• 23x03 – Tormentas
– Então, deixa ver se eu entendi! Você e o José começaram a ter um lance logo no começo de fevereiro e no dia do aniversário ele te pediu em namoro? – Acenei positivamente – Nas férias ele te traiu e no dia do aniversário dele, a menina confirmou uma gravidez... E ela estava certa. O que não entendo é você ter aceitado toda essa história numa boa e ter vindo acabar aqui, longe dele, por quase um mês, Walmir. Como pôde fazer isso?
Rita e eu ainda tocávamos no assunto de minha situação com o José, ainda no dia oito de janeiro.
– Foi um acordo nosso. Ele preferiu que fosse assim, você mesma viu na carta.
– Sabe o que não engulo? Como um brutamonte-gato daquele jeito foi se apaixonar por você. – Ela apontou-me com desdém.
– Para! Eu não sou tão feio assim, ‘tá?!
– Não é isso, é que... Ah! Não dá pra engolir essa história. – Rita ficou um pouco pensativa. – Você já pegou AIDS?
– Não! Essa afirmação preconceituosa de que SOMENTE os homossexuais contraem essa DST é uma mentira.
– É possível sentir prazer anal mesmo? O Fábio sempre me pede para fazer esse tipo de coisa.
– Olha, no começo é sôfrego, sabe? Minha primeira vez, analisando do meu ponto de vista de agora, foi boa, mas não foi “ PERFEITA”. Ele não esperava meu tempo e ainda me batia muito. Mas como eu era um jovem apaixonado, eu achei aquilo a coisa mais mágica do mundo. Talvez para você não, mas para mim o sexo anal é muito bom.
– Primo, esse é o único jeito que você pode fazer sexo, por isso que você gosta.
– Nossa, falou a senhorita “sabe-tudo”. Existem várias formas de satisfazer um homem...
– Tipo? – Ela perguntou como uma criança querendo ouvir um novo conto de fada.
– Provocações. É só deixar o cara excitado e o fazer gozar ao ouvir sua voz. É possível, mas eles sempre querem mais, entende?
– Walmir, meu filho, tem alguém querendo falar com você.
– Quem, vovó?
– Venha você mesmo ver, meu anjo!
– Já estou indo, vovó.
Como já havia tomado banho e estava só de cueca, pus uma bermuda e blusa de moletom e fui até a sala para ver quem me esperava.
– Meu lindo tenor, que surpresa revê-lo em nossa cidade.
– Padre Arlindo! – Corri para abraça-lo e pulei em um aperto aconchegante. – Como soube que cheguei?
– Essa manhã sua avó ligou para mim e pediu para que eu viesse te fazer uma visita. E então, pronto para voltar a ser a voz principal do nosso coral?
– Padre, não finja que não sabe o porquê de eu ter saído do coral da capela! Não foi uma escolha minha, foi uma unanimidade. Você sabe que...
– Deus te ama do jeito que você é, Walmir. Deus não julga a sua condição. Deus disse: “O ser humano tem o livre-arbítrio” e ainda completou “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado”. Eu me arrependo tanto de não ter te defendido naquela época, baixinho, mas eu imploro, te peço, por favor, volte para o nosso coral!
– Padre, minha vinda aqui é passageira. Eu não vim para ficar aqui, eu vou voltar à minha nova Terra, espero, mais que nunca, que me entenda. Eu realmente queria prestar os meus serviços à capela. Sinto falta de cantar, de ser coroinha... Sinto falta de sua homília.
– Bom, você está convidado a ir a nossa igrejinha, confessar seus pecados e cantar em nosso coral. Infelizmente, enquanto houver esse “preconceito camuflado” em nossa igreja, você não poderá receber a hóstia. Mas o convite estará sempre de pé para você.
– Se é assim, não há como recusar seu convite, Padre. Bom, hoje não, mas amanhã irei aos ensaios. Qualquer mudança já ocorrida, eu pergunto a Rita e ele irá me responder. Obrigado, Padre... Por tudo. – Sorri e derramei algumas lágrimas enquanto o abraçava.
“Se houvesse mais padres como o senhor, a doutrina cristã seria melhor, o mundo seria melhor.” – Pensei, e até hoje tenho esse pensamento comigo.
Padre Arlindo continuou conversando com vovó e eu direcionei-me a cozinha, junto com minha prima, para fazer alguns biscoitos de forno e croissant – tive de aprender a preparar, pois o Ogro adora comer esse tipo de coisa. Aprontamos, além disso, o chá e o café que minha vovó tanto gosta. Servimos à mesa e depois eu voltei ao quarto. Estava tão exausto da viagem que às seis da tarde, bem antes do nosso primeiro jantar em Colônia, eu adormeci.
Como prometido a Padre Arlindo, após o café-da-manhã, direcionei-me à igreja para saber os horários dos ensaios do coral. Qual não foi minha surpresa ao chegar lá e ver o coral treinando o vocal para executar uma música.
– Bom dia, gente! – Falei com um sorriso no rosto.
– Bom dia, Walmir! – Responderam-me envergonhado. “Rastros do Padre naquela sala”, pensei.
– Posso juntar-me a vocês essa manhã?
– Podem até concordar com essa loucura, mas é ele ou eu. – Manifestou-se Flávio, um de meus antigos amigos de infância que, tal como o Fernando, irmão do Fábio, começaram a azucrinar a minha vida depois que tiveram a certeza de que eu era homossexual.
– Não precisa chegar ao ponto onde você tem que fazer uma chantagem para as pessoas mudarem de ideia, Flávio. Você tem medo de minha presença aqui pelo simples fato de eu ser gay ou pelo fato de eu cantar melhor que você, bebê? Porque se for qualquer um desses, eu afirmo a você que continuas com o mesmo pensamento criança e preconceituoso que só seres considerados “homem da caverna” podem ter.
– Odeio você. Você e toda essa raça infecciosa.
– Não se auto odeie, Flávio, não julgue a si mesmo como uma “raça infecciosa”. A todos, um abraço. Não fico mais um segundo embaixo do mesmo teto desse ser austero.
Segurei-me com tudo para ser o mais forte possível na frente de todos, mas eu nunca gostei de magoar as pessoas, ainda mais na frente de outras pessoas. Flávio não merecia tal tipo de vingança, ele apenas precisava entender que está no século onde a sexualidade das pessoas não é tratada como um tema tabu entre todos. Estamos num século onde somos livres.
Voltei para a casa de vovó, pensativo. Estava mudando meu modo de ver o mundo, eu realmente precisava daquilo. Mas, será que tornar-me uma pessoa fria ajudar-me-ia a crescer de alguma forma?
– Meu filho, voltou tão cedo. – Minha avó fazia cara de interrogação.
– Não me aceitaram, de novo. Eu nem me importo mais, sabe, vovó? É até bom, pois eu nunca me sentiria bem embaixo do mesmo teto de uma pessoa que me causava bullying. Eu não sou como ele, então não posso estar no mesmo ambiente dele.
– Estamos falando de quem, meu filho?
– Do Flávio, vovó. Aquele garoto que mexeu comigo na escola logo depois de saber que eu era homossexual, lembra-se?
– Não. E não lembro que você é homossexual, vou pedir para Rita preparar mais salada do que carne – Ela falou calma. Seria cômico, se não fosse sério.
– De qualquer maneira, estou indo ao meu quarto.
Subi ao cômodo, e ao abrir a porta me deparo com Rita transando com o Fábio. Rapidamente, fechei a porta, para não causar nem um tipo de transtorno para os dois. Fui à sala e fiquei vendo TV até o horário do almoço. O restante do dia não teve importância nenhuma.
A sexta-feira passou-se sem nenhum movimento estranho. Claro que Rita ainda me fez algumas perguntas sobre o sexo – como se eu soubesse de tudo. – e perguntou como era o José na cama. Claro que eu sempre desviava desse tipo de assunto. “Oras, ele é perfeito, mas não gosto de ficar me gabando pelo homem que tenho”, eu pensava.
No sábado, Padre Arlindo fez-me uma visita dizendo que sabia que eu estava noivo do filho do vereador da minha cidade, apenas afirmei que a história era verídica e que ele não se preocupasse, mas ele me disse que os boatos já estavam correndo pela cidade e um desses boatos assegurava que eu só estava com o José por ele ser um homem de posses. Fiquei fulo da vida. Primeiro, ninguém poderia saber da existência de José, naquela cidade; segundo, os culpados só poderiam ser vovó e Rita, ninguém mais.
À noite, Fábio veio para buscar Rita e leva-la à praça.
– Posso ir com vocês? – Perguntei sorrindo para Fábio, que, desde minha chegada, não havia me visto, sequer trocado uma palavra comigo.
– Quem é esse, Rita?
– Vai dizer que você não reconhece o Walmir quando o vê?!
– Sério? Baixinho, é você mesmo? – Ele falou sorrindo.
– Não. Eu juro, vou ignorar sua pergunta, Fábio. Posso ir, ou não?
– Claro que pode. Entra!
Entrei no carro do Fábio e ele nos guiou até a pracinha principal, onde todas as pessoas se encontram. Nada havia mudado.
Rita e Fábio procuraram um lugar para namorar e eu fui procurar companhias, pessoas novas, velhos amigos... Pra mim não importava.
Por falta de opção, acabei ficando em um lugar isolado na praça. Liguei meu MP3 e pus meus fones de ouvido para ver se esquecia dum pouco de tudo o que estava acontecendo. Para meu azar, Flávio, Fernandinho e Elveson avistaram-me sentado em um banco de praça e dirigiram-se a mim.
– Ora, se não é o veadinho que saiu fugido daqui. – Fernandinho me abordou.
– Desculpa, não entendi o que você falou. – Falei tirando os fones do meu ouvido com um sorriso de orelha a orelha. Cinismo me definia.
– Além de veado, é surdo. – Fernandinho continuou com suas palhaçadas.
– Desculpa, não entendi o que você falou. Poderia falar minha língua, asno?
– Ora, seu...
– Calma Fernando! – Flávio falou o segurando.
– Sabe, estão perdendo o tempo de vocês aqui. Vocês perderam algo em mim? Nossa época já passou, entende-me Fernando? Nós éramos amigos, mas você fez questão de matar todos os sentimentos que eu nutria por você, eu realmente queria ter saído seu amigo daqui, mas não deu. Se me dão licença... – Virei-me de costas e sai andando a procura de Rita e Fábio. Não os achei.
Decidi sentar-me em outro banco já que “os três mosqueteiros” tomaram conta do local no qual eu estava. De repente, vejo um carro vermelho passando pela praça. A placa me era familiar. O carro deu a volta e com pouco passou pelo mesmo local. Eu não tinha mais dúvidas, era ele. “Eu sabia que ele voltaria por mim.”, pensei. Mas logo em seguida o carro sumiu. Fiquei chateado, esperando uma ligação que não veio. Quando menos imagino, o carro passou numa velocidade mais reduzida e então eu acenei. Aos poucos, o carro foi encostando-se a quina da calçada da praça e eu comecei a me aproximar. Diferente do que eu imaginava, dois homens altos e musculosos saíram do carro. Não deu para ver o rosto dele, pois eles estavam de boné e óculos escuro.
– Boa noite, senhor. – Saudou-me o mais baixo deles (mais ou menos um metro e oitenta e quatro).
– Boa noite, mas não precisa me chamar de senhor, senhor. – Sorri, tentando ser cortês.
– Você reconheceu o caro não foi? Faz ideia de quem seja esse carro.
– Talvez, digam-me, qual grau de parentesco vocês têm com essa pessoa?
– Somos primos dele, filhos do senhor Tomás. Meu nome é Daniel e o do grandão mal-encarado é Bruno. – Ele me estendeu a mão e cumprimentou-me, já Bruno, não havia movido um músculo sequer. – Pode responder minha pergunta agora?
– José Otávio.
– Qual seu grau de afinidade com ele? – Na hora toquei-me de que aqueles homens poderiam ser uma ameaça para mim.
– Somos amigos, bons amigos.
– Só amigos?
– Muito amigos. – Apenas omiti.
– Sabe que não acredito em você? – Manifestou-se Bruno.
– Tampouco, eu em você. – Retribui o sarcasmo daquela montanha de músculos.
– Vamos Daniel! Estamos perdendo tempo com esse... Bundinha. – Ele falou secando a minha bunda e sorrindo.
– Até logo, Walmir. Quem sabe não nos encontramos por aí? – Daniel falou estendendo-me a mão, mais uma vez.
– Espero, mas que seja em outra ocasião. – Falei apertando a mão de Daniel.
Os dois foram embora e o carro seguiu caminho até desaparecer em meio à escuridão.
– Que cena foi essa, Walmir? – Perguntou-me, assustada, Rita.
– Você estava aí esse tempo todo, Rita? Que bela amiga você é. E prima... Pior ainda. – Tentei ser debochado.
– Walmir, não ficou com medo desses dois armários na sua frente? – Ela perguntou me examinando, como um médico.
– Meu namorado tem mais de um metro e noventa, Rita, por que temer esses dois?
– Você já viveu demais, Walmir. – Retrucou Fábio. – Vamos embora!
Fábio puxou-me para o carro e Rita o seguiu. Meu novo primo nos deixou em casa e foi embora. Dormir era a única coisa que restava.
...
– Que história louca, Walmir. Não acredito no que estás a me dizer.
Estávamos almoçando quando Rita tocou no assunto de ontem. Ela ainda estava horrorizada com o que havia ocorrido e eu lhe contara a história desde o começo. Repassava falas e gestos daqueles homens estranhamente calados e gentis, com exceção do Bruno.
À tarde inteira ficamos mexendo na internet. Na verdade, a Rita ficou mexendo na internet, pois sempre odiei tudo o que a internet oferecia, para mim, nunca fora confiável. Sempre zelei minha imagem afastando-me das famosas redes sociais. O que, até hoje, rende muitas piadas de meus poucos amigos.
Quando foi à noite, deitado em minha cama, recebi um telefonema. Era o tio do José – Que até tal momento eu desconhecia e deduzi que fosse o pai do Daniel e do Bruno.
Naquela noite eu falei com ele, José, mas ele me parecia estranho, fugia dos assuntos que eu lhe perguntava e, do nada, desligou minha ligação. Tentei retornar, mas era em vão. Fiquei preocupado e Rita me consolou. De repente, meu telefone toca. O mesmo número.
“José?” – Perguntei aflito.
“Eu vou ficar bem... Por você. Te amo demais, meu Baixinho. Mais cedo ou mais tarde eu chego aí, por favor, me espera!” – Ele falava em meio a respiração sôfregas.
“José... Você...” – Fim de ligação. Mais uma vez eu havia ficado no vácuo. E aquele pressentimento reinando em meu peito. Decidi, por fim, dormir... E esperar ele retornar a mim e dizer que tudo ficaria bem. De novoPerdoem-me a demora, mas quando Walmir fica responsável por escrever o conto, ele demora demais, vive inventando desculpas, além, é claro, do ciúmes que ele tem disso aqui - Fica falando que ocupa nosso tempo nas férias. Logo, precisava inventar um meio para que o Baixinho mais cabeça dura desse mundo escrevesse com urgência o conto... Nada como ficar pelado na frente dele, e sem sexo, não resolva. Ele escreveu tudo isso ontem, 29/01, e só me tocou depois de eu ter terminado de revisar e editar, pois gosto do conto de meu jeito.
Respondendo aos comentários
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Niinuuh - Na verdade, o comportamento dele não será pior, vocês apenas irão descobrir o porquê de ele ser assim. Essa família tem uma lado podreeeeee...
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Edu19>Edu15 - Fica tranquilo, Walmir só saiu, dessas férias, psicologicamente machucado... Um pouquinho.
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little monster - Resposta no próximo conto :D
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Chris O. - Pode ter certeza de que me vinguei física e psicologicamente dele.
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will(Wy) - Separados em que sentido? Tipo, fim de relacionamento... Não mais que alguns dias. Agora separados por alguns motivos, porém mantendo o relacionamento, como no caso relatado, ficamos alguns meses. Eu fiquei em Recife e ele ficou cuidando de minha filha, junto com a Nanny, na cidade onde morávamos.
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Guuh18 - Felizes sim, mas nem tudo fora um mar de rosas em nossas vidas. Vocês verão no desfecho do conto que pretendo narrar e escrever juntamente com esse lindo Baixinho.
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kle f. - Espero surpreender à você e a outros leitores.
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Jhoen Jhol - Minha vingança? Será maligna! :@
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A todos os outros leitores e comentadores... Meu muito obrigado. Estou feliz pelo número de visualições de meu contoBom, agora quero falar de algo que nunca fiz aqui... Promover contos. Sei que muito de vocês lêem meus contos e quero vos indicar alguns.
1 - In Death - Grimm (Isabela): Linda, você é uma ótima pessoa e super incentivadora, mas posso afirmar que és melhor como escritora. Sei que seu conto é baseado em um livro, mas acredito em seu talento. Sei que um dia criarás um... Seu conto é 10!
2 - Met Steps - Marc: Só posso dizer uma coisa: Estou super apaixonado pelo conto desse carinha. A história dele é mesmo muito linda e o melhor... Verídica. Espero que conheçam um pouco da vida desse garoto e de seu parceiro Luke. Esse menino vai longe. 10!
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Ah! Antes que eu me esqueça, alguém poderia me responder por onde anda o Linden e os contos dele? Eu já havia lido uma vez e não vi mais. Linden possuía uma conta com os contos da série "Era pra ser verdade". Outra coisa que queria saber, algum de vocês tem salvo todos os capítulos daquilo conto? Quero mostrar ao meu Baixinho.
Antes que me perguntem, o conto que o Walmir mias gostou de ler foi o do Marcio - Recomeçar (Sumido) e Hellas (EmyrÉ isso pessoal. Até a próxima postagem :D