“... Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o diaNão ames como os homens amam.
Não ames com amor.
Amor sem amor.
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosses outroNão faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
és o de todos os caminhos...”
Cecília Meireles
Deus scit quid faciat...
Acreditam em amor a primeira vista? Ou preferem acreditar que um amor deve ser construído com o tempo? Acreditam em alma gêmea, em companhia perfeita? Bom, não sei em que devo acreditar, no mundo só há o que há, não? Acreditam em Deus? Na Verdade Absoluta? Em papai Noel? No mundo há muitas crenças, poucas certas. Mas uma é certa, verdadeira e absoluta: a crença no amor. Qualquer que seja. O amor grego, dividido em três: Agape, o Incondicional, Philios, o Fraternal, e Eros, o Sexual; o amor platônico, o amor caridade, o materno, o para com o estranho, seja como for, existe. Nele se fundamentam o mundo, as religiões, as filosofias, tudo se move em torno de uma causa, o Amor. As ramificações deste levaram à corrupção de algumas formas, levaram ao fanatismo. Mas o mesmo não deixa de existir, mesmo que seja como força motriz para causas que não visam o bem. Ao menos é o que penso. Alguns poderão concordar, outros não. Mas ainda assim falo, e não me importo em demasia com a opinião alheia: se fosse me importar com tudo ao ponto de procurar discutir detalhes, não teria tempo para tarefas mais importantes, tais como... comprar meias. Acho incrível como o preço das meias tem aumentado exorbitantemente, enquanto a qualidade cai em queda livre! Ahn... mudei de assunto. Voltando ao amor, certo dia, lendo a Bíblia - aconselho, sejam de quaisquer religiões que sejam, tendo a crença que tiverem, que leiam a Bíblia, não como livro católico, ou cristão, mas como manual da vida. Simplesmente não importa o quanto leiam, não vão entender com perfeição, não vão compreender tudo, pois há muito a se abstrair, de acordo com o que você sente, de acordo com a época em que você se encontra. Mas a Bíblia, acima de tudo, ensina a amar. Enfim, retomando – reli uma passagem, 1 ad Corinthios, 13, que, em latim, dizia:
4 – Caritas patiens est, benigna est. Caritas non aemulatur, non agit perperam, non inflatur,
5 – non est ambitiosa, non quaerit quae sua sunt, non irritatur, non cogitat malum;
6 – non gaudet super iniquitate, congaudet autem veritati;
7 – Omnia suffer, Omnia credit, Omnia sperat, Omnia sustinet,
8 – Caritas numquam excidit; sive prophetiae evacuabuntur; sive lignae cessabunt; sive scientia destruetur.
(O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá.)
Devem conhecer esta passagem, ela sucede aquela famosa, “Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos...”. Qual o sentido disso tudo, desse grande discurso? Tocar os vossos corações? Não. Mas tentar introduzir o assunto a seguir: Luiz, como se vocês já não soubessem. Mas, caso tenha tocado o coração de alguém, fico satisfeito por mudá-lo, e espero que tenha sido p’ra melhor. Retomando, mais uma vez, algo precisa ser feito, percebi que ele guarda algum sentimento um pouco mais forte que amizade por mim. Se correspondo? Não. Não me queiram mal, acontece que eu o amo, mas como amigo! Não posso vê-lo como amante, ficante, namorado, noivo, marido! Não dá, não consigo, não sou gay. Na verdade, sinto muito mais tesão na Kelly. Mas, como disse, creio também no amor construído, como já vi em uma telenovela da rede Globo, o amor não precisa ser uma panela com água fervente sob o sol, que com o tempo, tende a esfriar, mas pode ser uma panela de água fria, que, com a ajuda e o calor de ambas as partes, esquenta. Se irei dar-lhe uma chance? Não sei, o tempo dirá. Quem sabe, ao final deste mesmo causo eu mude de ideia (ainda não me conformei com a perda desse acento, muito menos com a abolição do trema. Sinceramente, conformar-me-ia muito mais com o sumiço do Lewandowski.), não é mesmo? Como está na introdução deste texto, Deus scit quid faciat, Deus sabe o que faz. E, com relação ao texto, acho que dessa vez exagerei no tamanho.
Confesso que achei a cena engraçada, aquele rapagão, bem mais alto que eu, ali, deitado em meu colo, com o rosto inchado pelas lágrimas. Via ali uma criança, carente, necessitada de atenção, de amor. Ele dormia tão serenamente... Acariciei-o os cabelos. Pus sua cabeça com cuidado num travesseiro, de modo a não o acordar. Dei uma rápida espiada no quarto: nada ostentativo, paredes de um tom azul bem claro, iluminadas pela luz do sol que entrava pelas grandes janelas abertas, dando um frescor ao ambiente devido a constante circulação de ar, um computador em cima de uma escrivaninha bem espaçosa, de modo que ainda coubessem alguns livros para estudar. O material escolar encontrava-se no canto do quarto, em um pequeno armário. Algumas prateleiras brancas com livros, vários volumes dessas séries mais atuais: Game of Thrones, Harry Potter, a saga Twilight (não sei como... Nada contra, até já tentei ler, mas não dá, não me entrou na cabeça.), e afins. Fiquei espantado ao ver um exemplar de As Dores do Mundo, de Schopenhauer. Também identifiquei alguns de Paulo Coelho (não tinha melhor?). Outra prateleira com CD’s de músicas, de todos os estilos, do erudito ao rock progressivo. Outra com filmes, antigos e atuais – aquilo ali é Brokeback Mountain? – o que totalizavam três prateleiras. Seu gosto altamente eclético me espantou, nem em sonhos eu poderia gostar de coisas tão diferentes assim...
Desci. Encontrei Kelly sentada no sofá da sala, catando os cacos de um jarro de vidro que caíra da mesa, inexplicavelmente. Ela me avistou e, prontamente, pôs-se erguida. Segurava uma pá em suas mãos, seu olhar para mim era de convalescença.
- Ele te contou alguma coisa?
- Sim.
- E então?
- Então nada, ora pois...
- Como assim então nada? Olha, com muito pesar eu digo isso: Rafael, ele te ama. Por mais que eu também te queira p’ra mim (dei o meu sorriso mais safado que pude)... Não olhas assim p’ra mim, certo?
- Mas Kelly, eu não amo o teu irmão, e até onde sei, sou heterossexual, o que você quer que eu faça? Ela começou a ficar estressada.
- Faça o que é certo! O que você achar que convém! Mas eu te aviso, meu irmão sofreu muito nas mãos dos meus pais – disso eu não sabia -, e caso você pense em ser incluído nessa turma deles dois, eu juro, perderá esse teu brinquedinho muito antes de poder enfiá-lo em buraco algum, ouviu bem? Garotinha feroz...
- Tudo bem, vossa majestade.
- Idiota. Ela deu um risinho, preferi crer que aquilo fosse uma autorização, e me aproximei.
- Nem mais um passo.
- Só um beijinho, por favor? Aquela mulher era mais macha (sim, isso existe) que eu, credo... Ela me agarrou pela cintura, tomando a posição natural de um homem e tendo garantia sobre todas as iniciativas.
- Agora chega, meus pais devem estar chegando.
Escuto um barulho seco vindo do andar de cima, com um lamento de dor logo atrás desse. Corri, e encontrei ele prostrado no chão, com um de seus pés preso ao lençol da cama. Sou malvado, eu sei. Desatei a dar risadas, enquanto ele me lançava um olhar de raiva, concomitantemente à tentativa frustrada de fazer uma cara de raiva, mas o máximo que obteve de sucesso foi um pequeno bico. Achei aquela cena cômica, e fofa, se me permitem. O mais intimidador era um arranhão em sua bochecha causado por uma fenda entre duas das tábuas de madeira que compunham seu piso. Não foi mais tão engraçado. Desatei seu pé, agarrei-o por entre suas axilas e o levantei. Apesar do tamanho, sou bem forte, creio que até mais que ele. Como? Eu não sei. Fi-lo sentar na cama e limpei seu ferimento. Corri até a cozinha, peguei um pouco de álcool e algodão. Ele praguejou quando encostei em sua bochecha. Olhei em seus olhos, firmemente, e ele se acalmou.
- Obrigado...
- Não tem de quê. Instalou-se um silêncio chato. Até que eu criei coragem e disse:
- Quer conversar?
- Quero pedir desculpas pelo ocorrido.
- Não há o que desculpar. Mas acho que você poderia ter sido mais sincero desde o início.
- É que... eu não sei o que dizer...
- Então me diz apenas se o que combinamos hoje ainda está de pé. Ele sorriu timidamente.
- Se você quiser...
- Então vou a minha casa, me arrumar mais uma vez, não esperava isso tudo, além disso, você me deixou encharcado de lágrimas e minha camisa completamente almogada.
- Hã?
- Amassada...
- Ah, fale português então – deu um pequeno sorriso, a medida que corava por ter entendido o que eu disse. – Err, desculpe, de novo...
- De novo, não há o que desculpar. Agora vai, apronta-te, que eu adoraria assistir a um filme no cinema com a tua companhia. Quando terminares, vamos até minha casa.
- ‘Tá certo... Ele estava um tanto triste, mas ao mesmo tempo alegre.
Dei um abraço nele, beijei-o o pescoço – só até onde posso, coisa chata, quem mandou ele ser tão alto... – e saí. Ele ficou visivelmente constrangido, pelo visto não está habituado a muitas demonstrações de afeto e foi tomar seu banho.
- E então?
- Então nada. Levá-lo-ei até minha casa e então iremos ao cinema.
- Hum, que romântico... E você é a única pessoa que conheço que utiliza a mesóclise.
- Sou antiquado, dos que pede em casamento antes do sexo e todo o resto... Consegui fazer aquela muralha ruir, pois vi que ela ficou envergonhada.
Conversei algumas banalidades com ela e resolvi subir, ver se ele estava pronto. Ele estava agachado em seu guarda-roupas, procurando uma cueca, com a toalha envolta em sua cintura. Parei um pouco para notar os pingos que escorriam de seus cabelos molhados por suas costas e chegavam até o... paro por aí. Ele se levantou, após escolher a cueca, e deixou a toalha cair, ainda de costas e sem me ver. Desci meu olhar de suas costas até suas nádegas, firmes, não grandes, mas redondinhas. Estranhei o pensamento e o desviei. Pigarreei, para que ele identificasse a minha presença. E ele o fez, assustado e branco.
- Ah, eu já vi o da frente, tinha que ver o que há atrás, não é? Ficando vermelho em 3,E-e-e-e-u n-não te vi-vi... Ih, começou a gaguejar.
- Liga não, mas não fica roxo, por favor? Além do mais, tua bundinha é bem bonitinha... Foi proposital. Sabia da transição de cores que ocorreriam em pouco...
- Com licença... Ele falou entre os dentes, como que em uma ameaça.
- Como quiser, já estou de saída.
Ouvi um guincho vindo do quarto. Pensei que fosse desmaiar, mas não. Desci até a sala e novamente, lá estava ela.
- O que foi esse barulho?
- O início de um ataque epiléptico. Falei como se fosse normal, arrancando dela uma expressão cômica de desespero.
- Hã? Como assim?
No momento seguinte ele desceu, já vestido, e muito bonito, por sinal.
- Luiz? Você se engasgou? Por que está roxo desse jeito?
Desatei a rir. Ela me olhou com um aspecto no mínimo homicida, e resolvi que era hora de sair. Puxei-o pelo braço e fomos até minha casa, que, por sinal, deixou Luiz Octávio embasbacado.
- Poxa, que casa imensa!
- Sinta como se fosse sua.
Encaminhamo-nos ao meu quarto. Permiti que ele ficasse a ver minhas coisas. Fui tomar outro banho e saí. Tenho o costume de sair nu, e esqueci que ele estava em meu quarto. Não sou um pugilista, mas meu físico não é ruim. Normal, como disse. Não pratico esportes, mas costumo fazer alguns exercícios no tempo livre, abdominais e o resto. Não quero ter uma artéria entupida tão cedo, e nem uma barriga flácida. Esses exercícios me conferiram boas divisões, mas nada exagerado. Saí do banheiro, como vim ao mundo. Ele mexia do celular, de cabeça baixa. Ao me perceber, levantou-a, prestes a dizer algo. Alguém arrisca dizer o quê? Obviamente, nada. A frase morreu ao me ver naquele estado. Olhei p’ra ele, que estava estático. Ignorei. Terminei de me vestir, pus um perfume. Chamei-o para sairmos. Ele hesitou, disse que iria já, que eu fosse na frente. Puxei-o, desprevenido, e ele ficou de pé. Entendi o motivo de ele ter titubeado. Formava-se um nítido volume em suas calças e, devido a posição em que se encontrava seu pênis – não estava de lado, mas de frente –, era simplesmente impossível ignorar aquilo. Ameacei rir, mas vi que dessa vez ele não gostaria muito. E estava muito duro. Vendo que ele não teria iniciativa nenhuma, senão enrubescer, fui até ele e – o que deu em mim mesmo, hein? – abri-lhe o zíper, peguei seu membro rijo e ajeitei-o em sua cueca. Meu semblante estava altamente sereno, de modo que ele tentou decifrar meu olhar, mas simplesmente havia nada a ser decifrado. Ele continuou constrangido, mas relaxou um pouco depois que olhei para ele e soltei um pequeno riso de deboche.
- Agora vamos? Ele assentiu com a cabeça, seguindo-me, extremamente perto de mim.
Minha mãe estava em casa e não queria que ela visse Luiz excitado, então ele praticamente grudou em mim. Ele estava lá, sentado numa poltrona, no meio da sala.
- Seu Ian, pode deixar a mim e ao meu colega em algum shopping por aqui?
- Claro, garoto, sabe que estou sempre às suas ordens!
Ian era o motorista da família. Um homem com seus 35 anos. Trabalhava para meu pai desde antes de eu nascer, e era muito apegado a nós e vice-e-versa. Alguns cabelos brancos já invadiam sua cabeça, seu rosto afilado, seu sorriso sempre estampado davam um ar jovial e simpático. Mas ele é muito só, coitado. Perdeu os pais e o irmão muito cedo, então meu pai o contratou como motorista. Sua noiva também veio a falecer, e desde então não tem relacionamentos. Ele é como meu segundo pai.
- Eu não sabia que você era tão rico. Disse-me Luiz ao ver o carro em que iríamos. Um desses sedans luxuosos por aí, detesto carros. Ora mais vejam, pai envolvido com política, poderia ter outro resultado? Mas ponho minha mão no fogo por ele. A ficha dele é impecável, acontece que ele é um excelente investidor: sabe o exato momento de aplicar e retirar algum dinheiro. E sempre economizou muito, só passou a esbanjar depois que nos mudamos.
- E faria alguma diferença?
- Claro que não.
Entramos no carro. Luiz não largava um sorriso bobo que vinha carregando em seus lábios, e isso também me deixou feliz. Aí está uma ótima definição p’ro amor, não? Encontrar a felicidade no sorriso do outro? Recostei-me em seu ombro. Pelo espelho retrovisor, vi que Ian me olhava, também com um sorrisinho, como se perguntasse se era o que ele realmente pensava. Não neguei, não assenti. Limitei-me a olhar para ele e retribuir o sorriso. Chegamos.
O shopping era imenso, centenas de lojas, uma enorme praça de alimentação, incontáveis escadas rolantes. Uma decoração moderna, fontes ornamentando o local, tudo isso dava um ar agradável e consumista, como se a última preocupação de uma pessoa fosse o limite do cartão.
- Fome?
- Uhum...
- E então, Luiz, quer comer o quê?
- Tanto faz.
- Está afim de uma pizza, ou McDonal’s mesmo? (Detesto! Mas, ainda assim, tive de perguntar.)
- Pizza, não? Aleluia!
- Ótimo. Detesto McDonald’s.
- Então ofereceu por quê?
- Educação?!
- Então vamos, menininho educado. Ele está realmente fazendo chacota comigo?
A pizza estava divina. Conversamos bastante, coisas quaisquer.
- Garçom, a conta!
- Aqui. Nada mais, senhores? Moço simpático...
- Não, não, obrigado.
- Então certo. Voltem sempre!
- Quanto deu, Rafael?
- Tornaste-te auditor da Receita?
- Não, imbecil, mas como eu vou pagar?
- Pagar? Se eu bem me lembro, eu te convidei. Não pagarás coisa alguma.
- Hã? Claro que não...
- Já está dito, hoje, tudo é por minha conta.
- Isso não é justo! Ele fez bico. Ri, e levantei.
Fomos ao cinema. Uma comédia romântica brasileira, não lembro ao certo o nome. Próximo ao fim, como de praxe, aquela parte água com açúcar. E ele chorou. Como assim? Pensei que ele fosse mais... forte. Depois de todo aquele papo do texto anterior, sobre o mundo real, e tudo mais... Enfim, ele chorou. Não foi escandaloso, só aquela lágrima que caiu sem permissão. Alguns podem achar que eu rirei. Bem que o momento cabia. Mas não, ali, só pude perceber o quão ele era frágil, dependente... Eu o abracei, e mais uma vez fiz ele se acomodar em mim. Fomos embora, ele estava extremamente cansado (de quê? Não fez nada o dia inteiro!) e reclamava. Liguei para Ian.
- Quer dormir lá em casa? Diz que sim, vai?
- Tudo bem. Ian, o senhor avisa a minha mãe que hoje vou dormir na casa do Luiz, certo?
- Claro que aviso, senhor pequenino! Por que, meu Deus, ele foi falar isso?!
- Como assim, senhor pequenino, Rafael? Dessa eu não sabia! Eu acho que quem ruborizou dessa vez, fui eu.
- Nós vamos ter de renegociar esse teu salário, viu?
E nós fomos, o resto do caminho em paz.