*Natal*
Marcello é um homem bom, estou seguro disso, contudo não sei como reagiria ao saber do destempero de Cláudia para comigo. Ele é um ser humano admirável, realmente um querubim; coitadinho, improvisaram um colchão para ele, deu dó vê-lo se dizer satisfeito com a manta que mal o cobria.
Na noite anterior, acordei de madrugada, ajustei meu edredom sobre seu corpo e verificando que seus pés estavam descobertos, frios, eu me ajoelhei e os beijei como que em um agradecimento a Deus por me haver dado um anjo bom com cabelos cor de trigo.
Meus pais haviam retornado da chácara de uma amiga de minha mãe com Cláudia. Passaríamos o natal em família como há muito não fazíamos, todos acreditávamos que ela assim se sentiria melhor. Combinei com Marcello de cearmos com meus pais e depois irmos à casa dele.
Minha mãe se mostrou nervosa sobremaneira naquela noite. Meu pai se atrasara; era 20h e ele ainda não havia chegado da rua. Marcello e eu estávamos em meu quarto, Guto me visitava e dali iria para a casa dos pais de Marcello. Ouvimos os meus trocarem palavras duras, quando meu pai chegou; fiquei embaraçado com aquilo, mas tanto Guto, quanto Marcello, observando que fiquei sem jeito, disfarçaram que haviam escutado a troca de gentilezas. "Nem na noite de natal esses dois se dão trégua" pensei imaginando as caras amarradas de meu pai e minha mãe.
Guto se despediu de nós e marcamos de nos ver mais tarde. Ele saiu, mas esqueceu seu telefone, minutos depois o aparelho toca, pelo identificador era Heitor. Não atendemos, Guto retornou para apanhar o telefone que esquecera e ao perceber a chamada não atendida prendeu discretamente um sorriso nos lábios.
Por volta das 22h, quando já estávamos à mesa Aurélio interfonou, queria ver a filha. Meu pai o convidou para subir, surgiu um sorriso no rosto da minha mãe que jamais escondeu desejar uma reconciliação entre ambos, mas Cláudia protestou começando a desfiar seu novelo de impropérios.
Estava agressiva para além do “normal” se dirigindo à minha mãe de forma dura como ainda não havia presenciado. Seu tom de voz se elevou aos berros, estava descontrolada. Gritava coisas ininteligíveis, estava fora de si. Marcello ficou imóvel sentado à mesa, reparei que ele ficou ruborizado com o comportamento de minha irmã.
Meu pai tentava convencer Aurélio que voltasse em outro momento. Minha mãe tomou Letízia, que chorava, nos braços para levá-la para o quarto quando Cláudia se precipitou em sua direção de forma ameaçadora e dizendo que não era para ela descer com a criança. Sem entender o que eu fazia, sem mesmo pensar o porquê, me vi postado entre Cláudia e minha mãe, instintivamente não pude conceber agressão àquela severa senhora a quem tanto amo.
"Você não está sendo razoável, Cláudia, procure se acalmar, você está muito nervosa e isso não lhe fará bem, tampouco ao bebê" eu disse a minha irmã tentando fazê-la se conter; de tão descompensada; ela havia armado um tapa para minha mãe.
"O que é que você vai fazer? Você não tem direito de dizer nada aqui, você não é ninguém, bastardo. Não é à-toa que o quiseram abortar!" Ouvi Cláudia latir isso conta mim. (Mas o que?? - Jhoen)
Não pude entender direito o que ela dizia. Minha mãe gritava, "Basta!", mas Claúdia prosseguiu e as coisas que ela disse naquela noite... bem, doeu mais que qualquer tapa que dela antes houvera recebido.
"Quiseram abortá-lo sim!" ela gritou e prosseguiu "Ninguém nunca teve a coragem de contar para você, porque você era fraquinho, “dodói” demais pra suportar; e tinha aquela coisa no coração, e aí você começou a se sentir gente. Sabe por que papai e mamãe vivem discutindo?" Ela perguntava com a face contorcida por sua mente atormentada.
Minha mãe tentava demovê-la, dizia em castelhano para não prosseguir, mas pedi a minha mãe que a deixasse prosseguir, Cláudia havia ido longe demais e agora teria de se explicar.
"Então há essa mulher que vive rondando a vida de papai e mamãe querendo te conhecer; mamãe a odeia e você é o produto dessa vergonha toda, você é o fruto indesejado que ninguém queria, nem a sua mãe de verdade o quis." Cláudia vomitou isso para mim ao que perguntei com a voz embargada a que vergonha ela se referia.
Sou apenas um homem e nada mais para, além disso, não tenho vergonha em dizer que não pude segurar as minhas lágrimas. Durante anos minha irmã apurou sua esmerada técnica em me fazer sentir mal e naquela noite ela parecia mais decidida que nunca em usá-la contra mim.
"Sua mãe de verdade era empregada da minha, ela engravidou e até quis abortar você, ela tentou, mas eu acho que sua burrice é hereditária e ela não conseguiu e quando minha mãe a encontrou caída no quarto cuidou dela até você nascer e ela ir embora" Informou-me Cláudia de minha nobre origem, suas palavras me congelaram por dentro, mas percebi que ela estava muito além do que conhecia.
Cláudia me pareceu totalmente fora do eixo; percebendo isso me esqueci de seus insultos por um instante e me preocupei com seu estado. "Cláudia por que você diz essas coisas? Porque me odeia tanto assim?" perguntei a ela e completei dizendo que ninguém pode odiar tanto assim sem enegrecer a própria alma.
“Cláudia, existe uma vida que vale a pena, sem ódio, creia, essas suas mágoas e rancores têm se alimentado de você. Você precisa de ajuda, não vê? Esse não é o seu estado normal” Eu dizia a ela tentando contê-la.
“Você é lixo, Aurélio é lixo e todo resto. Não me venha dar lição de moral. Se existe alguém que precisa de ajuda aqui esse alguém é você. Você ainda não entendeu que você é o que sobrou do que alguém não queria” Dizia minha irmã, e suas palavras jamais me doeram tanto. “Cláudia, você não vai me fazer sentir menos por isso, Eu só quero que você pondere. Esse não é o seu estado natural”. Tentei inutilmente argumentar com ela, olhei para Marcello, ele tinha os olhos rasos d`água.
Ele havia ouvido tudo aquilo e eu senti uma vergonha infinita. Senti-me como o último da fila, como o rejeito do qual se deseja livrar, mal entendi tudo aquilo, Cláudia tinha um sorriso de ódio triunfante e horrendo.
"Agora meus pais têm que conviver com mais esse aí..." Disse ela olhando para Marcello com ódio nos olhos ao que respondi "Nem mais uma palavra, Cláudia, não prossiga!" Em resposta ela armou um murro desajeitado contra mim, e eu já me preparava para receber seu golpe como em outras vezes, havia me acostumado com seu mau trato, fechei os olhos e me preparei para o choque, quando notei que sua mão havia parado diante do meu rosto;
Marcello segurava seu pulso. "Não encoste nele, não diga mais uma palavra, sua perturbada, senão esqueço que você espera uma criança e torço o seu pescoço" Disse Marcello esmagando o pulso de Cláudia que reagiu gritando, Marcello a soltou e me puxou para meu quarto dizendo "Você não fica mais um segundo nessa casa – chega!" eu simplesmente chorava e não cria em tudo que acontecia, imagens vinha à minha mente, sentia dor, vergonha, um misto de coisas vinham e iam de dentro de mim me deixando enjoado, corri ao banheiro para vomitar, tinha a boca azeda.
Cláudia me preocupava e sentia certa culpa, queria ajudá-la, mas não sabia como, ela estava fora do prumo e eu não sabia como dar auxílio. Meu Deus, tenho tanto medo que ela enlouqueça, mas ao mesmo tempo estava tão confuso com tudo que ela me dissera.
Ao voltar ao meu quarto, encontrei Marcello juntando minhas roupas numa mochila e quando me viu em pé à porta ele disse, "Vamos embora agora". Pensei em ficar, pensei em meu pai, minha mãe e em Letízia e ensaiei um não. Ele se aproximou de mim dizendo, "Existem momentos em que temos que escolher, e esse é o seu momento"
Não consegui dizer palavra qual fosse. “Eu te amo mais que qualquer outra coisa e não vou suportar aquela louca encostando a mão em você, e se ela lhe fizer algo, Santo Cristo eu não respondo por mim” ele me disse de forma tão séria que senti medo.
Depois disso lembro de ter cruzado a sala e ver meus pais em silêncio à mesa, recordo de minha mãe perguntar aonde iria e de Marcello haver lhe respondido que não se preocupasse e que eu estaria com ele e ele cuidaria de mim.
Pela primeira vez, havia muitos anos identifiquei incerteza naqueles olhos cor verde-aflito de minha mãe. “Depois ele telefona e vocês conversam com calma” Marcello disse a eles. “Você vai sair de casa assim? Porque essa mochila? Vamos conversar direito” Disse minha mãe. “Desculpe-me, mas é com todo o respeito que digo a senhora que não vou deixar sua filha, que visivelmente precisa de ajuda psiquiátrica tratar o Claudinho assim, depois ele volta e vocês conversam” Disse Marcello.
Cláudia quis dizer alguma coisa, mas Marcello se virou e com o dedo em riste a fez calar trovejando “Uma palavra mais e você nunca mais dirá nenhuma” Ele estava muito, muito aborrecido, estava a ponto de agredi-la, pude perceber claramente. Ela se calou assustada no sofá. No carro não sabia nada o que passava, estava absorto em pensamentos muitos.
Paramos no meio do caminho e Marcello me perguntou se eu queria voltar e pediu desculpas por haver sido precipitado e que ele não tinha direito de me pressionar assim.
Pediu desculpas por haver sido duro com minha mãe e disse que com ela se retrataria depois o que não foi necessário. “Acho que não dá mais pra voltar, nem quero, não tem haver com eles, tem haver comigo, não sei direito o que sinto, mas não quero voltar” respondi a ele que balançou a cabeça concordando.
Mas em poucos instantes ele desabou em lágrimas dizendo, enquanto soluçava que não ia nunca mais deixar ninguém falar daquela forma comigo, nem mesmo meus pais ou minha irmã. Nos abraçamos e ali ficamos um tempo.
Uma patrulha nos abordou e um policial apeou da viatura e nos abordou perguntando o que ocorria, ao ver que chorávamos ele acenou com a cabeça, se desculpou e solenemente se afastou; o peso daquele momento era percebido por qualquer um.
Eu travei uma luta dentro de mim e comigo mesmo para não crer no que a mim havia sido dito, mas mesmo assim me senti menos que sobras servidas a cães vadios. Estava no chão e o que Marcello juntava em seus braços eram os restos de mim; alguém que fora indesejado.
Realmente foi a coisa mais dura que ouvi, doeu muito e me abalou, não vou mentir. O que era eu então? “O que quiseram abortar!” essas palavras de Cláudia me torturavam a mente. Realmente ela me atingiu num ponto onde doeu muito, ela conseguira me ferir profundamente.
A certa altura, Marcelo me perguntou “Você quer ir lá para minha casa como havíamos combinado? Se não quiser eu vou entender e...” Antes que prosseguisse interrompi Marcello dizendo que poderíamos ir sim e que estava em condições, afinal eu nem tinha o direito de separá-lo dos pais; ele os tinha e eles a ele; eu nem isso.
Acho que o que se rompeu naquela noite foi mais que um laço que na verdade jamais existira entre mim e Cláudia. Ainda não conseguia entender direito, mas não precisava ser daquela forma, não podia entender o que ela sentia em relação a mim, porém havia reconhecido que não era bom. Ela não precisava me contar daquela forma. O que ganhava com isso?
Tenho certeza que ela não se sentia bem, ninguém consegue se sentir bem após por outra pessoa tão para baixo como ela fez comigo. O porquê de sua necessidade de me humilhar eu desconhecia.
Ao chegar à casa de Marcello, quando ele puxou minha mochila pedi que não descesse com ela ainda. Ele atendeu acho que conseguiu compreender tudo, estava triste. “Não quero que percebam que estou mal” disse eu a ele ao que me respondeu “Estamos; eu também estou muito mal, e se não quiser subir entenderei. Podemos ir a outro lugar, o que eu quero e fazer com que pare de sofrer.”
Disse a ele que tudo bem, e que não deveríamos deixar os pais dele esperando. Lavei meu rosto no banheiro da garagem do prédio e tentei me compor, “noblesse oblige” minha mãe me teria dito com sua dureza habitual, “compromissos devem ser honrados” eu cresci ouvindo isso também.
Mas as palavras de Cláudia me apertavam o peito. Dentro do elevador um beijo de Marcello rompeu aquele silencio pesado “Eu te amo e você é muito importante para mim, não você é a coisa mais importante na minha vida!” Ouvi de Marcello que me fez parir um sorriso triste, eu estava péssimo.
Fomos recebidos à porta por sua mãe que num abraço quente me envolveu; “Deus abençoe a Calábria por ter dado ao mundo famílias como a da mãe de Marcello” pensei, como aquele abraço me ajudou. Um cheiro de rabanadas impregnou o ar, era noite de festa, ela sorria e me abraçou perguntando como eu estava, devolvi o sorriso e ela nos conduziu de braços dados conosco.
Havia muita gente, primos, alguns tios e fui apresentado a algumas pessoas “esse aqui e outro filho que tenho” disse o pai de Marcello me introduzindo a alguns amigos seus, todos simpáticos. Ser filho de alguém, naquele momento pareceu ser a melhor coisa que alguém poderia desejar, ser desejado.
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Realmente Cláudio está comendo o pão que a diaba da irmã amassou. Ela tá merecendo uma surra da pau duro, coisa que o Aurélio não conseguiu por isso essa rebeldia -_-. Foi até bom agora Cláudio sabe de tudo, coisa que estavam escondendo a décadas. Será que Coelhinho irá procurar seus pais biológicos? Fez bem Cachorrão botou ordem na Nazaré filha MUUHAHAHAHA