1.
Foi aquele o momento que eu descobri que o que eu sentia por Ian não era exatamente amizade. Veja bem, não foi a primeira vez que eu me sentia atraído por outro homem. Mas era definitivamente estranho me pegar pensando nele numa situação como aquela, me pegar sonhando com seu belo corpo. Era errado demais. Ian era meu amigo desde criança, nós nunca nos separamos e pensar nele como eu estava pensando naquele momento, era como pensar no meu próprio irmão de sangue. Tentei afugentar aqueles pensamentos e por um momento deu certo.
Eu estava no banheiro quando eu percebi isso. E foi ali mesmo que a coisa mais estranha da minha vida aconteceu. Fechei os olhos e deixei que a água quente percorresse meu corpo desde a cabeça, relaxando assim todos os meus músculos. O dia foi realmente exaustivo e água quente era a única coisa que livrava as pessoas mais próximas de um mau humor mortal. Quando eu abri os olhos eu vi no canto uma serpente enrolada em si mesma. A minha primeira reação foi gritar e eu gritei tão alto que minha voz sumiu. Aquela foi sim uma reação extrema, se fosse qualquer outro animal eu não teria ficado parado e apenas gritado, teria corrido e aposto que era o que qualquer outra pessoa faria, mas era uma cobra.
Desde que eu era criança cobras tinham sido meu maior medo. Uma vez quando eu e minha família fomos passar um final de semana num sítio alugado. Eu e meu irmão Lucio havíamos entrado na mata mais além do que nossos pais nos haviam permitido e num determinado momento eu me perdi de Lucio e me deparei cercado por cobras, por todos os lados. Desde aquele momento eu tinha adotado aquela fobia.
Depois que eu perdi a voz tudo aconteceu muito rápido. A porta do banheiro se abriu com violência excessiva desnecessariamente já que ela estava aberta. Eu não conseguia despregar os olhos daquele mostro só então senti que a porta de vidro foi aberta e eu fui arrastado pra fora.
Eu estava ofegante, meu coração batia tão acelerado que era possível ouvi-lo de fora. Eu estava sentado no chão com a cabeça encostada no peito de Ian e os braços envolta dele, ele fazia o mesmo. Eu não conseguia nem mesmo me mexer. Tudo que eu vinha na minha cabeça era imagem cinza daquela noite na mata da minha infância.
“Acho melhor levar você para um hospital.” Sugeriu Ian enquanto me soltava aos poucos.
“Não!” Exclamei despertando do surto. “Tira, tira aquilo, por favor!” E pedi ainda tremendo.
Ele se levantou e me trouxe uma toalha, e me cobriu com ela. Só então eu tinha percebido que eu estava nu. Algo que nunca tinha acontecido antes era eu ficar nu na frente de Ian, visto que claramente eu tinha problemas com meu corpo. Já Ian não, porem ele não ficava mais nu do que sem a camisa perto de mim, por respeito talvez.
Ele me ajudou a levantar e me levou para o meu quarto. E lá eu fiquei tremendo até ele voltar dizendo que o trabalho já tinha sido feito. Só assim meu medo parecia ter ido completamente.
Ian riu e eu levantei e lhe dei um soco forte no ombro, ele recuou sem se livrar da risada.
“Desculpa, mas quando eu ouvi aquele grito não pensei que tinha sido uma cobra e sim um serial killer” Ele disse entre as gargalhadas.
“Se fosse um serial killer, eu nunca teria gritado.” Eu disse retomando meu posto de durão.
Livrei-me do fardo de ter que explicar por que eu tinha reagido daquela maneira àquela situação, felizmente Ian já sabia por isso ele cessou os risos.
“Pode me dar licença? Preciso trocar de roupa” Pedi rudemente.
Ian riu de novo.
“Por quê? Eu já vi tudo mesmo, e nem é grandes coisas” Avacalhou ele.
Olhei torto e firmemente pra ele, com certeza ele conhecia aquele olhar, pois logo se rendeu e levantou as mãos e se retirou. Eu fechei a porta na mesma hora. Vesti o short e a camisa sem manga que já havia separado. Quando chegava do trabalho preferia vestir uma coisa mais confortável para preparar o jantar e assistir alguma coisa. Era comum Ian me visitar quase todos os dias da semana por isso não estranhei ele ter aparecido tão de repente. As vezes eu me irritava com isso, não conseguia ter um minuto de privacidade, mas no final das contas foi ele que havia me salvado de um infarto.
Aos 25 anos eu já morava sozinho. Tinha decidido isso a uns três anos atrás. Precisava não apenas morar sozinho, como também precisava de um tempo da minha família super protetora. Por isso que decidir ir pra uma cidade vizinha, nem longe nem tão perto para ser uma visita surpresa. Não foi difícil fazê-los aceitar isso, mas no final das contas eu venci. Morava em um apartamento simples, num condomínio mais simples ainda. Não era o que eu tinha sonhado, mas era o que meu dinheiro me possibilitava sem ter que fazer grandes sacrifícios. Minha formação em administração e especialização em gestão empresarial me deram um emprego bastante considerável um uma empresa chamada Grupo Lifert. Eu era sub-gerente de RH e constantemente apontado como o substituto do próprio gerente geral. Porem, mesmo que essa substituição fosse algo que mudaria minha vida, eu não estava pronto para ter tanta responsabilidade em minhas mãos. Em todo caso eu estava bem como estava, por hora. Minha única posse era um Ford que mais parecia um ovo, mas era um carro barato de bancar os custos e era minha paixão desde os 18 anos.
Quando terminei de me vestir, sai do quarto de pressa e fui até a cozinha. Ian vinha logo atrás. Eu estava muito nervoso com o fato de ter mostrado tanta fraqueza para ele, eu era do tipo que sabia me defender sozinho. Estava com mais raiva ainda por ele estar rindo daquela situação.
“Onde você colocou aquilo?” Perguntei nem com tom de raiva nem tão alto. Mas soou triste e envergonhado. Foi ai que finalmente Ian percebeu que aquela gozação toda era uma tortura pra mim.
Ele se se sentou à mesa e suspirou.
“Você não precisa se preocupar, eu me livrei dela.” Ele disse e dessa vez eu quem suspirei de alivio. Coloquei um pouco de água no fogão, nem sabia o que iria preparar para o almoço, mas precisava de água para o arroz. ”Desculpa Will.” Pediu ele sinceramente. “É que eu nunca te vi tão, vulnerável. Essa foi a primeira vez que eu senti que você precisava de proteção. Você sempre foi tão forte, apesar de ser tão pequeno.” Era verdade, eu era mesmo um cara muito estreito, não tinha mais que 70 quilos, e meus 1,75 de altura me faziam parecer mais magro ainda. Esse era meu problema com meu corpo, por mais academia que eu freqüentasse, por mais comida que eu comesse, eu nunca conseguia deixar de ser o magrelo da minha infância. Na verdade era uma doença, por isso eu já havia me conformado com isso. Mesmo assim eu continuava tentando. Se conformar, não quer dizer aceitar as condições.”Se você quiser que eu vá embora, eu vou.”
“Não!” Exclamei novamente. Só então tinha percebido novamente o que sentia por Ian. Eu não só o tinha como amigo, ele era a pessoa mais próxima. A única pessoa que eu confiava inteiramente. Eu precisava dele comigo, pelo menos aquela noite. Eu precisava da sua proteção. ”Eu que fui um pouco radical demais, eu também teria rido se não estivesse com medo o suficiente.” Por fim ri pra mostrar um pouco de simpatia.
Ian não sorriu de volta, mas pelo menos não foi embora. Ele ficou e jantou comigo, como fazia na maior parte da semana. Sempre dizia que a comida dele era péssima, e eu sabia que ele viria recorrer a mim sempre que sentisse fome. Logo depois ele se despediu, mas eu não queria que ele fosse embora. Ainda estava inseguro e só sua presença conseguia me acalmar. Ele percebeu minha aflição e perguntou se eu queria que ele ficasse, eu apenas concordei com a cabeça. Ele não fez nada, sabia que não conseguiria tirar mais que isso de mim. Sempre tive problemas em demonstrar meus sentimentos, a menos que fosse obrigado a isso.
Eu corri para pegar alguns edredons e cobertas para jogar na sala. Era o que fazíamos quando ele dormia por lá. Ele ficava no chão, e eu no sofá. Assistíamos televisão até nãos conseguirmos mais, por fim nos entregávamos ao sono.
No dia seguinte eu acordei de uma forma totalmente inesperada. Estava ao lado de Ian, com minha cabeça afundada em seu peito nu e seus braços estavam envolta de mim. Era muito bom, estar naquele abraço quente e terno. Porem era uma situação completamente embaraçosa para dois amigos como eu e ele que éramos acostumados a falar de mulheres e bebidas.
Levantei num salto tão assustado que ele logo despertou também.