Sabe quando você descobre alguma coisa comprometedora sobre alguém e você tem que conviver com essa pessoa sem que ela saiba que você sabe sobre ela e fica aquele momento tenso o tempo todo, então, era isso que estava acontecendo. Por mais que eu estivesse completamente envergonhado com o que tinha acontecido, afinal eu tinha gostado. Acordar nos braços de uma pessoa que você gosta não era tão ruim.
Andei até a cozinha, o relógio marcava quase nove horas da manhã. Olhei o que tinha pra improvisar um café da manhã e fingi que não tinha visto Ian entrando. Lembrei que não tinha ido ao banheiro ainda, por sorte. Então passei por ele tentando não ter nenhum contato visual. Infelizmente ele me seguiu. Foi inevitável não olhar para o canto do banheiro onde eu tinha visto a cobra antes de entrar e depois de me assegurar que ela não estava mais por lá eu entrei.
Estava escovando os dentes enquanto ele me encarava através do espelho.
“Por que você esta fugindo de mim? Aconteceu alguma coisa? Você ainda esta com raiva?” Ele perguntou.
‘Nada, é só que eu acordei na situação mais embaraçosa da minha vida’ Respondi mentalmente.
Limpei a boca e me virei para encará-lo e fazer com que a minha resposta soasse mais convincente.
Droga! Perdi totalmente a concentração ao olhar para ele. Ian estava mais atraente do que nunca. Seu corpo sempre fora definido e bastante rígido, não chegava a ser uma montanha de músculos que em minha opinião era ridículo. Ele não tinha o habito de se depilar muitas vezes por isso seu peito e tronco era todo coberto por uma camada escura de pelos ralos. A barba em seu rosto era fina, uma barba comum de dois dias. Estava imaginando por um momento ele roçando o queixo no meu pescoço. Ele era um pouco mais baixo que eu. A sua pele morena do sol era muito, era muito excitante, me faziam querer passar a mão por todo aquele corpo perfeito. Mas eu não podia. Tinha de me controlar. Desviei o olhar e sai do banheiro quando pareceu que não iria controlar mais a minha ereção.
“William, fala comigo, por favor.” Pediu ele insistentemente.
“Eu não estou fugindo Ian.” Respondi de pressa. Mas não saiu convincente nem para mim que era um ótimo mentiroso.
“Você sabe que não é verdade. Não precisa ter vergonha do que aconteceu ontem, todo mundo tem medo de alguma coisa. E eu sou seu amigo.” Ele disse. E eu só conseguia pensar em seu corpo contra o meu, em sua voz rouca no meu ouvido.
Respirei fundo e o encarei.
“Eu sei, tudo bem.” Disse, e finalmente ele acreditou. ”Vamos deixar isso de lado.”
Tomamos café da manhã como sempre, conversando sobre varias coisas. Aparentemente ele não se lembrava do que tinha acontecido mais cedo, e eu achei melhor não reavivar a memória dele. Não me impressionava que ele não soubesse, eu tinha me levantado tão rápido quanto um carro de corrida, não me admira que ele só tenha acordado depois deu estar a alguns metros de distancia.
“Você vai fazer alguma coisa hoje?” Perguntou ele enquanto comia um biscoito de leite. Ele tinha essa mania de falar enquanto mastigava e por diversas vezes eu o alertei. Mas não adiantava maus hábitos sempre voltam.
“Não, essa semana foi cansativa. Eu preciso desse final de semana de férias.” Disse.
Ele ficou calado por um momento, mas logo voltou a falar.
“Eu vou ter que sair, preciso resolver alguma coisa. Você vai ficar bem aqui sozinho?” Ele perguntou olhando diretamente nos meus olhos. Ele tinha essa mania que era no mínimo desconcertante.
“Claro Ian, pode ir.”
Ele se levantou vestiu a camisa e saiu depois de dar tchau.
Eu fiquei por duas horas sozinho, na terceira eu já estava agoniado. Não por estar sozinho, isso era uma coisa que eu estava acostumado. Estava agoniado por causa de Ian, só conseguia pensar nele, como ele era lindo e tinha um corpo tão quente. Como eu o queria junto a mim naquele momento. Mas eu também não podia pensar assim, Ian era meu amigo, não só um amigo qualquer. Meu melhor amigo.
Xingava-me por dentro o tempo todo. A primeira vez que eu tenho atração por uma pessoa do mesmo sexo e tem que ser justo Ian. Justo quem eu não podia perder nunca na minha vida. De uma forma ou de outra eu ia ter que reprimir todo esse sentimento pra dentro de mim.
Como eu podia gostar dessa forma de alguém tão diferente de mim, isso era visível. Eu já vivia sozinho e controlava minha vida perfeitamente. Ian por outro lado não tinha terminado a faculdade, morava com amigos e recebia ajuda financeira dos pais, inclusive minha. Ele não era o tipo de pessoa que eu possivelmente me interessaria para um relacionamento. Definitivamente não era.
Sai de casa quando já não agüentava mais. Para me acalmar ou espairecer a mente, eu costumava dar voltas no quarteirão. Vesti uma roupa mais confortável para a atividade e fui. Sem aviso prévio eu comecei a correr.
Comecei a odiar Ian de repente. Como ele conseguia ter tanto poder sobre mim? Mesmo fazendo o que costumava tomar a minha mente, lá estava ele em cada canto dela. Lá estava ele, moreno como sempre, perfeito como sempre.
Rodeie dois quarteirões até perceber que eu tinha ido pro lado errado. Agora só via as arvores molhadas da reserva do parque. Parei para respirar um pouco, já estava ofegante. E quando eu me virei para retornar, desta vez para o lado certo, eu ouvi um barulho saindo da mata. Parecia um pedaço de madeira de quebrando e um gemido logo em seguida.
Pensei em deixar pra lá, pensei em ligar para a policia, mas no final das contas eu adentrei na mata.
As olhas molhadas me davam mais umidade do que o próprio suor. Aquele era um dia frio, ótimo para a atividade que eu estava exercendo. Mas agora todo o frio não servia pra mais nada. Andei por um tempo sem ouvir nada, mas logo depois comecei a ouvir gritinhos e gemidos de dor. Parecia uma briga, ou melhor, uma tortura. Andei mais ainda, e fiquei surpreendido por ter escutado tão longe, aquilo definitivamente estava fora do alcance auditivo de todo mundo. Quando finalmente cheguei perto o suficiente, percebi o que eu já tinha imaginado que seria.
Era uma rodinha com no máximo 7 pessoas, homens e mulheres, no meio estavam dois homens sem camisa. Um era estupidamente musculoso e o outro era tão baixinho e no mínimo duas vezes menor que o outro, era com certeza o que estava sendo torturado. Moreno, corpo definido.
Meu deus era Ian. Sem pensar em mais nada a não ser meu amigo sendo trucidado naquela arena de gladiadores, eu emergi da mata chamando a atenção de todos. Eles apenas ficaram parados olhando para mim enquanto eu corria até Ian.
Ele estava agachado respirando fundo.
“Meu deu. Ian? Você esta bem?” Eu perguntei ajudando ele a se levantar. Ele não respondeu,
Seu corpo moreno agora estava roxo em sua maioria. Com certeza devido aos golpes daquele monstro. Seu rosto estava sangrando, havia alguns cortes pequenos. “Ian, o que esta acontecendo aqui?” Perguntei e novamente fiquei sem resposta.
Quando parei de me preocupar só com Ian, percebi todos os olhares contra nós. Mas eles estavam me olhando de uma forma diferente do que eu esperava. Estavam surpresos, assustados até. Eu não entendia por que.
“Como não percebemos que ele estava aqui?” Uma garota disse. Tinha cabelos loiros e crespos e a pele branca e rosada. ”Como eu continuo não o percebendo aqui? Ele parece um fantasma.” Concluiu ela.
“Definitivamente, ele não é humano.” Disse outro.
“Mas que merda está acontecendo aqui?” Exigi saber, era estranho demais.
Eles estavam falando de mim, isso com certeza. Mas eu era humano, eles com certeza eram também. Aquilo era insano, como se eu estivesse em um universo paralelo.
“William, o que você esta fazendo aqui” Ian cuspiu as palavras junto com um pouco de sangue.
“Tentando entender que merda é essa.” Respondi baixo, apenas para Ian.
Ignorando todas as minhas expectativas, Ian me empurrou e deu alguns passos em direção ao bando. Depois ele se virou para mim.
“Você não devia ter vindo aqui.” Disse.
Eu estava chocado demais para responder. Ele não podia ser o mesmo Ian que eu conhecia.
“Felipe, vamos levá-lo até o Shivae” Disse um homem, o que parecia ser o mais velho de todos ali. Ele tinha a cabeça raspada e pele negra.
O brutamonte musculoso se preparou para vir até mim, eu engoli seco. Mas ele parou quando Ian se, pois a minha frente. Não acreditava que ele tivesse tanta coragem para enfrentar a morte, por mim.
“Não. Ninguém vai levar ele pra lugar nenhum.” Ian disse.
E de uma hora pra outra não era mais um homem que estava na minha frente e sim uma besta gigante. Ian se transformou grotescamente em um lobo bípede, se eu fosse menos cético em relação a essas coisas diria que era um lobisomem.
“Merda” Foi a única coisa dita antes da selvageria.