As horas passaram rápido, e quando dei por mim, o gabinete estava como deveria estar e um reboliço tomou conta do local. Eram 8h30 e o prefeito estava chegando. Quando cruzou a porta, em meio aquelas pessoas que o cercavam, pude perceber que, mesmo sob aquelas roupas sérias, seu rosto denunciava um jovem festeiro, e mais gay do que eu poderia imaginar em uma pessoa só. Nem eu conseguia tanto. Minha segunda percepção deixou de lado o trabalho: por Deus, como poderia ser tão bonito? Já o tinha visto por fotos e ouvido a respeito de sua beleza, mas pessoalmente – ah – era intimidante. Entretanto nada de animação, afinal, meu senso de separar trabalho de vida pessoal nunca falhou, e no mais, o encanto durou menos que o da Cinderela, logo pude perceber sua tolice. Apesar de termos praticamente a mesma idade, ele parecia ser o meu oposto: inconsequente e estúpido!
_Quem autorizou essa palhaçada no meu gabinete?_ Questionou em um grau tão alto de arrogância que era assustador para qualquer um, menos pra mim, já sabia jogar esse jogo.
_Prazer, Felipe Gutiérrez, gestor de imagem._ Respondi firmemente.
_Vou corrigir a pergunta._ Ele fez cara de deboche. _Quem autorizou você a fazer essa palhaçada no meu gabinete?_
_Acredito que você..._ Deixei a deixa para que ele se apresentasse, afinal, se discutiríamos, teria que ser com o mínimo de dignidade.
_Bernardo Brandão, mas pode me chamar de senhor Prefeito._
Capítulo 2
_Ok, senhor Prefeito, acredito que não tenha entendido quando disse que sou gestor de imagem, mas não há problemas, eu explico._ Agora era minha a cara de deboche, que alternei em seguida, para com os olhos dar a ordem de que todos saíssem da sala e fechassem a porta. Foi o que fizeram e então continuei:
_Sou gestor de imagem, a partir de agora eu defino tudo que pode influenciar a sua imagem, caso queira voltar a ser o prefeito que foi eleito com uma maioria massacrante de votos e que intimida qualquer oponente. E além do mais, convenhamos, senhor, nunca ninguém desconfiou desse gabinete? Impossível, eu vi assim que coloquei os pés aqui, e tive cento e um por cento de certeza quando vi sua cara._
Em todos os momentos olhei-o firmemente, e o que me deixou abismado foi que em nenhum destes momentos consegui abalá-lo. Ele estava sempre com a postura ereta, os olhos castanhos sérios de um animal que analisa tudo a sua volta, e o pior de tudo: não expressava a menor reação após eu ter terminado de falar. Alguns tensos instantes depois, ele respondeu:
_Mas é muita petulância da sua parte, mesmo. Sabe por que reconheceu? Porque um conhece o outro! E sabe o que mais, por que está aqui? Quem paga seu salário? Eu, eu chamei, eu pago, eu mando._ Me senti fuzilado, mas isso pra mim é estimulo.
_Realmente um conhece o outro, e o senhor quer ser conhecido por todos, mas ao menos seja inteligente o suficiente para não perder tudo que conseguiu. E devido a quem estou aqui? Ao senhor, claro, mas só vai mandar e me pagar se voltar a ser o prefeito, caso contrário, vai tudo por água abaixo. E tem mais, eu sou um ótimo gestor de imagem, tenho uma equipe que pode tirar qualquer um da lama ou afundar de uma maneira que não consegue sair nunca mais. Portanto, senhor prefeito – exagerei na ênfase – seja meu cliente e aproveite, ou seja meu inimigo e comece a rezar. Peça ao seu assessor que o atualize sobre sua nova agenda e os passos a seguir na coletiva marcada para mais tarde. Eu vou para o hotel descansar, e mais tarde monitorar tudo de lá, porque esse é o meu trabalho, agora faça o seu.
Tuche! Agora o tinha acertado da forma que queria, e não poderia perder a oportunidade de ir embora de forma triunfante. Segui para o hotel.
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Cansaço, essa era minha palavra na manhã daquele sábado. Tomei um banho demorado, um belo café e fui – eu precisava – dormir. Adormeci com a dúvida na cabeça: como poderia um homem lindo daqueles ser daquela forma? Não, não era esse meu foco ali...
Quando acordei, faltava pouco tempo para a entrevista, que seria transmitida pela pequena emissora local. Me preparei, e sentei em frente a televisão, essa seria a chance dele de mostrar se queria ou não dançar a minha música. Tudo bem que a coletiva não ter sido cancelada já era um bom sinal, mas só esperando pra ver o que sairia dali. As 19h30 em ponto, ele iniciou a coletiva, o primeiro passo ele havia seguido: pontualidade demonstra responsabilidade e preocupação com a população. A segurança, seriedade e carisma dos quais ele havia abusado durante a campanha eleitoral também estavam ali, ponto pra ele. Quem diria, ele havia feito tudo conforme orientei, destacando que é um homem sério de família, mas também um jovem que não discrimina nenhuma espécie de ramificação na sociedade, e além do mais gosta de se divertir com os amigos no tempo livre, afinal é jovem. De resto, era tudo especulação. Isso aí, o bom moço e muito amigável. Bela atuação. Atacou a oposição e deu material o suficiente para a imprensa exaltá-lo. Ah, imprensa ótima influenciadora!
Ainda era só o início do trabalho, mas começar ganhando a batalha já era lucro. O interfone tocou, era o recepcionista avisando que o restaurante já estava aberto, para refeições e drinques, caso quisesse aproveitar. Vou comemorar, bingo!
Cheguei ao restaurante, pedi um drinque, álcool me fazia refletir. Estratégia, era disso que eu precisava pra mim e para o meu trabalho. Tive tempo de perceber e sentir o quão bom era aquela bebida, e comentei ao garçom:
_Bela bebida, não é a toa que o hotel está cheio, só não entendi por que aqui está vazio!?_
_Ultimamente temos investido muito no turismo, e bons hotéis com bons restaurantes estão no planejamento_ Percebi à voz conhecida e o mesmo deboche que ouvira mais cedo. _Mas o restaurante também fecha em ocasiões especiais!_
Olhei e enxerguei o sorriso, de deboche e até mesmo de vitória, mas um sorriso lindo, quase hipnotizador. Quando enfim sai do transe, não havia mais ninguém que estava no restaurante anteriormente.
_Sim, somos só nós dois._ Ele disse o óbvio e em seguida me chamou para sentar-se a uma mesa com ele. Ele havia fechado um restaurante. Inacreditável.
Sentei-me e cordialmente – puro fingimento, mas não poderia aparentar qualquer tipo de tensão – questionei:
_O que quer?_
_Você é bem direto! Não quer beber nada? Prefere as palavras em seco?_
_Caso o senhor queira em molhado, podemos ir pra piscina, se conseguir fechar e isolar ela também!_
Ele riu, e eu me mantive sério.
_Eu sou o prefeito dessa cidade. O número um. Você vai trabalhar pra mim, vou seguir as orientações, mas eu sou o número um. Acho que fui claro o suficiente._ Ele se levantou para sair. _A propósito, se você pode perceber eu também sou bem poderoso, e agora vou pra casa jantar com a minha família, como eu disse na entrevista, sou homem de família. E você, aproveite o cardápio, o restaurante é todo seu._
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