Enzo
Meus olhos se abriram quase que em um estalo. Onde eu estava? Eu já não me lembrava mais, meu corpo estava dolorido. Por dormir tenso talvez ou era somente a tensão de não saber onde eu estava?
Havia outro homem dormindo ao meu lado, a pessoa com quem deixei a boate ontem. Agora, sóbrio e acordado, pude perceber o quanto este homem era bonito. Seus cabelos castanhos e lisos, seu rosto fino, seus lábios vermelhos e sua pele branca o tornavam um homem muito bonito. Não sabia seu nome, ou não queria me lembrar.
Lucca: Bom dia.
Ele abriu seus olhos, duas esferas azuis, de um azul claro e reluzente, encontraram meus olhos. E neste exato momento um calor subiu por meu corpo. Talvez eu estivesse com vergonha? Não, já senti vergonha antes, este era um sentimento diferente. Amor? Duvido muito, mal nos conhecíamos e só havíamos transado uma única vez.
Ele me olhava de forma inocente, até com certa timidez. Eu precisava dizer algo.
Enzo: É...er... Bom dia!
Lucca: Dormiu bem?
Enzo: Sim, dormi.
Queria lembrar seu nome mas não conseguia.
Lucca: Você não lembra meu nome não é?
Droga! Ele percebeu.
Enzo: Desculpe.
Lucca: Me chamo Lucca. Não se preocupe, eu já esperava por isso.
Enzo: Me desculpe.
Como assim ele já esperava? Eu sou tão previsível assim?
Lucca: Vou preparar um café para nós e, depois, iremos até a boate pegar seu carro que ficou lá.
Enzo: Ah, tudo bem.
Como ele podia se manter tão calmo assim? Eu mal havia lembrado seu nome. Acho que ele devia estar acostumado. Ha! Eu já devia esperar. Ele é só mais um que me trouxe até seu apartamento para transar e nem faz questão de que eu lembre seu nome. Eu sabia que seria assim, sempre foi, por que mudaria?
Augustin
Mal consegui dormir, passei a madrugada toda com as frases de meu pai na cabeça. “A minha sombra é o que te alimenta seu ingrato, é o que te deu essa merda de piano”. “Você não será mais obrigado a trabalhar lá, mas não pense que vou te ajudar a seguir seu sonho maluco”. Essas palavras me machucaram mais do que eu imaginei que seria possível. Eu precisava sair e pensar. Pensar na minha vida, no que fazer, nos meus sonhos e, principalmente, em Enzo. Pensar nele e em tudo o que fizemos era o modo mais fácil de me aproximar dele.
Liguei novamente para Zachary, ele cresceu comigo e com Enzo, eramos inseparáveis na escola. Não sei como nos separamos desta maneira, falo com Enzo raramente pela internet ou quando envio mensagens para seu celular, mas Zack havia desaparecido. Ele não atendia e nem retornava minhas ligações, nem mensagens, nem nada. De repente fiquei preocupado com ele. Lembrei de quando tínhamos 14 anos, quando ele tentou se matar cortando o pulso. Por sorte eu e Enzo o encontramos no banheiro da escola logo em seguida. Precisava vê-lo, iria sair para espairecer e aproveitar para visitá-lo.
Parei na frente do espelho para ver como estava o estrago. Meus cabelos na altura do meu ombro estavam bagunçados, estava com olheiras. Não dormir direito havia acabado com minha aparência. Resolvi tomar um banho, me arrumar e sair.
Banho tomado, vesti um jeans, minhas botas, camisa branca e um suéter azul. A casa estava vazia, era assim desde que minha mãe havia morrido. Eu tinha apensa 10 anos quando isso aconteceu, mas desde então, nossa casa nunca mais foi um ambiente alegre. Por fim não foi difícil sair.
Caminhei por alguns minutos até o centro da cidade, ainda guardava momentos com Enzo aqui no centro em minha memória, nosso primeiro beijo. Continuei caminhando agora em direção a casa de Zack. Minhas lembranças haviam me distraído, mas agora, eu estava focado em Zack novamente.
A caminho de sua casa, vi um lindo Volvo preto passando e tive a impressão de ver Enzo no bando do passageiro. Mas como poderia ser ele? Ele tem seu próprio carro, um esportivo prata. Devia ser minha imaginação me pregando peças novamente.
Minutos depois cheguei a casa de Zack e toquei a campainha para ser recebido por uma senhora de olhos vermelhos e inchados. Era óbvio que a mãe de Zack estava chorando. Meu coração acelerou.
Augustin: Olá, tudo bem?
Mãe: Olá Augustin, estou bem.
Pude sentir a secura de suas palavras, ela não tinha o costume de ficar assim, lembro que a mãe de Zack havia sido como uma mãe para mim depois que a minha faleceu, ela estava sempre sorridente e alegre.
Augustin: O Zack está por ai?
Mãe: Não, ele saiu.
Augustin: A senhora sabe pra onde ele foi?
Mãe: Pra mim não faz mais diferença...
Zachary
A vista era linda. O mundo sempre foi lindo. Mas por que não consigo ver beleza nele? Será que eu não deveria viver nele? Será que meu nascimento foi um erro? Estas perguntas passavam por minha cabeça a medida em que passava as mãos por meus ferimentos. Me lembrei da noite passada, até hoje a pior noite da minha vida.
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Zachary: Mãe, escute. Eu não procuro conhecer outras meninas porque...
Mãe: Você é gay?
Zachary: Acho que sim.
Mãe: O que?! Você está louco?!
Zachary: Queria estar, mas não estou. Eu sou assim.
Mãe: Você é um infeliz, isso sim. Você é doente!
Zachary: Doente? É assim que a senhora me vê?
Mãe: É assim que eu vejo agora!
Tentei abraçá-la, mas ela recuou.
Mãe: Não me toque, tenho nojo de você! Sua aberração!
Zachary: Por favor mãe, não faça isso comigo.
Lágrimas escorriam por meu rosto.
Mãe: Não me chame de mãe seu ingrato!
Zachary: Mãe... por favor, a senhora precisa me ouvir.
Mãe: Não me chame mais de mãe!
E o primeiro tapa aconteceu. Minha própria mãe me bateu. Não se contentando com tapas, ela começou a me chutar, dar socos e me machucar de formas que nunca imaginei que ela machucaria. Não imaginava que ela poderia fazer isto comigo. Mesmo sendo pequeno, ela é uma mulher. Seria vinda do ódio toda essa força? Será que ela me odeia tanto assim?
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Senti arder o local onde ela havia me arranhado com as unhas, gemendo e tremendo de dor. Mas a dor que havia em meu peito era maior que qualquer outra.
Minhas roupas estava sujas do meu sangue, minha boca cortada, meus olhos inchados pelos golpes e pelo choro. Lágrimas voltaram a escorrer.
Estranho: Olá, você está bem?
Lucca
Lucca: Bom, aqui estamos.
Enzo: Você não precisava me trazer até aqui.
Lucca: Precisava sim, é muito longe pra você vir andando.
Enzo: Mesmo assim, não precisava.
Lucca: Eu lhe trouxe por mais um motivo.
Enzo: E qual seria esse motivo?
Me perguntava porque este anjo de olhos azuis me tratava com tanta rispidez. Será que a noite passada não significou nada para ele? Será que foi um erro? Não, erro não foi. Estou contente de tê-lo encontrado. A noite passada só me fez acreditar que eu posso conquistá-lo e torná-lo meu, fazendo-o feliz para que eu possa ver novamente aquele sorriso que ele me disparou na balada e que me conquistou logo de cara.
Lucca: Este é o motivo.
Beijei-o, um beijo cheio de desejo, força e paixão. Era óbvio que ele não corresponderia. Ele não sentia o mesmo que eu.
Podia não ser do modo como eu desejava que fosse, mas isso me deixava passar mais tempo com ele e isso era o suficiente para mim.
Lucca: Vou vê-lo novamente?
Enzo: Talvez.
Lucca: Obrigado pela noite anterior, eu me diverti muito.
Enzo: Obrigado por me trazer até meu carro, eu... também gostei.
Gostei? Mas eu disse que me diverti, então ele realmente gostou? Poderia minhas deduções estarem sendo corretas? Talvez não, seria muito perfeito se fosse assim. Mas eu não estava pronto para desistir deste anjo de olhos azuis tão cedo.
Assim que Enzo entrou em seu carro, saiu apenas me dando um sorriso sutil e acenando com a mão. Não sabia o que fazer agora, havia tido uma das melhores noites da minha vida e provavelmente estava me apaixonando por aquele menino doce. Fiquei nervoso, ou seria ansioso? Não sabia ao certo mas precisava me acalmar.
Abri meu porta-luvas e peguei um cantil pequeno e prateado. Aquilo me ajudaria a relaxar. Eu sabia que não devia, mas era mais forte que eu. Minha mente dizia não, mas minha mão o aproximava de meus lábios e o cheiro forte da bebida me capturava. Me recostei ao banco para me acalmar, guardando o cantil.
Não podia ficar parado ali, seria como me entregar aos poucos a tentação. Resolvi ir para o único lugar onde eu me sentia bem sem que houvesse álcool para me tentar.
O lugar tinha uma vista linda, mas desta vez havia algo de diferente, havia um menino lá, parecia um adolescente, daria 14 anos para ele, seus cabelos negros caídos sobre seu rosto, a franja pendia de um lado para o outro enquanto ele escondia o rosto em suas mãos. Pude ouvi-lo soluçar.
Lucca: Olá, você está bem?
Menino: Sim! Estou, não está vendo?
Me aproximei e pude ver que ele estava todo machucado, alguns cortes em seu rosto ainda sangravam.
Lucca: Você não está bem. Me diga quem fez isso com você. Você foi espancado?
Menino: Pode se dizer que sim.
Ele sorriu, mas era um sorriso sarcástico, um sorriso carregado de tristeza.
Lucca: Vamos, eu vou te levar a um hospital.
Menino: Não precisa se preocupar, eu estou bem.
Lucca: Não. Você não tem escolha. Vamos.
Menino: Se eu for você me deixará em paz?
Lucca: Depois de tratarmos de seus machucados, se você quiser eu lhe deixarei em paz.
Menino: Tudo bem, você venceu.
Era evidente que ele não estava em condições de discutir, muito menos de andar, então passeis os braços finos deste menino sobre meu pescoço e o acompanhei até meu carro. Era incrível como ele era pequeno, parecia muito frágil. Partimos em direção ao hospital.
Lucca: A propósito, qual seu nome?
Ele já estava quase dormindo ou desmaiando, eu não podia perceber a diferença naquele momento. Mas juntou forças para me responder.
Menino: Zachary.
Continua...