Bom pessoal, vocês já devem ter acompanhado algumas postagens minhas aqui na casa de contos e aqui vai mais uma parte da história verídicas do meu natal do ano passado, lembrando que me chamo Gabriel e tenho 19 anos. Para entender melhor a história, por favor, leia as partes anteriores.
Assim que abri aquela porta, tive um frio na espinha: todos já estavam acordados, e quando se está com culpa, é impressionante como todos os olhares parecem ser diferentes, como as reações ficam distorcidas, e o quanto damos ainda mais bandeira de que tem algo errado não é verdade ? Com agente foi assim. Eu me levantei primeiro e fiquei um tempão com o pessoal da sala. Todos já me olhavam diferente, ou será que eram meus olhos ? Comecei então a me sentir envergonhado. Embora gostasse muito de Enzo, o que eu mais temia havia acontecido e logo logo, meus pais também saberiam que o filho deles não é quem se pensava ser. Depois que Enzo terminou seu banho, fui imediatamente para o banheiro. Não sei bem o que aconteceu, mas vomitei muito. Acho que era uma reação do meu organismo em relação a tudo que eu sentia no momento. Aproveitei este momento e chorei bastante. Nunca fui de chorar muito, sempre tive em minha cabeça um bordão: "o pior ainda está por vir" e simplesmente ignorava os problemas ouvindo minhas músicas no volume mais alto possível. Infantilidade ? Talvez. Mas era a única forma que eu tinha de ignorar aos problemas, mas naquele dia, não estava dando certo. Fiquei ali então sentado no chão do banheiro esperando, para que vomitasse mais, quando minha tia Elza, mãe de Enzo bate à porta:
- Gabriel ? Abre esta porta. Você está bem ?
Respondi a ela sem acatar sua ordem:
- Sim tia, estou melhorando já. Não se preocupe, vou tomar um banho e logo logo melhoro.
- Deixa de ser besta garoto. Abre está porta, deixe eu te ajudar ? O que está acontecendo ?
Destranquei então a porta, mas sem abri-la. Ao ouvir o barulho da chave rodando, minha tia colocou a mão no trinco, e demorou um pouco para que abrisse a mesma. Assim que me viu sentado no chão na frente do sanitário, seus olhos encheram de água.
- Oh garoto. O que esta acontecendo com você rapaz ?
- Era só umas náuseas tia. Já passou, estou melhor já.
- E estas lágrimas ? Não vai me dizer que são por conta das náuseas, são ?
Respirei bem fundo antes de responder. Aquela altura, eu já estava preparado para tudo, ou melhor, quase tudo. Então respondi de cabeça baixa, sem olhar em seus olhos:
- Tia, a senhora e eu sabemos o que está acontecendo. Não minta pra mim dizendo que não é verdade que nós dois sabemos o que se passa.
Minha tia então fechou a porta e rodou a chave o máximo que se era permitido. Logo sua expressão já havia mudado. Ela me lançava um ar intimidador e escancarado de indignação.
- Desde quando Gabriel ? Desde quando vocês fazem aquilo ?
- "Aquilo" ? Porque a senhora... - fui interrompido por ela:
- Gabriel, me poupe. Eu vi tudo, tudo o que vocês fizeram, tudo o que vocês conversaram agora estou começando a entender o motivo de tantos passeios juntos. Você acha que eu não sei o acontece dentro da minha própria casa ?
Ela então ficou com a voz trêmula, como de quem ia chorar.
- Ontem de noite, assim que você foi se deitar, todo mundo resolveu seguir seu exemplo de ir dormir também. Enzo começou a me ajudar arrumando os colchões para eles na sala. Assim que terminamos, Enzo foi para o quarto. Eu fui tomar um banho então e quando eu passei pela porta do quarto de Enzo ouvi toda a discussão por conta de uma ligação. Eu sei que não é certo ouvir a conversa dos outros, mas era com o meu filho que você estava brigando. É obrigação minha, como mãe saber de tudo o que acontece. Tudo, tudo, tudo...
Neste momento minha tia já estava envolta por lágrimas e estávamos em uma disputa acirradíssima para quem chorava mais.
- Eu não acreditei no que estava ouvindo - indagou ela apontado o dedo em minha direção, como o grande irmão do clássico 1984 de George Orwell - e então abri a porta lentamente com uma de minhas chaves extras e ainda... constatei aquilo - depois de um longo tempo em silêncio, ela concluiu - Aonde será que eu errei ? Sempre dei de tudo pra este infeliz, amor, carinho, atenção... E o desgraçado me dá um desgosto destes ?
Naquela altura, eu já estava um lixo, morrendo de vergonha e minha tia lembrava-se sempre de me por no meu lugar.
- Gabriel, a partir de hoje você dorme na sala. Não quero nem que você pense em se aproximar do meu filho. E quando seus pais chegarem para o réveillon, teremos uma longa conversa. Até lá, se eu souber que alguém além de nós três souber sobre vocês dois, eu nem sei o que eu faço.
Quando ouvi minha tia dizer "além de nós três" confesso que fiquei muito mais tranquilo. Mas me sentindo humilhado. Fui retratado como um monstro por ela. E perante seu olhos, eu era o culpado do filho dela ser homossexual.
Tomei um banho demorado e depois fiquei durante mais dez minutos ensaiando expressões na frente do espelho. Controlando o choro. Assim que abri a porta, lá estava ela sentada na cama. Ela jogou minha roupa aos meus pés para que eu não me desse ao trabalho de entrar no quarto de Enzo para pegá-las. Me troquei então e fui para a sala. Lá disfarcei muito bem. Eram dezoito anos com enganações a mim mesmo. De fato, em ao menos isto, eu era bom. Cansado de tudo aquilo, sai da casa e fui caminhar um pouco. Fui até os trilhos que Enzo me levaria, se não tivéssemos parado entre o caminho. O lugar era lindo: havia uma Ponte enorme de ferro sobre um rio de porte pequeno e de águas turbas. A estrutura enferrujada dava um charme a parte. Me sentei então sobre aquela Ponte, e deixei meus pés balançando no ar. Naquele momento eu não tinha mais nenhuma lágrima e em varias vezes pensei em me jogar contra aquelas pedras. Ouvi então uma movimentação incomum no mato: era Enzo caindo. Algumas raízes haviam ficadas presas em sua perna, e ele logo soltou um berro seguida de uma estendida gargalhada. Ainda rindo, ele se aproximou de mim, sentou-se ao meu lado, e juntos ficamos olhando para o rio.
- O que está ouvindo ? - disse Enzo, já puxando um de meus fones.
- Killing me do The Kooks.
- Credo cara! Que deprimente.
- A ocasião merece...
- Porquê? Aconteceu alguma coisa que eu não saiba ?
Respirei bem fundo, desliguei o iPod e contei, com riqueza de detalhes, sobre a conversa com minha tia. Enzo começou a ficar com vergonha da atitude de sua mãe e agitado. Abracei-o bem forte enquanto cochichava em seu ouvido: "tá vendo o que você me faz passar por amor?". Ficamos ali abraçados por um bom tempo, até que o mato começou a se mecher de maneira incomum novamente, e logo denunciado por um espirro feminino. Sem ligar para aproximação de minha tia, coloquei minha cabeça em seu colo enquanto ele me fazia um cafuné. Ficamos aproveitando desta forma os prováveis últimos minutos juntos. Até que a mãe dele de fato chegou:
- Enzo ? O que você esta fazendo aqui ? Você devia estar em casa - ela conversava com meu primo como se eu nem estivesse ali, o que Enzo por sua vez, fazia o mesmo com ela: fingia que ela nem existia - Enzo ? Eu estou falando com você...
Me levantei então do colo de Enzo, e saí por orientações dele mesmo. Subi um morro bastante íngreme para ver a cidade de lá do alto. Lá do alto, não pude ouvir nada, mas ver os dois discutindo bravamente. Assistia a tudo aquilo e me sentia de fato como o causador de tudo isto. Enzo então abraçou sua mãe forçadamente que se debatia feito um peixe fora d'água em seus braços. Era emocionante vê-los. Se eu tivesse sentimentos naquele momento, até me pronunciaria, mas fiquei só a observar mesmo. Depois de uns quarenta minutos mais ou menos, minha tia Elza se foi e Enzo lá de baixo acenava para mim. Ele então começou a subir o barranco, e assim que sua cabeça apontou, ele começou a correr na minha direção repetindo "problema resolvido, problema resolvido". Assim que ele chegou perto, ele caiu, tropeçando em um cupinzeiro, ele era bastante desastrado, mas não perdia sua majestade mesmo ao chão. Ele então queria começar a falar, mas me poupei de suas palavras e o beijei. Aqueles beijos bem curtos, que nos obrigam a beijar mais e mais. Dei este único beijo curto nele, e logo fui atacado, no bom sentido, por ele. Ficamos ali, deitados nos beijando por um bom tempo. Nos agarrávamos, nos abraçávamos, e rolávamos naquela vegetação rasteira típica do serrado. Enzo e eu então ficamos decifrando formas de nuvens durante um bom tempo, e ao entardecer assistimos juntos ao por do sol e a chegada das primeiras estrelas. Estava tudo muito bom ali com ele, quando ele me faz uma pergunta:
- Gabriel, você quer namorar comigo ?