Enzo estava agitado na cadeira, e não disse uma só palavra enquanto minha vó não saiu.
- Porquê você contou pra ela sobre a gente ? Você é doido ?
- Oi pra você também, viu ? Pelo menos nela eu posso confiar, sabe...
- Você me deixou preocupado.
- Rá Rá Rá - ri ironicamente alto - preocupado ? E você costuma ver que eu existo apenas quando sua namoradinha vai embora ?
- Gabriel, não implica, ela não é minha namorada não.
- Não é mais já foi, porque o que não falta nesta casa é foto de vocês dois se amassando.
- Você andou mexendo nas minhas coisas ?
- O problema em questão não é o mexer ou não mexer, o problema é que temos um problema...
Enzo começou seu discurso hipócrita defendo a ele mesmo, "ela é uma amiga" "agente não fez nada de mais" "eu estava disfarçando para a família não perceber a gente"... Eu simplesmente ouvi aquilo sem dar importância alguma, virei de lado na cama, e fechei os olhos para voltar a dormir. Enzo ficou furioso, e me cutucando na cama a todo instante. Ele então cansado de se defender, decidiu assumir sua culpa, e eu ainda neutro. Ele começou a ficar nervoso, e a chorar de raiva. Disse pra ele que se ele quisesse disfarçar, tudo bem, mas me falasse antes, eu não esperava aquilo e fiquei muito chateado. Ele me disse então que por conta de seu pai havia ficado com aquela garota. Disse que seu pai ficava insistindo muito, e depois que ele fugia, começou a desconfiar e por isso ele tinha ficado com a garota.
Levantei da cama, peguei ele pela camisa e fui o empurrando até a parede. Coloquei meu ante-braço em sua garganta e comecei a gritar alguns nomes feios. Dentre as coisas mais relevantes, disse que ele era um viadinho influenciável e sem opinião. E que o medinho dele, estava acabando com a nossa relação recíproca. Não sei o que acontece comigo, mas quando estou nervoso fico falando difícil, não entendo. Ele então ainda na parede sendo atingido pelas minhas ofensas e babas em seu rosto, começou a chorar e implorar perdão. Fiquei com tanta raiva, que dei um soco na barriga dele. Ele levou as mãos até a mesma, e ainda no chão implorava meu perdão. Eu fiz jogo duro, "você pensa que é assim, faz todas suas cagadas e depois é só pedir perdão?" e ele ficava chorando sentado no chão. Me sentei na cama novamente de costas para ele, e seu choro não parava, apenas se intensificava. Depois ele começou a soluçar muito enquanto chorava, muito mesmo, daí o fiz levantar gritando. Ele logo ficou quieto, e eu disse que o perdoava. Mas que daríamos um tempo, eu ainda estava muito chateado. Ele veio me abraçar e eu o ignorei, pedi para que ele saísse do quarto. Ele se negou, e ficou sentado aos pés da cama e disse que só sairia dali se eu realmente o perdoasse. Expliquei para ele que não era simples assim as coisas, que ele tinha um namorado, e que não podia sair fazendo as coisas por ai sem me contar. Ele ficou chorando em silêncio ao pé da cama ainda. Eu não suporto ver homem chorar, mas não queria ignorar meu orgulho e meter um beijo na boca dele dizendo que não tinha problema, ainda mais porque era um baita problema. Ainda chorando ele repetia que era um idiota, retardado e ficava se ofendendo. Percebi que ele estava realmente arrependido e me sentei do seu lado. Ele se retraiu todo e ficou em silêncio deixando apenas suas lagrimas escorrerem. Comecei a chingar ele com todos os nomes que eu sabia, ofendi-o até concluir que amava ele demais pra ficar Bravo com ele. Ele me abraçou, mas eu não o abracei, apenas deixei meu braços em seu corpo. Ele veio me beijar e eu virei o rosto. Ele fingiu que começou a chorar, daí eu fiquei com pena, pensando que era verdade, daí quando eu levantei seu rosto ele estava rindo de mim. Dei outro soco na barriga dele, mas ele continuava rindo e resmungando "você me ama!". Ele me empurrou para trás e desta vez e tentou me beijar forçadamente. Eu repetia que não queria encostar naquela boca que estava grudada com aquela vadia e resisti a sua tentativa. Ele disse que já tinha limpado tudo, inclusive com água fervente, enxaguantes e cremes dentais. Não cedi e o expulsei forçadamente do quarto, ele resistiu ao máximo e eu comecei a empurrá-lo para fora do quarto. Ali sozinho, me senti mais aliviado. Mas conforme eu me lembrava da noite anterior, com mais raiva eu ficava de Enzo. Tomei um banho gelado para acalmar os nervos, e de dentro do banheiro ouvia meu Skype apitando no celular. Atendi ainda enrolado na toalha: era Flávio.
- Uau! Você tem um belo corpo.
- Como sempre engraçadinho não é ?
- Que carinha é esta ? O moleque do seu namorado está brincando ao invés de te dar atenção ?
- Mais ou menos isto hein cara. Mas fazer o que ? Vou ter que dar o troco...
- E como você pretende isto ?
- Assunto para outro dia. Agora me dê licensa que eu vou me trocar.
- Não precisa ficar envergonhado não, se troca ai mesmo.
- Não vai ser hoje que você assistirá meu show. Tchau cara. Tchau...
Foi o tempo de eu fechar meu Skype para receber a ligação de Flávio, coloquei então no viva-voz e ficamos conversando enquanto eu me trocava. Flávio ficava vendendo seu peixe para que eu namorasse com ele, em uma de suas frases marcantes "você deve namorar um cara maduro, chega desses moleques ai que você arruma", era a mais relevante. Enzo estava batendo na porta, eu fiz questão de abrir enquanto falava com Flávio, abri a porta e logo em seguida respondi:
- Estou disposto a comprovar se é tudo verdade o que você me diz, ou não passa de uma propaganda fajuta. Espere até eu voltar de viagem, daí agente conversa melhor.
Enzo ouviu aquilo em silêncio, e depois que eu desliguei resmungou:
- Como é que é ? Você combinando com este cara de novo ?
- Quem é você pra me falar alguma coisa ?
- Tá, eu já disse que estava errado e você me perdoou, agora porque fica falando com esse otário ai ?
- Sim, eu te perdoei. Mas não significa que eu queira namorar com você ainda.
Enzo ficou sem palavras.
- Você não só me traiu, traiu minha confiança, jogou fora nossa relação, ignorou meus sentimentos e ainda quer que fiquemos juntos ? Por favor né rapaz, tenha paciência.
- Eu que te peço paciência. Eu sou capaz de tudo para não te perder Gabriel.
- Tudo ? Flávio já está na sua frente anos luz.
- Para de falar neste desgraçado!
- Ué, tá vendo como é ruim se sentir traído, agora imagina quando eu fizer isto na prática.
- O que ? Você quer me trair ? Quer saber, eu tô tacando fodasse pra você. Seja feliz!
- Vou ser, ei de ser muito feliz ainda...
Ele então começou a sair do quarto, mas deu meia volta e voltou dizendo:
- Pelo amor de Deus, eu não vivo mais sem você, eu estou implorando seu perdão, implorando...
- Voce me magoou muito Enzo, mas mesmo assim, eu já te perdoei, só não quero mais nada com você.
- Qualquer coisa - interrompi Enzo:
- Não prometa coisas que não pode cumprir. Vai ser melhor assim, pra você e pra mim.
- Você quer me ver sofrendo ?
- Assim como você me quis. Me ignorando e comendo aquela vadia.
- Eu não queria isto cara, eu juro.
- Você é um moleque mesmo hein, não assume nem seus próprios erros, nem suas ações.
- Você acha que agindo desta maneira vai estar feliz Gabriel ?
- Eu sei muito bem me virar, e caso precise de ajuda, tenho com quem contar.
- Voce será mais feliz comigo.
- Rá Rá Rá, seu otimismo é comovente...
- Sua mãe deve sentiria orgulho de te ver agora.
- Ah, então é assim, não consegue resolver seus problemas e fica colocando minha mãe no meio ? Vou só te dizer uma coisa, minha mãe é digna demais pra estar na boca de qualquer filha da puta. Acho bom você pensar duas vezes antes de falar dela.
Enzo disse algo muito difícil para mim, bem fútil mas que tem um significado especial. Quando ouvi aquilo, fiquei em silêncio, ele continuava e continuava a dizer e eu ficava ainda mais em silêncio e sem me mover. Senti então que o chão desaparecera e um turbilhão de emoções diferentes surgiram, em seguida a raiva tomou conta de mim, e fui pra cima de Enzo, eu me lembro que acertei sua boca, peito, barriga e ainda chutei seu saco. Ele então me abraçou todo machucado e me consolou enquanto eu chorava. Ele ainda me dizia alguma coisa, mais eu não entendi nada, fiquei ali no chão abraçando fortemente seu corpo. É difícil pra mim contar, então não vou entrar em detalhes. Minha mãe morreu quando eu tinha treze anos durante um parto do meu futuro ex-irmão. Os dois morreram no parto, e minha mãe pediu para que uma das enfermeiras escrevessem uma carta dela enquanto ela dizia, já que não podíamos entrar para ver ela na sala de cirurgia. Daí eu tenho uma cópia daquela carta e carrego em minha carteira, Enzo deve ter pegado e me disse os pontos mais importantes daquela carta. Ele foi muito baixo, mas me arrependi de ter batido nele. Quando vi sua boca ensanguentada, me bateu um desespero, que limpei com minha camiseta, corri para o banheiro, molhei a mesma, e limpei todo o sangue. Com a outra parte eu limpei seu rosto, enquanto comprimia área que sangrava.
- Me desculpa meu amor, me desculpa, eu não... devia ter te batido, eu estou louco. Eu te perdoo, eu tambem não vivo sem você.
- Nossa, você é forte.
- Para com isso, ta doendo muito ?
- A pior dor já passou. A dor de te perder, caso você não entenda...
- Você esta me chamando de burro, é claro que eu entendi piá. Me desculpa, eu nem sei o que eu fiz.
- Relaxa Gabriel, eu merecia.
- E merece muito mais ainda. E você não devia mexer nas minhas coisas.
- E você não devia mexer nas minhas coisas também.
Depois de um bom tempo ali no chão, ele deitado em meu colo e eu fazendo cafuné nele, ele pediu para que eu me levantasse e ajudasse ele também. Em seguida, ele me disse que desta vez, seria tudo diferente, que não cometeria os mesmos erros, me fez promessas e disse que queria oficializar tudo. Começaria falando com seu pai, e depois esclareceria de vez para sua mãe. Consequentemente eu deveria falar com meu pai também, minha madrasta era super gente boa, e ela entenderia fácil fácil, mas não saberia nem a reação do meu pai, então relutei o máximo possível e adiei esta etapa, assim digamos, para o mais tardar possível, para não dizer nunca...
Depois, estando nós dois bem mais calmos, eu disse a Enzo que mesmo o amando muito, e mesmo sabendo que ele tinha planos para nós dois e eu não estar mais bravo com ele, decidi me afastar dele. Por uma questão de orgulho. Disse que se ele quisesse ter algo comigo novamente, que teria que me conquistar. Pois eu estava bastante inseguro em relação a ele e não estava afim de sofrer de novo. Ele tentou se pronunciar, mas eu mandei ele calar a boca e o expulsei do quarto antes que pudesse fazer alguma coisa. Isto seria bom para testá-lo, mesmo assim, eu seria o cara mais difícil que ele conheceria e não daria moleza nenhuma pra ele aprender uma lição. Depois que ele saiu do quarto com a boca inchada, sua mãe veio correndo no quarto implicar comigo, tive vontade de mandar aquele vadia a merda, mas Enzo entrou e disse, "eu merecia muito, mais muito mais mesmo mãe, agora vem, deixa ele em paz". Ele tinha começado bem...
Peguei algumas roupas no quarto de Enzo, e as deixei no quarto de minha vó, tomei um banho caprichado e fui dar um passeio na pacata cidade. Quando eu estava saindo pela porta, minha vó veio com meu celular em uma das mãos correndo em minha direção. Atendi e comecei a conversar com Flávio enquanto andava. Flávio é um rapaz muito simpático, gosto de conversar com ele, pois, têm um bom papo. Ele fala bem, lê bastante, é culto e muito educado, além de bem humorado. Tinha também um jeito simples e agradável, embora um pouco convencido por ironias em alguns momentos, era muito gostoso conversar com ele. Aquela altura, eu já contara pra ele sobre o jogo duro que estava a fazer com Enzo e fui orientado para não facilitar de forma alguma. Depois de tomar um sorvete, voltei para casa e Enzo estava me esperando na calçada. Ficamos sentados ali conversando e por vários momentos fiquei o comparando a Flávio. Ele não tinha um papo tão direto, ele era mais infantil, mais moleque, seus assuntos sérios eram regados de humor, o que não é bom. Percebi então que não parava de pensar em Flávio; pedi licença e me dirigi a varanda da casa rapidamente, enquanto discava seu número.