mais chata do que nunca. Melhorou um pouco quando Miguel me convidou para passear.
Minha cabeça estava quase explodindo por conta do dia ter começado da maneira que começou. Miguel estava cada vez mais empolgado, não via a hora do maldito jantar chegar e a animação de Miguel só fazia a minha dor de cabeça piorar, eu estava tenso com toda aquela história.
Nos estávamos sentados na grama.
Na hora de irmos embora, eu estava querendo ir para casa o mais rápido possível, minha dor de cabeça estava insuportável e eu precisava melhorar, por causa do jantar de logo mais.
Algo errado, Julho? - perguntou e eu suspirei, exausto demais para mentir.
Só uma dor de cabeça terrível, Miguel - falei, fechando os olhos, massageando as têmporas.
Então quer voltar para casa? - sibilou, já ficando de pé e erguendo sua mãe em minha direção.
Entramos em seu carro e rumamos para minha casa.
Julho, você não está fingindo essa história toda de dor de cabeça só pra adiar o jantar, não é mesmo? - Miguel perguntou, quando nós já tínhamos saído da escola.
Eu o encarei com ódio, fazendo com que uma pontada de dor espetasse a minha nuca.
Será que sou tão infantil a ponto de você pensar que eu teria uma atitude como essa, Miguel? É claro que não queria esse maldito jantar hoje a noite, mas daí inventar uma idiotice dessa ia ser demais! - rosnei, levando as mãos à nuca. Precisava de um banho quente o mais rápido possível.
Miguel mordeu o lábio, reconsiderando.
Tudo bem, foi idiotice mesmo pensar que você agiria desse jeito. Me desculpe - sussurrou e eu soltei um longo suspiro; tudo que eu mais queria naquele momento era chegar em casa.
Uhum - resmunguei, meus olhos perdidos nas paisagens que passavam à nossa volta.
Chegamos em casa uns cinco minutos depois e eu saltei do carro dele em disparada, precisava tomar um comprimido, já não suportava mais aquela maldita dor de cabeça. Miguel não me seguiu e eu agradeci mentalmente, quando vi seu carro saindo da minha rua.
Tomei duas aspirinas de uma vez só e me arrastei para o quarto, me embrenhando nas cobertas, apreciando o silêncio que estava instalado na casa.
Acordei umas três horas depois, me sentindo bem melhor. Tomei um banho quente, já me sentindo outra pessoa, pronto para encarar a noite, que seria longa. Desci e fui para a cozinha, já me movimentando no preparo do jantar. Meia hora depois, já estava com a lasanha pronta e as folhas para a salada lavadas e separadas.
Foi nessa hora que o telefone tocou. Era meu pai perguntando se Miguel jantaria conosco.
Sim, pai, já estou providenciando tudo - informei, enquanto arrumava as folhas para a salada.
Tudo bem , Julho, estarei em casa às 7 – meu pai falou e em seguida eu desliguei o telefone.
Meu pai por incrível que pareça aceitou a ideia de eu ser gay, achei que com isso o abismo que há entre a gente se tornaria maior; por mais que ele não quisesse tocar no assunto, tudo estava bem.
Limpei a cozinha e dei uma geral na casa, completamente bem disposto, a dor de cabeça tinha sumido completamente. Às 6 hs eu subi para o quarto, decidindo o que usaria. Levei meia hora para escolher uma calça jeans preta e uma camisa de gola alta azul. Um par de all star combinariam muito bem.
Peguei meu celular e decidi ligar para Miguel.
Oi amor, a dor de cabeça passou? - perguntou assim que atendeu o telefone.
Hum.. passou sim, namorado. Obrigado - falei, sentando na minha cama, atordoado com o som da voz dele. Era incrível como Miguel tinha o poder de afetar, por menor que fossem suas atitudes.
Tudo pronto para o jantar? – Miguel inquiriu e eu dei um longo suspiro, colocando minha mão sob o queixo.
É, acho que está tudo pronto sim - resmunguei, sem vontade.
Miguel percebeu a mudança no meu tom e comentou:
Não se preocupe, Julho. Vai correr tudo bem, eu juro! Acredite em mim. Além disso, Mirela se auto convidou para o jantar. Você não estará sozinho, amor - soltei uma risada ao ouvi-lo falar isso.
Mirela, sempre Mirela. Eu tinha que agradecer muito a Deus por ela ter me escolhido como amigo.
Tudo bem, Miguel, preciso desligar agora, tenho algumas coisas para fazer. Nos vemos mais tarde - sibilei e desliguei o telefone, mais calmo agora.
Pelo menos Alice ficaria do meu lado e não me deixaria dar nenhuma mancada.
Às 7:30hs eu desci e encontrei meu pai sentado no sofá, de banho tomado e de roupa trocada. Meu pai estava bastante elegante, parecia que a ocasião era mesmo formal. Isso só aumentou o desconforto no meu estômago.
Meu pai sorriu assim que eu entrei na sala.
Nesse momento a campainha tocou e eu olhei para o relógio em cima da cômoda da sala. 8 hs em ponto. Tinha que admitir: Miguel era irritantemente pontual.
Me levantei, alisando a calça, tentando enxugar o suor das mãos, e me dirigi à porta.
Levei um susto ao vê-lo, sua aparência era fantástica naquela roupa preta, que realçava ainda mais os olhos de tom tão singular. No rosto, ele trazia um sorriso torto de sempre. Não pude deixar de hiperventilar diante daquela visão. Ele era perfeito demais.
Mirela estava linda como sempre, seu cabelo repicado impecável, seu vestido simples, mas muito elegante. Sorri para ela, agradecida.
Charlie apareceu no momento que Miguel e Mirela entravam na casa.
Respirei fundo e peguei as mãos de Miguel, o conduzindo até onde meu pai estava.
Pai, gostaria que você conhecesse o Miguel - murmurei, tentando não demonstrar o quanto estava nervoso - Miguel, esse é o meu pai, Antonio.
Miguel estendeu à mão para meu pai, que o cumprimentou educadamente.
Chefe Albuquerque - Miguel falou, sua voz era muito formal - Sou Miguel Guimarães, namorado do Julho. Gostaria de dizer que estou muito honrado com o convite para o jantar dessa noite.
Meu pai avaliou Miguel atentamente
É um prazer conhecer você, Guimarães. Seja bem-vindo à minha casa – meu pai sibilou, sua voz era séria, mas seu rosto era sereno.
Miguel sorriu e depois murmurou:
Obrigado, Chefe. Fico muito feliz com isso - se aproximou de Mirela e ela sorriu para meu pai.
Como vai, pequena? – meu pai perguntou, enquanto abraçava Mirela carinhosamente. Meu pai adorava Mirela e sabia que ela era minha melhor amiga.
Tudo bem, seu Antonio - Mirela falou sorrindo ainda.
Meu pai me olhou, curioso, ao ver que eu estava calado demais.
Pronto, Julho, ninguém morreu, está vendo só? Agora pare de massacrar nossos pobres estômagos e veja se o jantar está pronto – meu pai brincou e eu corei, envergonhado.
Tinha acabado? Era só isso mesmo? Ó meu querido Deus, obrigado por ter acabado!
Mirela me empurrou para a cozinha, enquanto Miguel seguia para a sala, ao lado de meu pai, que estava vendo algum jogo de baseball que passava na TV.
Viu Julho? Deu tudo certo! - Mirela sorriu.
Passei as mãos pelos cabelos, sorrindo, ainda nervoso.
Ai, Mirela ainda bem que você veio, eu não sei o que seria de mim sem você aqui - confessei, olhando-a com gratidão.
Mirela sorriu e me abraçou carinhosamente.
De nada, amigo, eu sabia que você ia estar em pânico, por isso que resolvi vim - falou, enquanto eu abria o forno e ia retirar a lasanha quente, sem luvas de proteção.
Mirela me empurrou para trás, enquanto calçava as luvas e retirava a lasanha.
Você ainda não está bem, né, Julho? Por pouco não se queima feio - Mirela sibilou, colocando a lasanha em cima da mesa, que já estava arrumada.
É, Mirela, eu preciso de um tempo para digerir tudo isso - suspirei, olhando para a sala, onde Miguel e meu pai conversavam sobre o jogo, como se fossem velhos amigos.
Que bom que eles se deram bem, Julho. E ainda bem que seu pai aceitou o lance da sua opção sexual na boa - Mirela comentou, colocando a saladeira na mesa.
Bem até demais - murmurei, mexendo na barra da toalha de mesa.
Mas o que eu queria afinal? Não era melhor que meu pai e o Miguel tivessem se dado bem? Ou ainda tinha a esperança de ver uma discussão do meu pai por causa de tudo que tinha descoberto naquele dia?
A verdade é que eu estava achando que tinha sido fácil demais e a vida tinha me ensinado a nunca achar que as coisas eram fáceis demais.
Mirela me tocou no ombro, como se tivesse lido meus pensamentos.
Pelo menos uma vez foi fácil, amigo. Você merecia isso - Mirela e em seguida correu até a sala, anunciando que o jantar estava serviço.
Pelo uma vez na vida. - pensei, sorrindo ao ver meu pai e Miguel conversando amigavelmente, enquanto se dirigiam à cozinha.
[Passagem de tempo]
As féria se passaram voando, e as aulas começaram novamente, e tudo estava uma correria danada. Passar de ano, procurar uma faculdade, estudar, estudar, estudar, estudar, estudar, estudar mais um pouco e fazer vestibular.
Uau, Julho, nem parece que você e o Miguel começaram a namorar há quatro meses atrás - Mirela comentou e eu a encarei, surpreso.
Quatro meses.
O número me despertou para um fato: eu, Julho estava namorando, Miguel, há três meses. Não pude deixar de sorrir.
As pessoas já tinham se acostumado em relação a minha aproximação do Miguel.
Estávamos na saída da escola, eu estava esperando Miguel no estacionamento, com Mirela ao meu lado. Mas Miguel já estava demorando demais, fazia quase quinze minutos que nós tínhamos saído da sala e ele sumira de repente.
Mirela, você viu o Miguel? - perguntei, enquanto ela acenava para, Breno o nerd por quem ela era apaixonada.
Os dois estavam quase engatando um namoro, o garoto finalmente teve coragem de se declarar, há algumas semanas atrás. Mirela estava nas nuvens e tudo que ela conseguia falar era sobre como Breno era legal, em como era gentil. Miguel adorava imitar a irmã suspirando pelos cantos. Confesso que achava graça disso tudo, mas Mirela não.
Julho, o Miguel estava atrás de nós, não estava? - Mirela retrucou, voltando a me dar atenção, agora que Breno já tinha ido embora.
Eu a olhei, confuso. Onde será que Miguel tinha se metido?
Voltei para a escola, já estava querendo ir para casa e Miguel estava demorando. Na certa devia estar batendo papo com aqueles seus amigos idiotas.
É, ele ainda conversava com alguns, mas era quando eu não estava por perto.
Os corredores da escola estavam vazios e eu perambulei, procurando por Miguel. Congelei ao ouvir a conversa que ecoava no corredor que levava aos vestiários femininos. Não podia ser.
Ai, Miguel, deixa de ser puritano. Ontem na festa do Pedro bem que você gostou de me beijar, por que não agora? – Karol dizia aquilo com convicção, sua voz estridente chegava aos meus ouvidos, me irritando imediatamente. Karolina era a líder do grupo de castidade do colégio, que ironia, não?
Karol, cala a sua boca.. – ouvi Miguel falar e tremi nas bases.
Como é que é? Miguel tinha ficado com Karol na noite de ontem?
Eu sabia que ela tinha ido a uma festa na casa daquele idiota do Pedro, mas tinha me dito que era uma festa só de garotos, uma espécie de clube do Bolinha. Desde quando Karol fazia parte desse clube do Bolinha?
Me controlei para não pular em cima dele, precisava ouvir o resto daquela história.
Karol aquilo foi um erro, foi só um beijo, eu estava bêbado e você também - senti meu peito se apertar ao ouvir a voz de Miguel.
Então era verdade, ele tinha mesmo ficado com ela? Aquilo era demais para mim.
Minha cabeça começou a rodar, minhas pernas estavam bambas, minhas mãos trêmulas.
Miguel, não foi só um simples beijo, você sabe que aconteceu muito mais do que apenas um beijo.. - Karol murmurou, melosa, e eu sabia que o mundo tinha desabado sobre minha cabeça.
Algo mais? Miguel transou com ela? Não podia ser, ele não faria isso comigo. Senti meus olhos arderem por causa das lágrimas, minha cabeça dava voltas e mais voltas.
Karol, eu... - Miguel parou de falar assim que eu surgi no corredor, meu rosto era uma máscara impenetrável, precisava ser mais forte do que nunca agora.
Karol sorriu ao me ver, Karol não era rude nem nada, ela era até legal; nunca me tratou mal, então a culpada não era ela, a culpa era somente do Miguel.
Ela se aproximou lentamente de Miguel e sussurrou:
Bom, a gente se fala mais tarde, Miguel - passou ao meu lado e deu um beijo em minha bochecha e falou: tchau, Julhinho - meus olhos estavam cravados em Miguel. Ele ia pagar caro por tudo que estava fazendo comigo.
Assim que nós ficamos a sós, Miguel tentou começar:
Julho, eu.. - o impedi, fazendo um gesto pra que ele parasse.
Nenhuma palavra, Miguel. Já ouvi o que tinha que ouvir - sibilei, tentando não olhar para aqueles seus malditos olhos.
Julho, você precisa me escutar. Não aconteceu nada – Miguel falou, sua voz era suplicante. Isso só serviu para eu ficar mais irado ainda.
Cala boca, Miguel. Por tudo que é mais sagrado, cala a porra dessa sua boca! - rosnei, bufando de ódio.
Julho, preciso que você me escute.. - pediu, mas eu o interrompi, apontando o dedo na sua cara.
Entender o quê? Que do nada você sentiu vontade de dar uns amassos por aí e quer me convencer de que tá tudo bem? Quem você pensa que eu sou, Miguel? - disparei, meu queixo estava tremendo e eu lutava para não deixar as lágrimas caírem.
Não chorava na frente dos outros, nunca. Não ia dar esse gostinho de vê-lo me humilhando desse jeito.
Julho, por favor, me escuta - Miguel implorou, me segurando pelos ombros.
Me afastei com raiva, gritando para ver se eu conseguia afastar a pontada que cutucava meu coração.
Eu não quero escutar nada. Você continua sendo um idiota, exatamente como aqueles seus amiguinhos babacas! Desde quando você acha legal brincar com os sentimentos dos outros, me diz? Isso foi cruel, mas eu sempre soube que ia me arrepender de ter me aproximado de você, sabia que ia terminar em merda! - rosnei, dando um soco no ar.
Estava com ódio, mas era de mim mesmo. Eu o amava e tentei acreditar que ele me amava do mesmo jeito. Mas sabia que no fundo eu só estava enganando a mim mesmo, com toda essa palhaçada de contos românticos.
Julho, não aconteceu nada entre mim e a Karol, me escuta pelo amor de Deus! - Miguel gritou e eu gargalhei, irônico.
Há alguns segundos atrás você confessou que tinha beijado a Karol, Miguel. Ou vai negar na minha cara que você não falou isso? - soltei, minha voz estava transtornada pela fúria.
Miguel me olhou por um bom tempo, tentando achar palavras. Mas ele não tinha o que falar. Eu estava certo o tempo todo: ele era um canalha e eu sempre soube disso.
Desde sempre.
Tá vendo só? Você não tem como mentir, porque você sabe que é verdade! Agora me responde, como eu posso acreditar que você não transou com a Karol, se acabou de confessar a sua culpa?! - perguntei, soluçando, sem lágrimas. Aguenta firme, Julho. Já vai acabar, pensei, respirando fundo.
Miguel mordeu o lábio, seus olhos fitavam o nada.
Silêncio. Era tudo que nós tínhamos agora. O mais absoluto silêncio.
Julho, vamos resolver isso direito. Se você não quer mais ser meu amorado, me deixa pelo menos ter a chance de explicar isso tudo, pelo menos me deixa ser seu amigo - Miguel tentou mais uma vez, e eu me limitei a lhe lançar um olhar mal humorado, a raiva crescendo dentro de mim.
Amigos? Nunca, Miguel! Nós vamos voltar ao ponto de onde partimos. Você volta a ser meu inimigo." disparei, furiosa.
[ música: http://www.youtube.com/watch?v=cRMevGc3934 ]
De repente, me peguei falando coisas que eu não deveria. Mas as palavras escorreram pela minha boca, sem que eu tivesse tempo de colocá-las de volta.
E-eu n-não posso ser seu amigo, Miguel, porque eu não sei como seria ser seu amigo. Só sei ser seu inimigo, ou então...amar você; e essa ultima opção nunca mas a farei - sibilei e Miguel me lançou um olhar longo, seus olhos estavam cheios de lágrimas.
Nessa hora uma lágrima traiçoeira rolou pelo meu rosto, me pegando de surpresa.
Julho - Miguel se aproximou de mim, me segurando - Amor,você tá chorando? - perguntou, sua voz estava carregada e eu percebi que ele estava chorando também. Que grande ator ele era!
Me afastei dele, com nojo, o encarando de cima abaixo. A lágrima já tinha secado no meu rosto e eu ri, de escárnio.
Chorar? Por você, por um acaso? - questionei, o encarando com raiva - Nem em um milhão de anos - falei e me afastei dele. Já sentia o choro querendo tomar conta de mim, por isso precisava sair dali o mais rápido possível - Cruze o meu caminho novamente e eu juro que quebro essa sua cara - ameacei, tentando ir embora, mas Miguel me segurou, me obrigando a encará-lo.
Julho, você acaba de dizer que ainda me ama e quer que eu te deixe ir? - Miguel inquiriu, as lágrimas inundando seus lindos olhos.
Me deixa em paz, Miguel! Não quero ver você nunca mais. Some da minha frente! Vai embora daqui! - falei, com raiva. Ele precisava me deixar ir.
De repente, Miguel se afastou, seus olhos estavam carregados de raiva e decepção. Se virou e se afastou de mim, andando o mais rápido possível.
Em segundos, eu me encontrava completamente sozinho no corredor, agora silencioso. Foi aí que percebi o que tinha falado. Eu era louca ou o quê? Não queria que Miguel fosse embora, muito menos queria que ele me deixasse.
As lágrimas tomaram conta de mim, me fazendo soluçar e tremer como uma criança medrosa.
Narrativa do Miguel:
Saí da escola furioso, minha mente estava nublada pela ira, tudo que eu mais queria era ir pra casa.
Quem Julho pensava que era para me dizer aquilo tudo? Por que ele não acreditava em uma palavra do que eu tinha dito?
Estava com ódio, de mim e de Julho, mais de mim do que dele. A verdade é que eu não estava acreditando que ele tinha terminado o nosso namoro por uma besteira daquelas. Será que Julho não podia confiar em mim? Será que ele ainda pensava que eu estava querendo brincar com ele, mesmo depois de tudo que eu já fiz, tentando provar que era dele que eu gostava?
Eu tinha realmente ficado com Karol, mas foi apenas um beijo e eu estava bêbado e ela se aproveitou disso. Mas eu tinha certeza que tinha sido apenas um beijo e nada mais do que isso. Entretanto, Julho preferiu acreditar em Karol do que em mim.
Encontrei Mirela encostada no meu carro, impaciente. Assim que ela me viu, começou:
Miguel onde você estava? O julho tá como um louco... - não a deixei completar a frase, não queria ouvir mais nada e nem ninguém.
Mirela, faz o favor de calar a boca e entrar no carro? Eu tô com pressa - rosnei, já dentro do carro.
Mirela me olhou assustada e ao mesmo tempo confusa.
Miguel...e o Julho?" perguntou. Encostei a cabeça no volante, tentando controlar minha raiva.
Entra no carro, ou eu juro que te deixo aqui sozinha - falei, por entre os dentes.
Mirela não tinha nada a ver com a minha briga com o Julho, mas ela já estava me irritando com todas aquelas perguntas. Ela entrou no carro e assim que fechou a porta eu saí em alta velocidade, minhas mãos estavam bem firmes no volante, como se quisesse fincá-las ali.
Ela me olhava atônita.
Miguel, o que foi que aconteceu com você? - perguntou, sua voz estava preocupada.
Dei um longo suspiro e não desviei os olhos da estrada ao falar.
Ele terminou comigo - resmunguei, muito mal-humorado.
Mirela ficou boquiaberta e começou:
Terminou? Como assim terminou? O que você aprontou?! - trinquei os dentes assim que ouvi o tom de censura na voz da minha irmã.
Ah, sim, claro agora até você vem querendo me acusar. Sou mesmo um idiota, por tentar fazer tudo certo e quando eu cometo um erro, por menor que seja, já sou apedrejado. Tô cansado disso! - explodi, gritando.
O velocímetro indicava que estávamos à 100km/h.
Mirela ficou nervosa ao me ver alterado e falou:
Calma, Miguel, você está dirigindo, tenta se acalmar.
Dei um longo suspiro, começando a reduzir a velocidade do carro. Mas no segundo seguinte o carro derrapou em alguma coisa e nós rodopiamos pela pista. De repente o mundo passou bem diante dos meus olhos, de forma lenta e vagarosa. Um último pensamento me ocorreu: Julho. Precisava me desculpar com ele, fazer com que ele me escutasse, precisava dizer que o amava e o quanto eu tinha sido idiota com essa história toda.
E depois, o carro deu de encontro com um poste e eu mergulhei na mais profunda escuridão.
Narração do Julho:
Acordei com o toque estridente do telefone, me sentindo mais desorientado do que nunca. Tinha tomado dois comprimidos de analgésicos assim que cheguei em casa, estava mais destruído do que nunca. Miguel não poderia ter feito aquilo comigo, ele não tinha o direito de me magoar daquela forma.
Pulei da cama, pegando o telefone que insistia em tocar.
Alô - minha voz era apenas um fio.
Julho, é o papai. Eu preciso falar uma coisa com você – meu pai falou, sua voz estava nervosa e isso imediatamente me deixou em alerta.
O-o que aconteceu? - perguntei.
Aconteceu um acidente, Julho. Um acidente com Miguel e Mirela – meu pai murmurou e de repente senti todas as minhas forças serem sugadas.
Não, não, por favor Miguel não seria tão idiota de ter feito isso, ele não seria capaz de ter me deixado dessa forma.
Deixei o telefone cair no chão, saindo correndo do quarto, não me importando com mais nada. Precisava vê-lo, precisava saber se ele estava bem, se tinha se machucado. E Mirela? Como será que ela estava? Oh Meu Deus, proteja-os!
Demorei um século para encaixar a chave na ignição da minha scooter, as lágrimas me cegavam e eu rezava para chegar ao hospital inteiro. Assim que cheguei, empurrei as portas da entrada com uma forma um pouco exagerada, reflexo da dor no peito, que estava insuportável, me espetando, me deixando sem ar.
Dei de cara com Dona Morgana, que estava inconsolável. Dona Morgana era a matriarca da família Guimarães. Assim que eu a vi, dei vazão a toda dor que tomava conta de mim, pela primeira vez chorando sem me importar em ser fraco. Morgana me abraçou forte e nós choramos, em silêncio.
Dona Morgana.. como eles estão? - perguntei, enxugando as lágrimas, contendo um soluço.
Morgana fungou e depois murmurou, sua voz era carregada de dor:
Mirela.. ela,ela está na sala de cirurgia - ao pronunciar aquelas palavras, ela chorou ainda mais e eu senti a dor outra vez tomar conta de mim.
Não Mirela, ela não merecia isso. Ela tinha que ficar boa. Deus, não deixe que a minha amiga morra!
Passei as mãos pelos meus cabelos, desesperado e limpei os olhos na manga da camisa.
E.. e o Miguel? - perguntei, temendo a resposta.
Morgana tremeu um pouco, lutando contra a dor ao falar:
Ele e-estava aqui ainda agora. Miguel só sofreu alguns arranhões, Julho, já foi liberado - ao ouvir aquilo, não pude deixar de sentir um alivio, apenas uma parte do peso sendo tirado do meu coração.
Encarei Morgana com determinação e falei:
Vou atrás dele. Miguel deve tá precisando de mim - já me dirigia para fora do hospital. De repente, tudo que eu tinha vivido naquela tarde, tudo parecia muito distante.
O agora era sem dúvida mais importante do que o antes.
