Ainda faltava uma hora.
Já havia se passado boa parte do tempo do translado até a França, onde pegaríamos um vôo para Moscou, e de lá para Irkutsk. Mas ainda assim, faltava uma hora até a primeira aterrissagem.
Leo dormia tranqüilamente recostado no banco, parecendo um anjo cansado, chegando até a arrastar os olhares das aeromoças que passavam pela fileira onde estávamos seguidos de serviços muito solícitos das mesmas, quando tal acontecia sentia uma pontada de raiva no fundo de meu peito e pensava “Se ao menos isso fosse um espaço aberto, eu mandaria essas vadias saírem daqui e deixarem ele em paz...”. Hunter ainda não se movera e se não fosse pelo movimento irregular de sua respiração, poderia julgar que ele também dormia, com o rosto apoiado no punho e olhando fixamente para a janela. Depois de um tempo tentando definir se o garoto estava acordado ou não, percebi um detalhe interessante: Dois braceletes de couro em seus pulsos, peças bonitas, mas não muito chamativas. Suspirei e resolvi tentar um início de conversa.
. – Hunter? – chamei calmamente.
. – Como vocês se conheceram? – perguntou de supetão e sem tirar os olhos das nuvens.
Senti-me um pouco ofendido com a pergunta repentina.
. – Bem... – comecei já um pouco irritado – Estudamos na mesma sala, então não foi muito difícil...
. – Você gosta dele, não gosta Lucas?
A pergunta me acertou em cheio. Senti o avião todo girar e minha visão embaçar ao ouvir aquelas palavras que tanto evitei nos últimos meses “Você gosta dele...”, havia começado a pensar na possibilidade poucos meses antes, mas parecia remota demais para ser real. As palpitações, as crises de ciúme toda vez que ele mostrava interesse por alguém, os tremores e esperanças a cada toque seu... Era óbvio demais para ser verdade.
Mesmo assim, não consegui responder. O garoto começou a murmurar uma canção de melodia conhecida, mas letra completamente estranha, mesmo assim, extremamente familiar. A voz de Hunter era um pouco contraditória: Aguda e desregulada quando estava falando, mas grave e rouca quando cantava. E a melodia possuía meu cérebro, entrando em todos meus sentidos, fazendo meus olhos lacrimejarem e minha mão tremer levemente.
. – Onde você ouviu isso? – perguntei com a voz um pouco trêmula.
. – A canção de ninar da Rosa... – respondeu em um tom calmo – Nossa mãe costumava a cantá-la – virou-se e me encarou com seus olhos de cereja – Onde você a ouviu?
Preparei-me para responder, mas Leo murmurou em meia-voz.
. – Eu cantei e ele ouviu, podem fazer silêncio agora?
O pré adolescente olhou por um tempo para o irmão e voltou-se para as nuvens. Por minha vez, foquei-me no encosto de banco do passageiro à frente e aguardei o momento do pouso.
E outra vez o aeroporto se encontrava em um caos, a única diferença era que pessoas falavam apressadamente em francês ao invés de português. Leo também olhava como se todas aquelas pessoas fossem desnecessárias ali, ou em qualquer outro lugar, e o irmão mais novo fez questão de desaparecer e reaparecer do nada.
. – Leo, Lucas. – ouvimos a voz conhecida em nossas costas – O vôo só sai daqui a uma hora – estendeu um pacote de doces – Então é melhor arranjarmos alguma coisa aqui dentro para fazer. Doce?
Recusei, mas Leo enfiou a mão no saco e puxou um belo punhado de fosse o que aquilo fosse. Surpreendi-me com os acontecimentos das últimas horas, parecia que o garoto havia se tornado uma pessoa diferente, como se a presença do irmão de criação o tornasse mais atento, mais desperto. Dei de ombros e puxei-o pela mão, arrastando-o pelo saguão para andar um pouco pelo aeroporto, já que aquela era minha primeira vez em um país diferente e muito embora meu inglês fosse excelente, era melhor ter algum suporte ao lado.
. - Vous souvenez-vous? – ouvi Hunter perguntar repentinamente.
. - Mais comment oublier? – Leo respondeu calmamente, me fazendo lembrar de certo comentário há algum tempo.
. – Bon – replicou – Soyez prudent, enfant.
Leo grunhiu.
. – Casse toi. – e sorriu.
Olhei um pouco intrigado para os dois.
. – Não sabia que você falava francês. – disse enquanto andávamos.
Outro grunhido.
. – Baba era poliglota, nos fazia falar cada dia em uma língua diferente – e apontou para uma barraquinha ao longe – Sorvete?
Percebi que memórias da infância certamente não era a especialidade dele, logo, resolvi que deixar quieto me renderia mais.
Passamos muito tempo andando sem rumo pelas galerias do aeroporto de Paris, conhecendo lojinhas e mais lojinhas de souvenires e outros tantos de lojinhas e mais lojinhas de souvenires, nada de muito interessante, até que topamos com um conhecido naquele meio. Literalmente, esbarrei em Hunter.
. – Nom de Dieu – ouvi-o dizer baixinho enquanto equilibrava um copo de algo que lembrava muito café – Achei que iríamos nos encontrar só daqui a... – olhou em um relógio no alto – Quinze minutos.
. – Não te encontramos, isso foi um acidente – Leo respondeu, mas não sei se a discussão continuou por muito tempo.
Na verdade, não me lembro do que aconteceu, salvo por um ou dois flashes de uma mulher esfarrapada segurando minha mão e me puxando para um canto, quando me dei conta estava em um canto afastado do saguão principal com a mulher que devia se encontrar por volta de seus cinqüenta anos e com os dois irmãos do meu lado. A mulher vestia-se de maneira peculiar, mas facilmente reconhecível: Roupas largas, alguns símbolos estranhos tatuados, muitas cores e cabelo preso por uma tiara de moedas douradas, que brincavam com a tonalidade esverdeada de seus olhos... Era uma cigana. E estava com um baralho de tarô na mão.
. – Que tal uma olhada em sua sorte, estrangeiros? – ela falava em um sotaque arrastado que não se parecia em nada com francês, ou com qualquer outra língua que eu já ouvira.
. – Desculpe, mas não temos dinheiro – Hunter replicou rapidamente, também em inglês.
Os olhos de musgo da mulher se arrastavam por cada um de nós.
. – Não, não, meus caros – e começou a embaralhar o tarô – Não preciso de dinheiro.
E estendeu-nos o baralho aberto em leque.
. – Peguem uma carta. – disse.
Não deixei de reparar no desenho da parte de trás das cartas enquanto vi Leo puxando a sua, um desenho muito bonito de uma lua cheia nascendo em meio a um campo de folhas mortas. “É só coincidência” pensei. Gelo puxou a carta e encarou-a por algum tempo, virando-a para a cigana depois.
. – Ah, meu filho... – ela disse olhando-o nos olhos – O enforcado. Você já fez muito, certo e errado, mas agora é hora de pagar por seus erros – ela apontou para frente – Principalmente esse último erro, você não devia ter feito aquilo, meu caro, o preço será muito maior do que você imagina.
Por um segundo, vi os olhos de Leo se retesarem e sua mandíbula trincar, como se alguma coisa o houvesse machucado profundamente. Ele não deu o trabalho de responder, só entregou a carta para a velha e recuou um pouco, Hunter pareceu perceber e alguma coisa passou por seus olhos naquele momento.
. – Meu garoto? – a velha chamou, abrindo o baralho.
Um pouco receoso, estendi a mão e puxei uma carta, intrigando-me com a figura: Uma torre em chamas de cabeça para baixo. Virei a carta para a velha, que me encarou com aqueles olhos de musgo com alguma coisa que lembrava muito piedade.
. – A torre. – ela falou, pegando a carta de minha mão – Você será surpreendido pelo que acontecerá em breve, alguma coisa que mudará sua vida inteira, te virará do avesso e lhe deixará sem rumo. – me deu mais uma olhada – Tudo isso pelo que você fez. Não acha que foi demais?
Congelei.
A velha acabava de mencionar uma coisa que teoricamente só duas pessoas sabiam, minha mãe e eu. Não encontrei palavras para mencionar e só fiquei ali, olhando Hunter puxar uma carta com um olhar de preocupação.
. – E você, meu filho? - a velha perguntou docemente.
O garoto entregou a carta sem dizer nada, e a velha olhou-a confusa.
. – Como assim? – ficou transitando entre Hunter e a carta, mantendo o olhar de confusão que aos poucos transformava-se em ira – NÃO! – ela gritou – NÃO! – apontou para ele, que continuava com o olhar de preocupação – SAI DAQUI! SUMA DAQUI AGORA, AMALDIÇOADO! SUMA, MALDITO!
Hunter a olhou por um tempo e saiu, me cutucando e puxando Leo. Ao chegarmos ao portão de embarque, meu amigo se jogou em uma das cadeiras, seguido pelo irmão. Eu não consegui me sentar.
. – Hunter... – chamei baixinho.
Ele me olhou.
. – Qual era a sua carta?
Deu de ombros.
. – Não importa.
. – Qual era sua carta? – perguntei em tom mais firme, me lembrando da crise da velha.
Ele suspirou.
. – A roda da Fortuna – respondeu – Significa mudança, os altos e baixos do destino. – prevendo minha próxima pergunta, levantou a mão – Quando é tirado para uma pessoa daquela forma, significa Nada. Vazio. Um infinito de possibilidades e nenhuma definida, representa falta de destino, falta de vida.
. – E porque aquele escândalo todo? – perguntei tentando me distrair do que a velha dissera.
Outro suspiro, e olhou para Leo, que parecia em outro mundo.
. – É uma carta comum de ser tirada – olhou para mim com tristeza – Se você estiver morto. Só mortos não tem destino, meu caro.
E fechou os olhos.
Minha mente vagou um pouco nas palavras, mas logo voltou-se para a velha, fazendo com que minha mão fosse involuntariamente para meu pulso esquerdo, onde o relógio que minha mãe sempre usava estava, e junto com ele algumas lembranças.
“Entregue isso para Baba Yaga, diga que o que era para ser feito, feito está. E não me olhe com essa cara, se for para você saber de alguma coisa, ela te contará. E entenda, não mencione isso com ninguém, pelo bem de todos os deuses que esse símbolo no seu pulso representa, não mencione isso com ninguém, e se prepare: Um momento de grande turbulência virá daí para frente, e não há nada que possamos fazer quanto a isso.”
Bene, meus caros, agradeço pelos comentários e pela freqüência de comentários no conto. Lamento pelo incidente do conto anterior, e sim, foi proposital a mudança de narrador, e vai acontecer mais vezes, só que usarei outros termos, então já vou adiantá-los aqui:
Lucas – A torre
Leo – O enforcado
Hunter (yaay) – A roda da fortuna
*Upcoming*
Tiago – O imperador
E por aí vai... Ah é, me desculpem pela falha do conto passado, era para ter separado só que quando mandei para a publicação, a divisão entre os narradores sumiu ._.
Diiegoh’ – Gratzie, Signori^^
ArcanjoGabriel – Wow, obrigado... E não se preocupe, Signori, de Yaoi a Yuri, de uke a neko, de lemon a Orange, eu entendo disso... Muito embora minha preferência é o shohen-ai (já leu Gravitation?)
Matz – Desculpe... No início foi o Lucas, daí depois eu comecei a narrar.
Realginário – Não se preocupe, eu gosto de Hunter ^^ Foi mal é que na hora de edição a marcação sumiu e eu não percebi... Yup! Uma vez eu adotei o nome de Pólux junto com ele por conta disso. Por que não passa por despercebido, meu caro? É só praticar um pouco :D Desculpe por não elaborar mais a resposta, mas estou um pouco cansado com o excesso de trabalhos e monografias. Scuze...
Hercules Silva – Wow, obrigado, Signori^^
Shot – Foi mal...
Lucas M. – Aham, ensine-me, mestre! Essa escapada foi linda!
Syaoran – Foi mal, Signori...
Harlesson – Desculpa, não vai mais acontecer^^
Hogu – Como falei, desculpa... Haha, me falam muito de AC, só que não sou um grande fã, prefiro Trhillers *-* Relaxe, fugir do tema mais que o meu não tem como... Slayers...? Não conheço, é algum RPG? Eu costumava a jogar D&D com os monges no templo...
Leo253 – Vish... Imagino... Até agora eu não respondi nada, Né? Só estou lançando as perguntas no ar...
DW-SEX – Ah, obrigado... Foi mal pela mudança, mas acontece...
Ru/Ruanito – Vish, melhor continuar então... ^^ Bene, não me lembro muito, mas alguns dos monges eram bem... Como diria... Abençoados pelo deus da fertilidade... MUITO bem abençoados...
The Crow## - Meu caro, você ao menos lê os contos ou só comenta pelo título?
(AI) – Hahahaha, gratzie, signori... Lamento não te responder em francês, mas faz tanto tempo que não falo com ninguém que acabei me esquecendo...
Oliveira Dan – Foi mal, querido, mas é aquilo que expliquei ali em cima... E bem, muita coisa, mas só posso falar o que é ou não real no final do conto, por que... Bem, é um pouco tenso.
Hpd – Gratzie!^^
Signori, alguém aí conhece a série The Holders? São contos de terror sobre 538 objetos que devem ou não ser reunidos. Gostei principalmente pois reconheci uma frase que meu “pai” falava muito: “ Se você me desobedecer outra vez, vou te fazer desejar poder ter a escolha de viver no mais profundo abismo do inferno.” Meu pai era um doce. Sinto falta dele...
Gratzie ;3