Capítulo 3
Pôr-do-sol
Costumava levantar muito cedo durante as primeiras semanas em minha casa nova. Eu até dormia bem, tirando a parte em que eu acordava de hora em hora sempre despertado por um terrível pesadelo, daqueles que fazem nossas respirações tornarem-se mais ofegantes. Várias vezes durante a noite eu me via acordado, suando frio, lamentando em silêncio pelo Rick não estar lá para me proteger. Pode soar um pouco infantil, mas ele sempre me salvava dos pesadelos. A casa nova, a falta que sentia dos meus pais, a saudade do meu irmão, todos estes detalhes contribuíram significativamente para a minha sensação de solidão e que, consequentemente, ajudaram para a minha sensação de medo, insegurança.
Meus tios eram ótimas pessoas, e eu sabia que poderia contar com eles sempre que precisasse. Mas mesmo assim, mesmo sabendo que foram eles que se ofereceram para nos ajudar, e mesmo com Marcelo ali, deitado na cama ao lado, meus piores medos de criança insistiam em voltar a me perturbar. Durante minhas horas acordado eu; ora observava o Marcelo dormindo; ora observava a janela, a parte de baixo da minha cama, o guarda-roupa, a porta ou qualquer outro lugar suspeito de onde – de acordo com meus pensamentos naquela hora – poderiam conter monstros, fantasmas ou qualquer outra criatura obscura, sedenta por sangue e que tinham como objetivo: minha cabeça.
***
Naquele dia acordei normalmente. Pelo menos tão normalmente quanto todas as outras vezes em que eu amanhecera naquela casa. Como era uma mania que eu tinha, espreguicei-me inteira e demoradamente, enquanto abria meus olhos lentamente, tentando me acostumar com a luz do sol que nascia além da janela. Involuntariamente olhei para o lado e confesso que fiquei extasiado quando vi aquela linda criatura dormindo como um anjo, com seus cabelos bagunçados e com o peito nu, deitado na cama ao lado. Comecei a imaginar várias coisas que nunca sequer passaram em minha cabeça, enquanto eu o admirava. Minhas mãos soaram, meu coração passou a bater mais rapidamente e quando me dei conta, meus olhos acompanhavam fixamente seu abdômen que subia e descia conforme sua expiração e inspiração. Num susto tentei forçar-me a parar de vigiá-lo e interromper aqueles pensamentos que, naquela época, eram para mim tão pecaminosos quanto o ato de matar. Mas foi em vão. Ao dormir, seu rosto tornara-se tão inocente, tão puro, que era quase impossível deixar de repará-lo. Venci o medo e continuei por mais alguns minutos encarando-o fixamente, até que, num ato assustador, quase que diabólico, seus olhos abriram-se de uma vez. Na mesma hora travei minha respiração e senti que todo o meu sangue fugira de repente dos meus pés, pernas, barriga e braços, concentrando-se em minha face, principalmente em minhas bochechas brancas que deveriam estar vermelhas naquele momento, e eu, literalmente, senti meu rosto queimar de vergonha.
Eu queria correr, gritar, atirar-me pela janela ou simplesmente esconder-me novamente sob o edredom, mas meu corpo não reagia. (Merda! Meu próprio corpo me traindo!) Marcelo inclinou a cabeça sutilmente como se estivesse me analisando, até que por fim ele se virou de costas para mim, murmurando algo sobre eu estar acordado tão cedo.
“O que eu estava pensando? O que deu em mim para tão ficar fascinado com o Marcelo? O que meus pais pensariam sobre isso?”. Balançando fortemente a cabeça, consegui espantar parte destes pensamentos que me assombravam tanto quanto as “as criaturas das trevas” durante as noites em meu quarto. Não me admiti ficar mais tempo pensando sobre o assunto e sob o edredom, numa espécie de “contar carneirinhos”, voltei a dormir, mas dessa vez sem pesadelos.
***
Acordei num salto depois de, erroneamente, pensar que estava atrasado para alguma coisa. A culpa disso era que eu havia sonhado que estava em casa. Com as mãos cocei os olhos e novamente, de modo involuntário, dirigi o meu olhar para a cama ao lado. Uma pontada de decepção surgiu em meu coração quando percebi que o Marcelo já havia se levantado, e que sua cama encontrava-se vazia e perfeitamente arrumada. Novamente pensamentos impuros rodearam minha mente e num espanto lembrei-me que em algum momento do meu último cochilo eu sonhara com meu colega de quarto. Senti minhas bochechas corarem quando ao levantar-me com raiva, odiando-me pelos maus pensamentos, deparei-me com Marcelo encostado na porta. Seus cabelos estavam molhados denunciando que ele acabara de tomar banho. O cheiro do seu perfume penetrou minhas narinas, fazendo-me enlouquecer e ter a sensação de que iria cair. Sua face estava tão linda como sempre, mas seu sorriso era quase que forçado. Voltei-me para o lado oposto, e instintivamente fingi que estava arrumando a cama.
- Bom dia, Nicolas! – Marcelo me cumprimentou com seriedade.
- Bom dia! – olhei no fundo dos seus olhos, enquanto lançava meu melhor sorriso amigável. Esse truque eu aprendera com meu pai, onde ele me dissera que servia para passar confiança aos outros. Servia para mostrar que você era autoconfiante.
- Tenho duas coisas para te falar – ele continuou – A primeira: nossos tios saíram. E a segunda é: o tio deixou bem claro que era para eu tomar conta de você durante a ausência dele, e que era para eu te levar ao bosque caso você quisesse dar uma volta pela cidade.
- A claro, você será tipo, minha babá... – eu disse nenhum pouco desapontado, enquanto dobrava o edredom. Reparei que parte da seriedade de Marcelo, se dissipou com o meu comentário.
- É... Quase isso – Marcelo retirou-se sorrindo, mas voltou em seguida – O café está na mesa, e se você for ao bosque, é bom irmos mais cedo.
Assim que o Marcelo retirou-se, sentei novamente em minha cama odiando-me por algo que nem eu tinha certeza do que era. Passei as mãos pelos meus cabelos lisos me perguntando sobre o que estava acontecendo comigo. Depois de alguns minutos refletindo a respeito de mim mesmo, fui até o guarda-roupa, escolhi algo para me vestir, peguei minha toalha e dirigi-me até o banheiro. Esperava que um banho pudesse esfriar meus pensamentos, o que se provou errado, já que cada vez eu ficava mais confuso.
A manhã decorreu normalmente, depois de realizar minha higiene pessoal, desci até a copa para realizar meu desjejum. Cumprimentei novamente o Marcelo que já permanecia sentado à mesa, e me servi, evitando ao máximo transparecer a minha “sei lá o que eu estava passando”. Conversamos futilidades; Marcelo perguntou-me se eu estava gostando daqui e lhe respondi monossilabicamente que sim, o que era estranho, já que “sim” e “não” nunca foram o bastante para mim. Apesar de eu supor que Marcelo me achara estranho naquela manhã, ele simplesmente permaneceu normal, fazendo perguntas irrelevantes que se tornaram cada vez menos frequentes na medida em que o tempo passava, até nos mantermos completamente calados. Formou-se então um silêncio estranho, sufocante, que só foi quebrado quando o relógio marcou dez horas da manhã e o Marcelo me perguntou se eu iria ao bosque. Respondi que sim e pedi que ele me desse alguns minutos.
Corri até meu quarto vesti uma camiseta branca sem estampa, uma bermuda xadrez com bolsos nas laterais, e um sapato casual branco. Penteei meu cabelo das mais diversas maneiras possíveis, mas não deu muito certo, pois ele insistia em se rebelar contra mim. Peguei minha carteira, me perfumei normalmente e desci até a porta.
- Nossa... Que demora... – Marcelo disse. Ele estava sentado no sofá, usava uma camiseta branca, bermuda preta e um par de tênis brancos – Podemos ir agora?
- Claro – respondi rapidamente – Por mim tudo bem, aliás, nós vamos de carro?
- Sim, Nicolas, o bosque fica do outro lado da cidade. Tudo bem pra você?
- Por mim tudo bem – assenti sorridente.
O caminho até o bosque foi tão silencioso quanto poderia ser. Marcelo raramente falava algo, mas quando ele falava, eu, não sei por que, apenas lhe respondia sem nenhum outro comentário. Pensei silenciosamente que se continuasse assim, meu passeio ao bosque seria na melhor das hipóteses, detestável. Concentrei-me, então, em alguma maneira de quebrar o gelo que havia se formado entre nós. Mas quando eu já estava perdendo a cabeça, tentando encontrar alguma saída louvável para aquela situação, nosso silêncio foi interrompido pelo Marcelo que anunciara nossa chegada ao nosso destino.
- É aqui – a mão de Marcelo apontou para uma área enorme, cercada de árvores de vários tipos. Vendedores de picolés, algodão-doce e outras guloseimas encontravam-se ou sentados, ou andando pela entrada tentando vender seus produtos – Quer um picolé? – Marcelo me perguntou após descermos do carro. Eu respondi que sim, e coloquei a mão na carteira como sinal de que iria pagar o meu, mas ele me interrompeu dizendo que hoje era por sua conta.
Adentramos o parque passando pelo enorme arco de pedras que dizia algo sobre bosque municipal. Ainda na entrada, era possível ver uma enorme quantidade de árvores em ambos os lados de uma imensa trilha de hexágonos que se projetava à nossa frente. Era possível ver famílias inteiras andando com seus filhos. Um dos casais à nossa frente carregava no colo uma criança de aproximadamente dois anos que admirava e apontava atentamente para cada animalzinho diferente que se mexia nas árvores. Um sorriso acanhado escapou do meu rosto ao me lembrar do meu pai. Em um dos bancos no caminho um casal de namorados conversava, enquanto o menino repousava a cabeça no colo da menina.
- Então; Nicolas – Marcelo chupava seu picolé – Gosta de Bosques?
-Sim – respondi bastante jovial –, Adoro. Gosto muito de verde, gosto da natureza, gosto de animais, enfim, amo muito, de verdade, bosques.
Marcelo limitou-se a sorrir e continuar chupando seu picolé enquanto andávamos um ao lado do outro, claro que numa distância considerada amigável pelos dois. Não deixei de perceber que de tempos em tempos Marcelo me observava de um jeito estranho como se tentasse ter certeza de que eu realmente gostava daqui. Parei em frente a uma daquelas latas de lixo para reciclagem, e joguei o que restara do meu picolé – palito e embalagem. Quase morri de rir quando para tentar espantar uma abelha (muito comum em latas de lixos) o Marcelo quase derrubou seu picolé, sem contar, é claro, que ele lambuzou toda a sua cara.
- Ai... Merda! – Marcelo queixou-se – Eu definitivamente odeio abelhas – ele disse isso com certa ênfase na palavra “definitivamente”.
Tentei ao máximo segurar o riso, mas não consegui. Marcelo olhou-me assustado perguntando do que eu estava rindo e comecei a rir de forma totalmente escandalosa e descontrolada quando apontei para seu nariz e para parte da sua bochecha sinalizando que eles estavam melados.
- Merda, merda, merda – Marcelo queixou-se pela segunda vez – Eu limparia na blusa se ela não fosse branca.
- Calmo aí, grandão – eu disse retirando da minha bolsa térmica um dos guardanapos que tinha trazido, e cuidadosamente passei em seu nariz e em sua bochecha. Neste momento um sentimento, tão anormal, quanto inesperado, cruzou meu coração e me vi feliz por ter tocado o Marcelo, mesmo que sobre um pedaço de pano. Perdi-me em seus olhos ao vê-los olhando atentamente para mim, observando tudo o que eu fazia. Senti-me estranho; fui tomado por um momento mágico, quase sobrenatural de êxtase pelo qual eu já não coordenava mais meus movimentos.
- Nicolas, você está bem? – Marcelo perguntou-me fazendo-me acordar do meu estranho momento “fora do ar”.
- Estou sim. – menti – Eu estava apenas tentando reparar se você fica melhor com o sem sorvete no rosto. Mas cheguei à conclusão que com sorvete você tem mais chances com as mulheres.
- Hahaha – ele riu ironicamente – Vamos continuar andando.
Belisquei-me tentando castigar meu próprio corpo pela travessura que ele estava fazendo.
A trilha, na qual andávamos, dividiu-se em dois caminhos. À nossa frente um mapa de “você está aqui” marcado com um x nos dava uma breve noção da extensão do bosque. Acima de cada um dos caminhos havia uma placa. O caminho da esquerda mostrava: sanitários, (mini) zoológico e lanchonetes. O caminho da esquerda mostrava: sanitários, lagoa e restaurante. Depois de um longo momento de discussão tentando decidir aonde iríamos, Marcelo venceu-me pelo cansaço e pela fome, pois, de acordo com ele, estava quase na hora do almoço então era melhor irmos em direção à lagoa, pois lá haveria restaurantes.
A mesma trilha de hexágonos estendeu-se por todo o nosso percurso. De um lado as árvores balançavam com a brisa refrescante que vinha de vez em quando. Do outro lado pavões exibiam suas enormes e maravilhosas penas como se quisessem vencer algum concurso exótico de beleza. Marcelo e eu já estávamos mais descontraídos, conversávamos futilidades e ríamos das mais diversas coisas. Vez ou outra eu o fazia parar para observar algum inseto diferente que, de acordo com ele, eu surpreendentemente conseguia enxergar em meio ao nada.
Eu apontava para quase todo pássaro ou inseto que encontrava. Durante nossa caminhada encontrei um besouro; achei que ele estivesse morto, mas quando cheguei mais perto ele voou em minha direção fazendo com que eu inocentemente desse um grito e corresse para trás do Marcelo. “Vai lá, mexe no bichinho”, ele dizia enquanto ria juntamente com as pessoas à nossa volta. Eu estava corado e torcia em silêncio, para que meu grito tivesse saído o menos feminino possível. Depois do momento de vexame seguimos em frente, e quando paramos para beber água, senti a mão de Marcelo puxando a minha.
- Nicolas, olhe... – entendi o que ele queria, Marcelo apontava o dedo indicador direito para o alto de uma árvore, enquanto ao meu lado, ele passava a mão esquerda pelos meus ombros, como se quisesse que eu olhasse para a mesma direção que ele. Lá em cima de uma árvore, estava um casal de pássaros azuis, um azul tão lindo que todas as pessoas que estavam por perto pararam para admirá-lo. Tentei não transparecer o nervosismo que sentia pela mão do Marcelo que ainda repousava sobre meus ombros.
– Acho que ganhei de você... Meu pássaro azul vale por todos aqueles insetos que você encontrou no meio do caminho – O sorriso do Marcelo era ridiculamente lindo, e suas palavras entravam como música em meus ouvidos à medida que ele sussurrava próximo à minha orelha.
- Mas a gente nem estava apostando – digo falsamente emburrado.
- Eu sei... – Marcelo sorriu novamente, dando duas palmadas de leves nas minhas costas pedindo para continuarmos.
Ao nosso lado esquerdo agora havia um chafariz enorme dentro da lagoa, mas numa distância consideravelmente segura, onde os passeantes poderiam observá-lo sem “tomar um banho indesejado”. Encostamo-nos a uma espécie de cerca que nos separava da lagoa e, numa decisão unânime, determinamos que não seria muito legal dois homens darem um passeio “romântico” de pedalinho. Eu assenti com a cabeça, e disse que iria comprar um algodão-doce, Marcelo me impediu dizendo que já estava na hora do almoço e que a melhor opção seria irmos ao restaurante. Concordei sorridente, perguntando quanto ele recebia para ser babá. Ele apenas sorriu. Dessa vez angelicalmente.
O restaurante era um enorme quadrado não muito luxuoso. As abissais janelas de vidro davam aos clientes uma linda e privilegiada visão da lagoa e dos inúmeros pedalinhos que pairavam sobre suas águas escuras. Sentamo-nos próximo à janela que dava para o lado de aonde nós viemos. Logo à frente, numa espécie de palco, um grupo de músicos tocava de acordo com o pedido dos clientes. As mesas estavam todas decoradas com as cores vermelho e branco e, minutos depois de nós assentarmos, um simpático garçom nos atendeu com seu lindo sorriso. Pedimos de entrada um purê de batata, de acompanhamento foi batatas com alecrim e alho, de prato principal um “Frango ao molho branco com Arroz branco” e de sobremesa um Brownie com caldas de frutas vermelhas.
Nosso almoço foi tão romântico quanto poderia ser entre dois homens até então considerados héteros. Ficamos um tempo curtindo a música, e o Marcelo fez questão de pedir um sertanejo universitário para mim, logo após eu dizer várias vezes que ODIAVA (desculpe-me se vocês gostam) o que eles andam fazendo nas músicas modernas. Levantamos para nos retirar e novamente Marcelo iria pagar minha comida. Permanecemos um tempo na mesa discutindo diante de uma simpática senhora de meia idade, enquanto eu insistia em dividir a conta. A moça até me aconselhou a deixá-lo pagar já que ele estava querendo, mas meu orgulho falava mais alto, até que finalmente saímos de lá com metade da conta paga por mim.
Saímos de lá decididos a dar a volta na lagoa caminhando (é lógico), e irmos em direção a uma parte do bosque onde a terra era mais elevada e as árvores mais separadas umas das outras. Corremos bastante, brincamos, comemos alguns sanduíches naturais que eu havia preparado, visitamos o mini zoológico (com extrema ênfase em MINI) e quando escalamos uma espécie de colina para reparar as horas, percebemos que já estávamos próximo do pôr-do-sol.
Subimos a elevação, que ficava um pouco mais afastada da lagoa, por uma trilha de terra e pedras que nos levava até o topo; em meio às árvores, que agora estavam mais distantes umas das outras. De onde estávamos, visualizamos parte do território do parque. Marcelo aproximou-se de mim sentando-se ao meu lado, olhando para o meu peito.
- Posso ver? – ele referia-se ao meu cordão, com um pingente de pomba branca. Entreguei o objeto a ele respondendo que sim. Ele o examinou por um instante e por fim perguntou: - Isso é algo especial? Tipo, uma correntinha da sorte? Pois eu vejo você a usando sempre.
Meu olhar triste fixava a lagoa agora bem distante, pisquei algumas vezes tentando espantar as lágrimas. Meus pensamentos estavam longe, e novamente me vi próximo ao meu pai.
- Meu pai me deu antes de... Bem... Antes de ele sofrer um acidente e ficar em coma. E... – dessa vez algumas lágrimas rebeldes escorreram da minha face. Para mim era difícil lembrar-me dos meus pais - ...E antes da minha mãe falecer.
Marcelo olhou-me melancolicamente. Suas mãos alisavam meu colar que agora estava em seu pescoço, enquanto seus olhos estavam longe. Sem olhar diretamente para mim, ele perguntou mais uma vez:
- Ele deu esse cordão para te proteger?
- Não – respondi dando sorrisinho; do quanto idiota aquela pergunta me pareceu em relação ao meu pai – Meu pai não acreditava nessas cosias. Ele era um Cristão Protestante, para ele era desnecessário termos coisas “sagradas”, já que nossa sorte viria de Deus. Se eu dissesse para ele que essa correntinha era da sorte, com certeza ele me expulsaria de casa e me condenaria por idolatria... – ri novamente, só que dessa vez de forma mais alegre e espontânea.
- Você gostava muito dele? – Marcelo perguntou agora olhando fixamente em meus olhos. Ele tinha um brilho tão triste em seu olhar que me fazia pensar que ele realmente se importava com a minha situação. Pensei na melhor maneira de respondê-lo sem chorar.
- Eu ainda gosto dele, aliás, ele ainda está vivo – dei um sorriso para o Marcelo, que mais servia para me confortar do que para esboçar alegria – Meu pai era tudo para mim. Era minha enciclopédia, meu professor, meu médico, meu super herói, meu vilão, meu modelo... – uma lágrima rolou sobre minha face, indo de encontro ao chão. Eu suspirei e continuei falando.
Contei-lhe sobre como meu pai olhava em meus olhos quando ia me responder, contei-lhe sobre às vezes em que eu deitava em seu colo e ele falava que tudo iria dar certo. Falei sobre às vezes em que minha mãe queria me bater ou me colocar de castigo, e meu pai fazia de tudo para pelo menos reduzir a pena. E todas as coisas que eu dizia, o Marcelo assentia silenciosamente. Ficamos um bom tempo conversando, até o sol começar a se retirar. Meus olhos encheram-se de água, e a cada palavra que eu falava meu choro aumentava gradativamente, até se tornar um incessante soluço regado por lágrimas que viam direto da minha alma.
- Por quê? Por quê? Aconteceu isto com eles? Por que não aconteceu comigo? – eu já estava desesperado, odiando secretamente o Marcelo por ter aberto uma feriada recentemente cicatrizada. – Eu queria ver minha mãe mais uma vez.... Só mais uma vez... Meu pai em coma, sem ele eu...
Minhas palavras foram interrompidas por um gesto inesperado. Marcelo havia cercado meus ombros com seus braços fortes e me puxado para mais perto dele. Algumas das minhas lágrimas secaram instantaneamente, enquanto ele me abraçava apoiando minha cabeça em seu peito. Pude, então, sentir seu perfume, seu calor e seus batimentos que agora se tornavam cada vez mais acelerados. Não ousei olhar para cima e estragar aquele momento mágico e, enquanto a sua mão esquerda acariciava meus cabelos, deixei-me repousar em seus braços e ficamos ali, juntos, observando o crepúsculo.
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Muito obrigado àqueles que comentaram no capítulo passado e àqueles que curtiram mais não se pronunciaram. Ainda peço a vocês os seus VOTOS e COMENTÁRIOS, pois eles são extremamente importantes. DÚVIDAS e CRÍTICAS também serão muito bem recebidas. Obrigado à Micca, Lion:b, Anjo ciumento, lena78@, hyan, Stiler, Thiiputra e dede88 pelos comentários, e espero que vocês continuem me acompanhando. Meu e-mail é confissoesdeumaa@gmail.com, quem quiser pode mandar um e-mail. MUITO OBRIGADO.