- O que é toda essa “molhaçada” Heitor? – O tom soava agressivo e gélido.
- É que estouro um cano da pia do banheiro e eu pedi ajuda ao Apolo pra me ajudar, mas a gente já concertou, tá tudo certo... – Até eu estava começando a acreditar na minha justificativa esfarrapada, até que...
- O... Como é mesmo o nome? Apolo, isso, o senhor pode nos dar licença, volte outra hora, ok? Agora eu quero ter uma conversinha com o meu filho. – Ela estava irritada e o seu olhar não me parecia boa coisa.
- Claro... Até mais Heitor e obrigado pela camiseta. – Falou ele meio desconfortável com o clima que havia no ar.
Pam! A porta se fechou.
- Heitor, meu filho, tu se esqueceu do nosso trato? Esqueceu que tu só estás morando em Porto Alegre por causa de mim?
- Eu sei, mãe...
- Heitor! Escuta bem o que eu vou dizer: Se eu souber, descobrir que você anda... Comendo ou dando a bunda pra esse rapaz ao invés de estar saindo com garotas, eu corto o teu barato e tu irá voltar imediatamente pra casa, trabalhar em qualquer lugar que seja, não fará faculdade e não terá ninguém! Pense bem, imagina se o teu pai fica sabendo...
- Não mãe! O pai não pode ficar sabendo de jeito nenhum, ele iria acabar com a minha vida, não sei o que ele seria capaz de fazer se...
- Exato!Ou tu se interessa por alguma garota, ou não terá ninguém pro resto da tua vida! Eu não quero ter que repetir isso novamente, viu? Ande na linha e não terá problemas! Eu te amo, tu sabes que eu faço isso pro teu bem, não é?
- Mãe, se tu tá pensando que eu tenho algo com o meu amigo que inclusive tem namorada, esqueça... – Parecia que eu havia levado um soco na cara com todas aquelas palavras.
- Meu querido, eu não estou pensando, eu tenho certeza, certo HEITOR?! –Ela sugeria outra resposta que tinha que agradar aos seus ouvidos, sendo mentira ou não, porque caso eu discordasse...
- Lógico, mãe! – Falei tentando ser o mais convincente possível.
- Estamos entendidos?! – Ela me encarava séria, tentando descobrir se eu, realmente, responderia a resposta “certa”.
- Estamos. – Meu estava feliz, tinha que estar. Meu coração estava triste, não podia evitar...
- Sabe, uma amiga minha tem uma filha linda que...
A partir disso eu só ouvia “blá, blá, blá”. Minha mãe ficava me sugerindo garotas, filhas de amigas e conhecidas dela para eu namorar. Ela não entendia de maneira alguma que eu não podia mudar quem eu sou, que não havia como eu deixar de gostar de garotos, homens. Sempre dizia que preferia ter um filho ladrão do que um filho “bicha”. Isso me feria muito por dentro, meu coração já estava cheio de feridas criadas pelas ofensas e ameaças de minha mãe, pois “ai de mim” se ela sonhasse que eu estivesse envolvido com algum homem.
Minha vida não era ruim financeiramente, era boa, mas pelo resto... Não posso dizer o mesmo. Só havia conseguido o apartamento pra morar em “Poa”, porque havia prometido que iria namorar uma garota, mas isso estava muito difícil de acontecer.
Na Segunda-feira, alguns minutos antes de começar as aulas:
- Heitor! Heitor! – Era Apolo.
- O que foi? – Minha cara de bunda amassada era linda de se ver.
- Nossa! Parece que eu te fiz alguma coisa errada, por que isso?
- Impressão tua meu amigo.
- Tudo bem,então. – Ele deu um sorriso.
- Agora cai fora.
- O que tu disse? – O sorriso dele se desfez por completo, eu quase ri por um instante.
- Eu preciso mesmo repetir? Sério mesmo? – Pensa em alguém aborrecido e irritado, era eu.
- Não! Agora deu, por que tu não me fala o motivo de tu estar assim de mau humor? É a tua mãe? Por que você inventou aquela história pra ela ontem?
- Eu to normal, agora para de me encher. Ela foi embora, nem tá mais aqui. Porque não havia mais nada que eu podia falar se não aquilo.
- Oi? Explique melhor.
- Não tem nada Apolo, para cara!
- Sou eu?
- Aí depende.
- Oi?
- É, tu não para de me encher, vai ver é isso.
- Heitor, agora eu que to ficando irritado contigo, me fala logo o que é!
Bim! – O sinal bateu.
- Falou! Até mais! – Virei as costas e saí andando, ele deve ter ficado puto comigo, mas faz parte! Ainda bem que eu não dividia nenhuma cadeira com ele naquele dia.
Na saída:
- Heitor, não quer que eu te obrigue a falar né? Não posso fazer nada se tu não dizer!
- Tu não entendeu ainda? Eu não quero que tu faça nada. Ah não, tu tem razão, eu quero que tu faça algo sim. – Saía em direção ao carro.
- O que é? – Falou ele meio duvidoso.
- Evapore, exploda, teletransporte, suma. Qualquer coisa dessas estão valendo.
- Se tu não me dizer eu... – Agora eu posso dizer que eu fiquei preocupado, mas em vez disso pareci estar de outro modo.
- Sinta-se à vontade, falou!
Louco para chegar em casa e almoçar, eu cheguei no “apê” e já estava entrando nele quando de repente:
- Eu não to brincando Heitor, ou tu fala, ou tu fala! Qual tu escolhe? – Apolo olhava tão fixo e determinado pra mim que eu tava quase contando.
- Apolo, tu quer saber o que é? Quer mesmo? Então deixa eu te perguntar uma coisa então. – Estava ficando bravo com aquela perseguição incansável de Apolo.
- Pergunta.
- O que foi aquilo ontem?! No chuveiro?! – Disse disposto a arrancar a verdade dele.
- Foi uma baita “molhaçada”... – Ele desviou o olhar.
- Não Apolo! Agora é eu que quero que tu fale sério! – Voltou a me olhar frente à frente.
- Eu não sei... Não sei como chegamos àquilo, eu só sei...
- Eu só sei! Que você tem namorada e que se os meus pais souberem que eu gosto de ti eu to frito e... – Ah cacete. Caguei tudo, foi como dizer ao assaltante qual era a senha do cofre.
- Opa, como assim tu gosta de mim? – Ele estava surpreso.
- Eu quis dizer se acharem que... – Ele me interrompeu.
- Não, eu sei o que tu quis dizer... – Agora eu interrompi ele.
- Ah se tu entendeu isso, que ótimo pra ti! Felicidades! Tudo de bom! Bye bye!
- Eu falei sério quando eu disse que não sabia o que foi aquilo ontem, mas eu não disse que eu gostei...
- Como assim? G-O-S-T-O-U? – Eu já nem sabia mais o meu nome.
- Apolo, deixa eu te contar uma coisinha... Primeiro: Tu tem uma NAMORADA. Segundo: tu é HÉTERO. Terceiro: Meus pais me decapitam se acharem que eu tenho algo contigo, caso tu não tivesse uma namorada e não fosse hétero. Compriendes?
- E se eu não for totalmente heterossexual e se...
- Não existe o “E se...”. Tu só tá meio fora da casinha, mas é normal nessa fase. – Meu chão caiu! Ele não podia ser bi! No way!
- Eu guardo um sentimento por ti até hoje Heitor.
- AHAHAHAHAHA! Guarda? De onde? – Falei caindo na gargalhada.
- Das férias na praia em Santa Catarina. – Ele ficou sério e foi bem aí que eu parei de rir. Oh Gosh!
Será que eu havia me drogado?! Tava doidão? Não havia nenhuma chance de Apolo lembrar da “amizade” ou seja lá o que for que nós tínhamos um com o outro naquela época... Às vezes as pessoas podem te surpreender uma vez... E quem sabe... Mais outra vez...
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