Ele parou na esquina, junto com a pequena tropa de transeuntes, aguardando abrir o sinal. Pela grande avenida, o tráfego regurgitava sua compacta massa de veículos. Valdemar segurou o zíper embaixo e subiu o fecho até o meio do peito, fechando a jaqueta. Seus olhos, sem nada para fazer, olharam ao léu, e divisaram a antiga placa do cinema no meio da quadra, onde duas letras caindo denunciavam a precária manutenção do edifício, outrora uma glamorosa sala. O sinal abriu e a massa empurrou, ele acelerou o passo e seu joanete esquerdo deu sinal de vida, alardeando uma pequena dor.
Há anos Valdemar frequentava aquele cinema, há décadas especializado em pornô, de modo que sentia-se em casa com a bilheteira e o porteiro, funcionários tão antigos que integravam o patrimônio tombado da sétima arte erótica da cidade. Deu uma olhada no belo tipo faceiro que consultava os cartazes, para ver se sobrava ao menos um olhar. Nada. O rapaz ignorou-o passando reto, direto para a bilheteria. Em seguida, Valdemar comprou seu ingresso e subiu, lentamente, a pequena escadaria de acesso à plateia escura. No limiar da sala deu dois minutos de descanso aos olhos frente à escuridão e foi sentar-se nas últimas fileiras, como fazia de praxe, meio de lado, uma perna cruzada e o queixo apoiado na mão, bem no corredor. Era o melhor lugar, dali se divisava o menor movimento nas cadeiras.
Enquanto via um enorme caralho entrar nos lábios tórridos de batom projetado na tela, ele, súbito, lembrou-se de Cenira. Era do mesmo tom, só faltava ser da mesma marca, ruminou, de sua colega de repartição, uma espevitada peituda que retocava os lábios carmim várias vezes ao dia. Ela tinha um jeito todo especial de projetar o bico para receber o pequeno cacetinho vermelho deslizando. Mas Valdemar, ao contrário, gostava mesmo era de cacetão, dos bem taludos, especialmente quando fartos nas golfadas em sua boca. Sim, Valdemar era um arquiconhecido chupador de pica naquele cinema. Tinha até freguesia fixa, uns quatro sujeitos que costumavam aparecer quase toda semana, uns na terça, outros na quarta. Aliás, ele lembrava bem, de um dia em que saiu no tapa com Claudya Raia, um travesti muito do furreco que se metera a besta e tentara, coitado, sentar ao lado de um de seus fregueses. Valdemar deu-lhe dois estalados tabefes nas costas e fez escândalo no meio do corredor: esse é meu, pode sair já, já, espantalho de urubu.
Priscila e Ryhanna estavam lá, conferiu ele na primeira panorâmica desferida sobre as últimas fileiras, desde que entrara. Claudya não estava, ou não havia aparecido aquele dia, percebeu com seu olhar aquilino e treinado em escuridão. O bofe até parecera interessante quando passou para o fundo, mas tinha pé pequeno. Valdemar atribuía a seu sexto sentido o diagnóstico para cacetudos: olhava para o pé e para o nariz. Pela proporção, calculava a centimetragem de pau, se valia a pena investir ou era melhor continuar sentado. E raramente se enganava, um faro treinado há anos e que integrava, segundo ele, o know how de toda bicha que se preze. Intuição, meu filho, intuição... a gente veio de outra galáxia pra ensinar aos terráqueos práticas evoluídas de comunicação, costumava afirmar sobre esses seus extraordinários dotes para as outras bichinhas, bichas e bichonas que frequentavam o cinemão. Eu não suporto bicha burra, era outra máxima ouvida com frequência.
Espírita, ou pelo menos versado em segredos egípcios, em vidas passadas e desmaterializações, Valdemar tinha uma fileira inteira de livros na estante sobre o assunto. É bem verdade que a estante era minúscula, espremida entre o enorme sofá de veludo que ganhara de uma tia que se mudou e a cômoda, uma peça antiga comprada numa loja de móveis usados e que apresentava às visitas como inglesa século dezenove autêntica, sem vírgula.
O joanete sossegou, vamos dar uma conferida lá na frente, seu cérebro balbuciou. O morenão socava a maior bronha, pernas abertas e mochila do lado, mas fez um sinal que não. O outro, um baixinho barrigudo, nem sequer desviou o olhar da tela; restava aquele de óculos, duas fileiras atrás. Valdemar deu uma parada no corredor, encarando o tipo. Ali ficou longos segundos observando os movimentos da mão do cara subindo e descendo quando ouviu: velhusca... tá olhando o que? Aquilo doeu na alma de Valdemar. Ele sabia que tinha 56 anos, mas ninguém precisava jogar isso em sua cara assim tão arranhado. Oras, sacudiu a cabeleira inexistente, ajeitou-se nos saltos invisíveis e deu aquele muxoxo soberano de estrela que sabe que, se um dia um rejeita, no outro têm três disputando meu boquete, meu filho, subindo lentamente de volta ao fundo da sala.
Deu uma espiada no dark room, ou seja, um banheiro desativado mais escuro que a asa da graúna no fundo da plateia, onde conferiu sem dificuldade Ryhanna ajoelhada em frente a um homão que lhe socava o pau na glote, duas colegas igualmente chupeteiras entregues a seu esporte favorito e uma dupla que se dedicava à arte da fornicação. Dar o cu em pé é uma arte, ele sabia disso mais que ninguém. Pelas paredes ao redor da sala, encostados, a fauna humana se oferecia ao ataque. Escolheu um melhorzinho, conferiu o tamanho do sapato, e atacou. Deu uma suave passada de mão sobre o membro do operário da construção civil e sorriu. Não falei? Tem sempre um que quer. Rapidamente se entenderam pelos olhares e toques e, em menos de meio minuto, já estavam sentados na penúltima fileira. Com gentileza, Valdemar desceu o zíper do jeans, apalpou os pentelhos, tirou a cueca do caminho e sorveu, já na meia bomba, o grosso cacete do nordestino. Ele, refestelado na poltrona, gania baixinho, ora olhando o filme ora a cabeça de Valdemar subindo e descendo seus cabelos brancos, tentando absorver, da melhor maneira possível, as gostosas sensações que aqueles lábios úmidos e aquela língua de serpente produziam em seu mangalho. Estava bom demais, a bicha era competente, pensou, pressionando-lhe a cabeça de encontro aos pentelhos, a cabeça da rola cutucando as amígdalas quentes. Socou, forçou, abandonou-se ao prazer após soltar seus jatos de líquido espesso.
Valdemar ainda lambia os lábios, ainda passava a língua pelos cantos da boca, olhando a cara de satisfação do sujeito quando ele, fechando rapidamente o zíper, levantou-se para ir dar uma mijada. Os olhos de águia de Valdemar bem procuraram alguma colega por perto para comemorar “mais um”, mas não havia ninguém ao redor, razão pela qual deu novo muxoxo, agora de triunfo, e levantou-se da cadeira. Passou soberana pela fauna na parede, desfilando em seus invisíveis saltos altos, certa de que o valor do ingresso fora bem empregado, pois o gosto forte da porra ainda encharcava suas papilas. Pelos esotéricos cálculos empreendidos, aquilo era esperma guardado há uma semana, estava convicto; bem como acertara, mais uma vez, pelo tamanho do pé, dezenove ou vinte centímetros.
Sentado apoiando-se novamente no queixo, sua mente deu um salto. Os relatórios estavam lá, um com o estoque de clipes e o outro de lápis número dois, porque diacho a Cenira implicara que haviam sumido? Ela tem dessas coisas, às vezes varia, coitada, deve ser a idade. Eles se conheciam desde a CMTC, quando foram aprovados no mesmo concurso para trabalhar no serviço municipal. Depois, com o fim da empresa, foram deslocados para a secretaria de administração. Cada homem lindo, meu Deus, recordava, quando era designado para ir fazer algum trabalho na garagem, circulando entre os motoristas. Coisa que, vamos ser claros, foi o motivo maior pelo qual prestara exame na CMTC. Ele estava tendo um caso, na época, com um motorista e fora ele quem lhe dera a informação do exame. A loira requebrava mais que passista da Portela para entrar na sala do chefe, era uma imagem do filme, confundindo-se com a CMTC, a Cenira e o batom. Isso é rebolado de quem vai dar o cu. Será que os relatórios estão no armário?, distraiu-se momentaneamente, enquanto a loira descia o zíper da calça do chefe. Não é possível... eu vi, meu Deus, vi perfeitamente que os dois papéis estavam em cima de minha mesa, como foram sumir? A loira apoiou-se sobre a mesa e o chefe desceu sua calcinha. O pau deu uma breve deslizada na buceta para molhar, mas foi mesmo enterrado no cu, não falei? Era rebolado de cu.
O rapaz tinha pernas grossas, trinta anos no máximo, e era pezão. Valdemar largou o filme e foi atrás. Com mochila nas costas, o gajo parecia já saber o esquema e foi direto para o dark room. Valdemar aproximou-se, como não quer nada, e conferiu da porta. O rapaz encostara-se à parede do fundo, sintonizado no que acontecia ao redor. Uma colega sugava com vontade um fregues. Aquilo atiçou o rapaz, ele começou a coçar seu membro. É agora. Esgueirando-se, Valdemar se aproximou do mochileiro, deu uma encarada. O rapaz desviou, mas não saiu dali. Bem, o jeito é aguardar. Esperou ele tirar o pau pra fora, começar a se masturbar, e voltou a abordar o tipo que, embriagado, dessa vez não recusou a mão carinhosa de Valdemar lhe fazendo um afago. Da mão para a boca, foi zás trás. A rola cresceu entre as mucosas, melada de saliva, escorregando entre os lábios de Valdemar, ajoelhado à sua frente. Impulsionado pela outra chupada ao lado, o mochileiro se aproximou. Percebendo o interesse, o outro macho lentamente deslocou sua mão em direção às nádegas do rapaz e cravou, por cima da calça, seu buraco. O mochileiro fechou os olhos de tesão e, pouco após, inundou a boca de Valdemar de esperma. O ex-funcionário da CMTC ainda estava se deliciando com o sabor conquistado quando deu por si e viu-se sozinho. O rapaz do pezão sumira.
Um japinha estava ao lado e balançava o pau para Valdemar. Ah, quem tá na chuva é pra se molhar, vamos nessa. Era um pauzinho perto do outro, mas tinha leite, era o que interessava. Três esporradas na noite, até que não estava mal, pensou ao erguer-se, fisgado pela dor do joanete. Foi ao banheiro, não para se aliviar, mas para ver o que rolava. Dois caras próximos entre si socavam um bronha sentida no longo mictório de aço inoxidável. Valdemar sabia que daquele mato não sairia coelho algum, eram voyers e punheteiros profissionais. Pela abertura inferior da porta fechada de um dos box apareciam os pés de um cara e os de uma traveca que, pelo posição, denunciavam foda. Qual delas seria?
(segue)
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