Eu sai do prédio do colégio, para motar em minha scooter e finalmente ir para casa me sentindo bem melhor, mas, ao mesmo tempo eu estava bolado, sabe, é injusto um menino agredir uma garota. Tudo estava errado. Nada daquilo era para ter acontecido.
Parei ao lado da minha scooter e fui procurar a chave na minha mochila, quando alguém me puxou pelo braço, me levando para os fundos da propriedade, que dava para um bosque.
Meu rosto foi tomado pela surpresa ao ver quem tinha me sequestrado. Ele me encarava friamente, seus olhos cor de mel estavam glaciais.
Eu o encarei, tentando não demonstrar o quanto o olhar dele me afetava.
O que é que você quer? - perguntei; ele não precisava saber que mexia tanto comigo.
Miguel me encarou por vários segundos. Eu odiava aquele silêncio constrangedor, era demais para mim.
Miguel: Eu ainda estou tentando entender o que aconteceu com você para agir daquela forma.
Eu: E desde quando eu tenho que te dar satisfações sobre o que eu faço ou deixo de fazer, Miguel? Eu perdi alguma coisa? Desde quando você virou meu dono?"
Isso era muito melhor do que ficar com aquele maldito peso na consciência, com a ira eu sabia lidar.
Eu tentei voltar para minha casa, mas ele me segurou com força, me obrigando a encará-lo.
Miguel: Por que você fez aquilo, Julho? Um garoto contra uma garota, é injustiça. Por que você se rebaixou daquela forma por conta de uma vingança besta?
3, 2, 1, pronto explodi.
Eu: Vingança besta, Miguel? Eu fui humilhado por aquela vadiasinha fútil na frente da escola inteira, a troco de quê? Me diz o que foi que eu fiz para ela querer me ferir daquela forma? - perguntei e, quando ele tentou falar, o interrompi - Você não sabe o que é ser humilhado na frente de todo mundo, ok? Você sempre foi esse garotinho mimado que é o orgulho da família e é amado por todos. Pelo contrario, você que costuma humilhar os outro, né? Você não é ninguém para falar do meu comportamento, já que você se rebaixa todos os dias, ao conviver com gente que não vale nem um grãozinho de areia, tudo por conta de status, de popularidade! Você acha que eu estou legal por ter batido nela? Eu não queria que tivesse chagado a este ponto.
Ele estava paralisado diante de mim. Ele estava surpreso com tudo aquilo que eu disse.
Por fim ele soltou um longo suspiro, riu e falou:
Eu não sei por que eu ainda perco meu tempo tentando entender você, Julho. Realmente você é um caso perdido e eu fui um idiota, porque pensei que você fosse diferente. Pensei que por baixo desse garoto frio, tinha alguma coisa que valesse a pena mas vejo que me enganei direitinho.
Peraí, qual foi a parte da conversa que eu não entendi?
Corri atrás dele, disposto a obrigá-lo a me dar explicações sobre o que ele estava querendo dizer. Eu o puxei com força, obrigando-o a me encarar. Miguel me olhava com tristeza e eu fiquei com mais raiva ainda.
Eu: não consigo entender qual é a sua, Miguel. De uma hora para outra você vem com um papinho furado de que quer ser meu amigo. Depois, aquele maldito boato apareceu e você se divertiu com aquilo tudo, riu da minha desgraça, não adianta negar. E quando eu me vingo da idiota que fez isso comigo, você sai em defesa dela, como se ela fosse a vitima de tudo. Francamente, quem é o caso perdido nessa história toda?
Miguel ficou vermelho de fúria e gritou:
É você tem razão. Afinal, você foi a vitima de tudo, você sempre é a vitima de tudo, Julho. Foi sempre assim, desde que você era criança. Tudo bem que a sua mãe fugiu com um outro cara, nem ela te quis, te largando nas mãos do seu pai, mas e daí? Para de se fazer de vitima, garoto! Para de tentar resolver tudo na base da porrada! Vê se cresce e tenta agir com um pouco de maturidade.
Aquilo deixou completamente sem reação. Senti o sangue se esvair do meu corpo.
Sem pensar, eu deixei uma lágrima escorrer pelo meu rosto.
Miguel não ofereceu nenhuma reação e isso só me deixou ainda mais furioso.
Eu: Quem é você para falar comigo desse jeito, seu babaca? Quem é você para falar de assuntos que não lhe dizem respeito?!
Você não sabe de nada, Miguel, nunca sabe de nada! Não passa de um playboy alienado, que só pensa no próprio umbigo, não tem a mínima noção do que se passa fora desse seu mundinho egoísta e estúpido. Quem tem que crescer é você,
imbecil! Você não sabe de nada da minha mãe! Você não sabe como doeu a nossa separação - Gritei, enquanto sentia o peito estava doendo, como se eu tivesse levado uma facada ou um tiro.
Ele não tinha direitos de falar aquelas coisa para mim.
O assunto mãe era delicado demais e eu odiava que tocassem nele.
Miguel me olhou com raiva enquanto eu tentava parecer forte. A verdade é que eu nunca tinha me sentido tão fraco como agora.
O silêncio tomou conta de nós, aumentando o clima de tensão, então eu resolvi que era hora de acabar com aquilo, a dor no peito tinha elevado à níveis insuportáveis.
Esperei que tudo ficasse em silêncio, para poder dar vazão ao choro que queria tomar conta de mim. Ele não podia ter falado aquilo para mim, não ele.
Miguel tinha me magoado da maneira mais cruel possível, falando coisas que eu não queria ouvir, que eu não podia ouvir.
Eu: Some daqui, Miguel! Você já disse o que tinha que dizer, já não temos mais nada para falar.
De repente, ele me segurou pelos ombros, me impedindo de qualquer movimento e falou:
Miguel: O que deu em você para não partir para cima de mim e quebrar a minha cara?
Eu: Você queria que eu fizesse isso?
Ele deu uma risada seca, me encarando.
Miguel: Pelo menos seria uma reação ao que você acabou de ouvir.
Eu: Não sabia que você gostava de apanhar, Miguel - comentei, andando ao encontro da minha scooter, queria logo sair dali, não queria que o Miguel presenciasse meu choro.
Miguel: Eu não gosto de apanhar, Julho. Eu gosto de te ver perder o controle. Não estou reconhecendo você, Julho, em outros tempos você teria virado o cão e teria partido para cima de mim.
Eu: Pois é, Miguel, acontece que os tempos são outros e eu não estou nem um pouco a fim de arrumar outra confusão pro meu lado. Olha só, se você já falou tudo que tinha para falar, me deixa ir tá bom? - falei, pegando as chaves da minha scooter, ligando ela.
Ele me segurou novamente, fazendo com que eu voltasse a encará-lo.
Miguel: Só me responde uma coisa: você vai negar que sente atraído por mim? Vai negar que não gostou daquele beijo? Vai negar que eu enlouqueço você? - perguntou, seus olhos grudados nos meus.
Eu resolvi escancarar logo tudo, já não aguentava mais essa situação, ele queria a verdade, então teria a verdade.
Aquilo já estava me enlouquecendo mesmo. Então pelo menos eu estaria com a consciência tranquila, sabendo que ele tinha conhecimento do que eu sentia.
Eu: Não.
Não o quê? - Miguel perguntou, soltando o meu braço, como se eu o tivesse queimado.
Eu: não vou negar nada disso que você falou, Miguel. Você pediu a verdade, não pediu? Então aqui está a sua verdade. Sim, eu gosto de você. Sim, você me atrai como nenhum garoto jamais me atraiu. E sim você beija muito bem. Bem até demais.
Ele me encarava completamente pasmo. Vai ver que ele não gostou do que ouviu.
Azar o dele, a verdade é que eu já não me importava com nada.
Montei em minha scooter, fiz com que ele me encarasse, boquiaberto.
Eu: Lamento por tudo, Miguel. Mas foi você quem pediu para ouvir isso. Pode se vangloriar por aí, porque até o estranho da escola é a fim de você. Tudo bem, eu não me importo. Eu já não me importo com mais nada nessa porcaria de vida. Ah, e mesmo que isso seja verdade. Nunca eu vou querer me aproximar de você, ok? Eu sinto repulsa por você! - disse e em seguida liguei a scooter e saí da escola, me sentindo mais leve.
Era bem melhor assim, eu pensei.
Ele que fizesse o que bem entendesse com essa nova informação. Mas a verdade é que eu precisava me livrar daquele peso que estava sobre as minhas costas há anos.
