Eu sentia dor. A chuva fria que começou a cair, se misturava com as minhas lágrimas... Nesse percurso perdi o sapato, obrigando-me a correr semi-descalço com o chão ricocheteando e me machucando mesmo com os meiões que não ajudavam em nada devido serem finos. Estava molhado até os ossos, correndo o tanto que podia como se quisesse esquecer o que tinha ocorrido há alguns minutos...
Cheguei aos portões de meu casarão abrindo, sem acordar ninguém. Subi as escadas, chorando em silêncio gotejando água nos degraus. Entrei em meus aposentos, trancando a porta a chave. Ainda bem que as velas estavam acessas para iluminar... Não estava em condições algumas de fazer alguma coisa. Sentei no banquinho de frente ao espelho, vendo o meu estado: lama cobria o meu gibão, e parte de meu rosto, ombros e colo, também o cabelo. Por mais que tentasse reprimir o choro ele descia.
Tirei o diadema do meu cabelo com raiva arrancando uns fios de cabelo... Soluçava enquanto passava um pano molhado em meu rosto, limpando-o. As risadas de todos, e alguns dizendo coisas que, por mais que finja que não me atingem, me acertavam como um golpe. Levantar sozinho e ver que todos não demonstravam nenhum tipo de pena, e sim um contentamento por me ver naquele estado. Mas a minha dor se concentrava em Enzo.
As palavras dele, dizendo que era seria um favor enorme se tivesse morto. Ver o desprezo nos olhos cinza, como se me dessem uma surra severa em minhas costas... Mesmo o beijando, com toda a minha saudade e amor, ele se revelou frio e calculista. Mas o porquê disso? Ele sabia de todos os meus motivos que nos separou... Ele sabia. E mesmo assim o desprezo dele inflava com tanta força que me dava assaltos de dor extrema.
Levantei-me do banquinho, tentando abrir os fechos de minha roupa olhando de costas para o espelho. Alguns cristais e pérolas se soltaram estragando o padrão de arabescos, e a seda suja de lama agora toda puída e com rasgos... Tirei aquilo ficando com a roupa de baixo. Esta noite senti os meus sentimentos mudarem: da alegria por vê-lo, medo pela ameaça, raiva por ele me desprezar, tristeza por ouvi-lo, e humilhação que sofri.
Ver ele depois desse tempo, foi como voltar aos meus 16 anos... Ele estava tão lindo. O cabelo castanho escuro sedoso, o rosto másculo com a barba por fazer, ressaltando o maxilar de linhas retas e o queixo quadrado com covinha. Alto, com um corpo surpreendentemente musculoso, com as mãos e os braços firmes como rocha. Ele era tão belo, que sentia até um pouco de inveja pelo o seu porte.
Enquanto desatava os laços do corpete fazendo o meu tórax respirar relaxado, pensava em nossa conversa no jardim. Enzo estava rico, muito rico pelo o que pude perceber, mas não era só isso. A frieza como me tratou... Era assustadora. Apesar de não querer admitir eu me senti ameaçado, coisa que não sentia há certo tempo. Ele disse para me tomar cuidado... Com o quê? Seria ele capaz de fazer algum mal a mim?
Tirei a camisa de linho e os meiões ficando só com a calça branca. Fui para a banheira, entrando na água fria, esfregando a minha pele até que ficasse limpa. "Engula esse choro! Não derrame uma lágrima sequer. Não seja um maricas e nem um molenga! Pensarei sobre isto amanhã. Amanhã é um outro dia... Outro dia..." pensei comigo mesmo, acalmando-me aos poucos.
Passei os dedos no meu cabelo, retirando toda a sujeira que ficou nela, e me concentrei a limpar as minhas coxas e braços. Mamãe sempre me ensinou que a limpeza e a beleza era próxima a divindade... Então usarei isso ao meu favor... Charme e uma boa sedução são melhor que a força bruta da espada. É estar no controle e manipular os idiotas, sem que ninguém desconfie. Se aqueles abutres pensam que abaixarei a cabeça como um imbecil, enquanto riem as minhas custas estão enganados. Baterei de frente com qualquer um que ousar me deter... Ninguém tem o direito de me ameaçar. Nem a mim e nem minha família. E que venham com todos com a suas armas, que devolverei com paus e pedras com a mesma força.
Depois do banho, ainda trêmulo de frio, sequei-me vestindo o camisolão. Peguei a escova de cabelo e o espelho de mão encarando o meu rosto. "Amo-te por seres quem tu és Louis!" pensei sorrindo triunfante. Lorenzo pode até tentar negar... Mas ele não iria resistir a mim. Afinal eu sabia exatamente como deixá-lo em minhas mãos. Podia negar fingir que me odeia, gritar comigo, mas no fundo ele morre de amores por mim. Enzo era exatamente o tipo de homem que se deixa levar pelos instintos primitivos de macho... Lógico que eu o amava, mas era uma questão de controle. Eu PRECISAVA tê-lo, e tê-lo em minhas mãos antes que qualquer outra ou outro o façaAcordei ainda de manhã cedo com uma sensação de cansaço extremo. Minhas pernas estavam meio doloridas, e a minha cabeça completamente zonza... Sai da cama e lavei o rosto, tentando tirar qualquer resquício, para não ficar com aquela cara amassada de sono. A porta bateu de leve.
— Monsieur Louis... Posso entrar? – perguntou Lorena.
Ela era antiga babá de Cecí, e que agora me ajudava a criar Isabella. Ela sabia de TODA a história que tive... Com Enzo. Na verdade ela é a única da qual eu pude contar. Ela tinha aquele espírito maternal, e apesar dos pesares nunca julgou-me com ofensas nem nada.
— Pode! – falei suspirando fundo.
— Pensei que gostaria de comer algo. – ela apontou para a bandeja, com pão, frutas e leite fresco.
— Mêrci. – falei pegando uma maçã.
— Vai contar-me ou não? – ela olhou para mim, analisando-me.
— Contar sobre o quê? – indaguei.
— Ontem à noite... No baile.
— Vejo que os linguarudos já espalharam a fofoca. Como se aqueles abutres tivessem coisa melhor para fazer... – disse.
— Monsieur Louis... O que aconteceu? Por que saíste de lá... Sujo de lama?! – ela disse pegando a roupa do chão, que estava em uma situação deplorável.
— Enzo, Lorena... Enzo voltou. – disse largando a maçã, pegando agora a escova de cabelo.
— Não creio!!! – ela disse chocada.
— Sim. Rico, lindo, galante, cavalheiro... E ameaçador. – falei arqueando as sobrancelhas para o espelho.
—Por quê? – ela indagou. – Ele lhe ameaçou?
— Não em todas as palavras. Me ofendeu é claro, mas... Eu me senti... Em estado de alerta. – disse olhando para ela.
— Eu não entendo o por que... – ela disse.
— E muito menos eu. Mas o meu sentido não me engana. Alguma vai acontecer... E pelo jeito não será bom. – falei levantando da cama. – Onde está minha filha?
— Dormindo é claro... – ela sorriu.
— Ajudai-me a vestir. Preciso estar o mais digno o possível. – disse caminhando ao baú, pegando um gibão de veludo verde escuro, atirando-o na poltrona. Ela ajudou a vestir o meu colete-corpete, enquanto segurava a pilastra de madeira na cama. Aquilo era uma tortura absurda... A cada laço apertado, cada vez mais ia espremendo a minha cintura e costelas... Um sacrifício em nome da beleza.
— Aguenta firme aí, e encolha a barriga!!! – ela disse puxando as fitas.
— Ai!!! TOME CUIDADO! PRECISO RESPIRAR! – disse irritado.
— Como ele está? – ela perguntou dando o ultimo laço.
— Ele está... Bem bonito... Completa-mente ad-mirável. – disse com a voz falha, com o meu pulmão tentando se acostumar com o pouco ar que entrava.
— A menina Cecília sempre falou que...
— CALADA!!! Esse assunto NÃO deve ser pronunciado aqui! – falei batendo o pé.
— Desculpe-me... – ela abaixou os olhos.
— Ponha logo a minha roupa, pois quero ver minha petit princese. – disse.
— O que o meu bem vai usar? – ela disse carinhosa.
— O verde oras... – apontei para a poltrona.
— Não o verde não! Não pode usar cores... Está de luto! – ela correu abraçando a roupa.
—Deixe de ser tola... ME DÊ ISSO! – peguei a força dos braços dela.
— Vou contar tudinho para Vittorio!!! Vai ver só!!! – ela fez o sinal de negação com a cabeça.
— Conte para Vittorio... E eu não comerei nada o dia inteiro... – chantageei.
Ela parou por um momento e por fim disse derrotada.
— Bem... – pegou a roupa e me vestiu.
Peguei o meu perfume aspergindo algumas gotas no pulso e cangote. Ela veio até mim e segurou os meus ombros.
— Oooo Monsieur Louis... Seja um menino bonzinho e coma um pouquinho hoje só... – ela me adulou.
—NÃO ME AMOLA!!! Vá bajular outra pessoa que conseguirá mais. – apertei as bochechas fazendo o sangue corar as maçãs do rosto.
Ela revirou os olhos.
— Eu desisto... Desisto!!! – ela deu os ombros. – Você é impossível!
— Também lhe adoro! – sorri.
Ela riu dando um beijinho na minha bochecha. Sai do quarto indo para o outro lado do corredor, entrando no quarto de minha Isabella... E para a minha surpresa ela já estava acordada me esperando em pé no berço. Peguei ela colocando-a no colo, observando como o tempo passa rápido... O cabelo loiro dourado que nem o meu, descia em ondulante até o inicio dos ombros. A pele rosada e os olhos verdes que nem os meus, complementavam o resto.
— Bonjour ma princese... – disse beijando a bochechinha dela fazendo-a rir. O riso dela era uma coisa borbulhante... Sincero e feliz. Ela ainda estava na fase do balbuciar palavras indefinidas. Sentei-me na cadeira de balanço com ela, enquanto fazia cosquinha e cheirava o cabelo. Um pequeno pedacinho meu e de Cecí.
— Monsieur Louis... Há um cavalheiro esperando-lhe na sala de estar. – disse Lorena.
— Quem é? – perguntei.
— Não quis falar quem era. – ela falou.
Segurei Isabella nos braços, e fui descendo com ela até a sala de estar... De costas olhando para a janela.
— O que queres? – disse de cabeça erguida.
— Te devolver algo... – disse Enzo. Ele estava vestido de cinza, com um gibão que só a parte de cima sem o saiote, valorizando as pernas torneadas... E discretamente também o...
— O quê? – disse.
— Seus sapatos. Como eu sei que detesta perder os sapatos, creio que fiz bem em devolvê-los. – ele estendeu um par que estava meio sujo de lama, com o cetim prata um pouco rasgado e com algumas pérolas e cristais descosturados.
— Obrigado. Creio que é só isso, o assunto que tens a tratar comigo... – disse apontando para a criada pegar o sapato, e colocando Isabella sentada na poltrona.
— Se tivesse uma mente maliciosa, pensaria que está me enxotando de sua casa... – ele falou sorrindo, expondo os dentes brancos certinhos. Desgraçado... Como pode ser tão bonito?!
— Não temos absolutamente NADA a tratar. – disse me virando. Ele agarrou o meu braço com a mão firme.
— É assim que trata aquele cujo o recebeu ontem no baile? – ele riu.
— Deixe de rodeios e fale logo o que quer! Essa conversa já está me deixando exausto! – falei me soltando da mão dele.
Naquele momento Isabella soltou uma risadinha, batendo as palminhas. Nós dois olhamos para ela e ela abriu os lábios cor de rosa expondo os dentinhos. Enzo pareceu atordoado.
— Ela é bem parecida com tu... – ele disse.
— Sim, é sim! Agora por favor queira se retirar... – disse.
— Na verdade, vim para pedir o seu perdão. Não fui um cavalheiro honrado com Signore... – ele se reverenciou, beijando a minha mão.
Arqueei a sobrancelha e disse:
—Desde quando és um cavalheiro?
—Desde que aprendi a ter modos... – ele disse.
—Humm... – falei me virando de costas para ele. “Está na hora de usar suas armas... Vamos lá!!!”, virei-me de frente para ele, e segurei as duas mãos com cautela. Olhei firmemente para os olhos cinza dele, sorrindo com malicia – É claro que aceito as suas desculpas... Bem, eu não esperava um ato tão refinado de sua parte...
“MANTENHA O OLHAR!!!”
— Si-sim, fic-fico feliz por isso! – ele disse gaguejando.
— Então... Queres dar um passeio comigo? – disse soltando as mãos dele. – Depois de tanto tempo longe de Florença, creio que esteja com saudades de um passeio...
Ele pensou um pouco.
— Vai mesmo se expor depois do ridículo que passou na frente de todos? – ele falou.
— Quem foge dos outros é covarde. – disse.
— Minha filha pode ir também? – perguntei.
Ele encarou Isabella, que manteve o rostinho de coração erguido. “É assim que se faz ma princese!!!” pensei sorrindo para ela.
— Sim, por que não? – ele se virou para mim.
Por um momento... Eu queria que ele estivesse me abraçando. Com os braços dele em volta de mim... Beijando-me... Me acariciando... Queria que ele me beijasse com aquela brutalidade de quando era mais novo... Naquele tempo em que tinha a felicidade nas mãos... E ela se foi. Meu coração se apertava em um nó, enquanto eu via aquele que era para mim, o homem da minha vida... Tão perto de mim... E tão longe ao mesmo tempo. Como ele não via, que ele era meu, e eu era dele? Suspirei fundo e disse.
— Vamos então... Pedirei a Lorena que prepare uma cesta com comida. – disse... –Poderia por gentileza, vigiar Isabella? É uma menina muito imperativa...
Ele me encarou.
— Igual ao pai? – ele disse.
Sorri pensativo.
— Sim... Igual ao pai.
Sai de lá e fui à cozinha pedindo que colocassem bolos, pães, uma garrafa de suco de uva e algumas frutas, como morangos, maçãs e pêssegos. Eu estava nervoso, com o coração acelerado e as bochechas ardendo em cor... “Controle-se... Não faça ele pensar que estais desesperado!!!”. Peguei a cesta, e fui para a sala de estar, vendo ele segurando Isabella no colo. Ela segurava com as mãos gordinhas no rosto de Lorenzo. Ele estava incrédulo.
— Mi perdoni... Ela quase que caiu da cadeira e tive que segura-la no colo. – ele falou sem jeito algum... Enzo era todo grandalhão e pra ele, ter que segurar com delicadeza Isabella deveria ser complicado.
— Pode deixar... Eu carrego ela. – disse colocando a cesta na mesa e pegando ela do colo dele. Ela pegou a fita de cetim de minha gola e a de Lorenzo, segurando com as duas mãos, nos unindo. Isabella soltou uma risadinha.
— Vamos... Está ficando tarde. – ele disse.
— Claro... – disse devagar.
E assim saímos da nossa casa, os três para um passeio...
CONTINUA.
Bem, acho que vocês ainda se lembram de mim, certo? rsrsrs Olá pessoal, como vão vocês? Esse capítulo foi escrito por mim, por que o PREGUIÇOSO do Bernardo não fez nenhum. Espero que tenha ficado a altura dele, e que tenham gostado... Obrigado por lerem, e comentarem. Desejo a todos um bom final de semana. Então é isso. Um abraço especial a cada um de vocês.
O msn dele, caso quiserem contata-lo: bernardodelavoglio123@hotmail.com
Até a próxima!