— Eu não sou o Armando, tio João! Eu sou Emmet.
— Bah, mas eu nunca falei do Armando pra ti! Exceto quan... Porque você sempre me chamas de tio? — o olhei fingindo desentendimento — E o mar, sonhos... O pai do Armando, o pai do Armando ele dizia tais frases! Você... Você! É você, Ar...
— Não! Eu não sou o Armando que você chamou em um delírio. Mas eu o conheci. — tio João me olhou assustado e eu me levantei — Ele era um interno do centro de cura. E como todos sabem, eu passei minha adolescência lá.
— O Armando no centro? Victória maldita! Ela prometeu que... Como ele ficou? Ele conseguiu sobreviver? O que aconteceu com ele? Responde piá!
Tio João se levantou, me segurando fortemente e cravando suas unhas em meus braços, com o rosto avermelhado e as veias expostas, me sacudindo. Dei uma joelhada na boca de seu estômago e o empurrei, o fazendo cair na areia.
— Sorry. Mas acho que ele gostaria que você se afundasse nas dúvidas. E na culpa.
Acenei negativamente, virei-me de costas, desistindo da balada e indo pra casa.
E lá se foram seis dias que não encontrava Daniel. O principezinho tratou de sair todas as noites com Thiago para as baladas de Capeside. Costumava chegar bêbado as 06:00. Thiago o colocava no quarto e ia para o hotel. Daniel costumava acordar de ressaca as 16:00, e quando por fim teríamos nosso tempo, Thiago tratava de aparecer e fixar em casa até a noitada. Mas como um bom observador, tratei de quebrar tal rotina.
— Beautiful! — exclamei surgindo do nada, assustando Thiago que estava na sala indo para sua casa evitando fazer barulho — You’re so good friend, not? Reaviva um vício num amigo. Bebem todas! Mas mantêm-te sóbrio. E até o consegue trazer pra casa.
— Sabe como é né? Eu sempre fui mais forte na bebida do que o Daniel. Um gole e ele já... — apontou o polegar pra baixo assobiando — Mas eu já tava de saída.
— Onde mesmo você está hospedado? — perguntei o impedindo de sair.
— Hotel... Hotel... — titubeou — Hotel New Time! Fique a vontade pra checar.
— E eu deveria? Mas o mais curioso foi que estive lá há dias atrás. O Daniel não estava certo de morar aqui. Mas o dono disse que a cota de hóspede do mês já estava esgotada.
— Vai ver o dono não curta hóspedes com tua condição. Orientação... Preferência! — debochou.
— É... Isso é frustrante. — fingi tristeza — É o cúmulo, não me aceitarem por puro preconceito! Eu devia que tirar isso a limpo... Quando mesmo você se hospedou lá?
— Sei lá, meu irmão! — respondeu impaciente — Uma semana atrás, dez dias...
— Ué, mas você não chegou no dia em que procurou o Daniel que foi há seis dias atrás?
Sorri. A pele esbranquiçada de Thiago descorou e sua expressão foi tomada pela fúria:
— Qual é a tua, seu viado escroto! O que você quer, hein? Tas me tirando?!
— Não. Mas em breve vou tirar, amassar e esmagar empecilhos estúpidos como você. But, now go. E descanse bastante na cama do tal hotel.
Resolvi sair, mas Thiago segurou fortemente meus braços. Ia já golpeá-lo, quando notei que seu toque e olhar foram mudando. A brutalidade cedeu-se para um sorriso sensual cínico e um toque libertino. Ele mordeu o lábio inferior e com o outro braço apalpou discretamente o pau.
— E se eu entendesse a parte de descansar na cama como uma proposta?
— E é uma proposta. — aproximei meu corpo do seu e acariciei cinicamente seu pau, o olhando fixamente — Porém, a proposta é que eu vá pra minha cama, descanse, e você, à noite apareça, inconveniente como sempre, e me leve para a balada junto com vocês.
Sorri e saí em retirada. Ele tentou argumentar ou até mesmo me tocar, porém não lhe dei oportunidade. Fui para o meu quarto, deitei e dormi toda manhã/tarde e acordei bem disposto a noite. Mas ao levantar e procurar por Daniel uma surpresa: “FUI PESCAR COM THIAGO E DE LÁ PARTO PRA BALADA. VOLTO PELA MANHÃ TA, AMOR DA MINHA VIDA? HAHA BJO VIADO”. Good. A isca havia sido mordida.
— O bom filho ao antigo lar retorna. — disse Victória sorrindo prazerosamente para Thiago, no escritório de Conrado, em uma gravação de duas semanas atrás após a morte de Lídia — Quem a boca do meu filho eu quero que beije, a minha adoça.
— Pena que a minha esteja tão cheia de amargura! Ressentimentos! Você me afastou do Daniel, meu melhor amigo, o fez pensar que eu era um traíra! Eu tô me lixando pra você... Quero mesmo é que sinta na pele e que o Daniel nunca mais olhe pra tua cara!
— Sendo assim porque mesmo você está aqui? Escute-me, garoto, eu não tenho tempo! O meu querido filho está sob o mesmo teto que um pederasta que insiste em roubar a sua atenção e o meu trono! E eu necessito de aliados. E sei recompensá-los. Dentre as vagas lembranças, a sua amizade com ele que eu repudiei e findei, me fez notar que é mais decoroso suportar pequenos deslizes do que evidenciar a vergonha. Sua reserva no hotel New Time está feita. Não quero chamar atenção o hospedando aqui. Vá e aproxime-se de Daniel no momento ideal. E traga, pelo amor de Deus de uma vez por todas, o Daniel pra mim! E até mesmo pra você.
Thiago encarava Victória com ódio, mas acenou positivamente. Victória lhe deu um abraço sincero, porém ele não correspondeu. E foi nesse momento que Ellen entrou.
— Dona Victória, eu... — interrompeu-se e Victória largou Thiago — Eu volto outra...
— Não Ellen, fique. Eu solidarizo como quão está sendo angustiante o afastamento do Daniel para nós. E eu proponho, que juntas, como nora e sogra, e ao lado de Thiago, reviremos esse jogo.
Ellen olhou surpresa com a proposta de Victória e era nítida a sua tentação. Fechei o notebook. Não estava preparado. Sim, estávamos estremecidos, meu ódio quase a matou, mas a considerava amiga. Sua bondade era a prova de boas pessoas no mundo. E não podia me decepcionar. Nathan, que acompanhava tudo ao meu lado, provocou-me:
— Belo faro, gato selvagem! E grave descuido por não checar diariamente as imagens. Quem diria... Que a escada se transformaria em rampa andante podendo te levar ladeira a baixo! — riu cinicamente — Então loirinho vingador. O que você pretende fazer?
— Eliminar e destruir de uma vez por todas todos aqueles a quem me oferece perigo. Sejam obstáculos, sejam escadas. — determinei focado. — O Daniel é uma grande peça pra minha vingança. Não posso perdê-la. Descubra o histórico da vida desse tal Thiago. Erros, acertos, falhas... Preciso destruir a vida dele antes que ele destrua a minha.
— Minha brincadeira predileta! Mas que tal, dessa vez, eu dar as cartas dessa jogada?
— What the fuck are you talking about, Nathan? — perguntei impaciente.
— Calma, estou só pedindo um voto de confiança pra jogar sozinho dessa vez. Eliminar o inimigo lhe poupando de mais uma ruga de preocupação, chefinho. Diz que sim, vai...
Nathan se aproximou, sorrindo e aproximando tua boca da minha. Não estava com tempo para jogos. O impedi.
— Ok. Só não me decepcione, galego insuportável.
O sardento elevou suas sobrancelhas e deu um afetuoso beijo em meu rosto. O empurrei, rindo, e fui para o quarto. Mas não pra rotina ociosa. Afinal, a noite é uma criança peralta que procura travessuras às escuras.
As luzes piscando. A música alta. Os corpos movendo-se dançando. Nunca entendi a lógica de diversão das baladas. Mas entendia que não seria na pista que Daniel estaria, seria no bar. Pra localizar a balada foi fácil: GPS. Já para achar Daniel, segui o fluxo da parte mais movimentada do bar. Afinal ele estava sem camisa, todo suado, gritando e xingando todos em cima do balcão, visivelmente bêbado. Ao seu redor, uma cambada de gente filmando e rindo dele. Não acreditei ao ver Ellen ao lado de Thiago zelando o olhar pra Daniel. E eles também não acreditaram...
— Emmet! Ems, Ems! É você? (...) — perguntou Daniel rindo incrédulo quando me viu, descendo do balcão e vindo a minha direção cambaleando — É você! Meu amigo viado! (...) Ta gostosa hein?! — risos — Se fosse mulher... Presta atenção, se tu fosses mulher! Porra... Eu casava contigo agora! — risos — Amor da minha vida! Tiamúúú!
Daniel me abraçou e grudou sua boca na minha por um bom tempo, às vezes abrindo e mordendo meus lábios, sem pôr a língua. Começou a movimentar o quadril pra frente e pra trás, como se estivesse me fodendo, e caindo na gargalhada. Porém logo revirou os olhos. Se afastou. Deu um passo. Dois. Três passos pra trás. Pôs a mão na barriga e vomitou todo o álcool que estava em seu estômago. As pessoas se afastaram, com nojo, e Ellen o amparou. E ela me encarou num misto de decepção, ciúme e mágoa.
Um bom herdeiro sempre tem boas regalias. Então, usávamos com exclusividade um banheiro da boate. Daniel estava deitado no chão num possível coma alcoólico. Thiago havia saído em busca de açúcar. E Ellen e eu nos encarávamos em cobranças mútuas.
— Olha o estado dele! Look Ellen! That’s ok, esse Thiago não prestava, sem dúvidas! Agora você... Se prestar a um papel desses, se sujeitar, acabar com a vida do Daniel...
— Ah, mas é claro não é?! Eu só sirvo para o papel da traída! Da amiga que é deixada pra morrer num apedrejamento! Você, Emmet... Você me usou! Me magoou! Me fez...
— Not, not, that’s not the point, Ellen! Ellen, você exalta tanto o amor pelo Daniel, que mesmo ele nesse estado, pra tua sobrevivência, pro teu orgulho, você o deixou pra sati...
— Você não tem o direito de me julgar! Você não tem o direito de duvidar dos meus sentimentos! E não tem o direito de questionar as minhas atitudes e a minha sobrevivência! — gritou explodindo no choro.
— Você foi desleal! — exclamei com lágrimas nos olhos.
— Eu? Desleal? — ela riu incrédula — Quem é você pra falar de lealdade mesmo, hein? O cara pra quem eu abri a minha vida, defendi, abdiquei do meu namoro para que o meu namorado lhe protegesse... E esse cara, esse cara por um deslize mínimo meu, se revoltou! Desejou a minha morte, tirou o meu namorado da casa, de mim...
— Ellen, i’m so sorr...
— Eu não terminei! Porque mesmo você fazendo tudo isso, eu nunca cogitei a possibilidade de lhe trair. De lhe pagar na mesma moeda. Porque chances não me faltaram! A Rainha, a Victória, me ofereceu a sua coroa! E sabe que eu fiz? Recusei. Agradeci, queria muito, mas não jogaria contra você. Apenas concordei em me manter neutra e reafirmei que estaria do lado do Daniel sempre, em qualquer situação que ele escolhesse estar. Pois eu sempre dei valor a quem se fez necessário na minha vida!
As lágrimas nos meus olhos não se conterão e rolarão pelo meu rosto. Ellen caiu aos prantos. Como o sabor da vingança podia ser amargo. Num ímpeto de emoção, a abracei, chorando com ela, enquanto ela retribuía o meu abraço, sincera e amiga. E percebi que o preço da minha vingança era o seu inevitável sofrimento.
— Ellen... — me afastei repentinamente limpando as lágrimas e a encarando — O Daniel nunca foi e nunca será seu namorado. Entenda. A tua presença na vida dele, como a tua presença na minha vida, são dispensáveis. Porque você sempre será um segundo plano na vida alheia. Sub Ellen.
Forcei um sorriso com toda a dor que sentia.
CONTINUA...