Ele me apresentou ao maior repertório de piadas racistas que jamais integrante algum da Ku-Klux-Klan fez idéia. Mas isso não irritava, apenas aborrecia, contudo um fato me magoou, no dia do seu casamento todos receberam convites para e cerimônia, meu pai e minha mãe, eu não. Não se tratou de um esquecimento, de fato descobri depois que ele não queria que eu estivesse presente à cerimônia. Resolvi relevar pelo bem da boa convivência familiar.
Ele jamais me destratava na frente do meu pai, mas diante da minha mãe jamais se desfez em mesuras para comigo. De qualquer forma ele estava ali, e parecia precisar de auxílio, não esqueço o fato dele ser pai da minha sobrinha e mais uma que virá.
“Bonita caminhonete do seu amigo” disse ele já provocando. “É do pai dele” respondi querendo entabular uma conversa, mas notando a mordacidade que lhe é peculiar desisti e disse a ele que se quisesse conversar e se eu pudesse ajudar o faria com gosto. “Agora não” Ele respondeu e me afastei em silêncio lembrando que devo me ocupar de quem me trata bem.
Ao subir, notei que meus pais estavam imersos no silêncio que se faz após as discussões; como diz o Guto “climão”. Conversei rapidamente com eles e fui para o quarto, cruzei com minha irmã no corredor que respondeu com um oi desinteressado e continuou em direção a cozinha quando perguntei como ela estava e como estava o bebê. “Tentei!” eu pensei comigo.
Meu quarto estava em ordem, mas notei que haviam estado nele, uma foto em que estávamos Marcello e eu, e que guardara dentro de um livro havia sido deixada debaixo da cama. Teria caído sozinha?
Telefonei à Marcello e animado, me perguntou se podíamos ir ver o apartamento na sexta, concordei. Mais tarde tentei falar com a Lu em Belo Horizonte, mas ninguém atendeu.
Fui dormir com um leve incômodo causado por uma dor de cabeça.
Durante o sono leve pude ouvir os sons da rua, custei a me desligar. De madrugada, num daqueles momentos de sono mal dormido em que se quase volta à consciência, ao virar para o lado, vi um vulto sentado na cadeira me observando escuro. A sensação de terror entrou pela minha boca, e meus batimentos cardíacos me fizeram sentir meu coração pulsando em minha garganta.
Saltei da cama, armei o punho e me preparava para esmurrar o que sei lá pudesse ser quando ouvi: “Calma! Você sempre acorda estressado assim?” Disse meu cunhado acendendo a lâmpada do abajur. “Santo Cristo, o que você está fazendo aqui? Quase tive uma síncope” Disse a ele me refazendo do susto e puxando o lençol, dormia nu por conta do calor, o ventilador não o aplacava e o vento teimava em não entrar pela janela. É dura a vida dos “sem-ar-refrigerado” em Brasília, acreditem.
“Eu preciso falar contigo, sabe, nós nunca nos demos bem, mas eu notei que você cresceu e eu acho que posso confiar em você pra falar um pouco de mim, pelo que eu estou passando” Ele disse enquanto eu me vestia. É péssimo ser acordado assim, por conta disso tive dor de cabeça até a manhã seguinte.
“Obrigado por me oferecer ajuda, é bem mais que jamais recebi dos seus pais ou dos meus. Mas talvez fosse, como você diz, apropriado, se conversássemos em outra hora, foi um erro ter vindo aqui” disse ele se levantando, notei que ele estava embriagado. “Não, fique” Disse a ele e me desculpei por haver gritado com ele.
Lembrei que pouco antes de adormecer ouvi os dois discutindo, recordei também dela o haver posto para dormir no sofá, que não é a melhor acomodação da casa, creiam.
“Claudinho, sua irmã é uma boa moça, tem temperamento difícil, mas é uma boa esposa, mas sinto que algo mudou entre nós, da parte dela e da minha também." (Os pais dela precisam dar uma surra nela - Jhoen)
"Há umas coisas a meu respeito que nunca tive oportunidade de conversar com ninguém e acho que talvez você seja a pessoa certa, talvez você possa me entender.” Ouvi dele que falava com dificuldade e com a voz pastosa. Estendi o bi-cama que fica debaixo do meu para ele deitar. Estava sujo e, como Marcello diz, pingando de sono. Ao ver o lençol branco do bi-cama, ele se arremessou contra ele e dormiu quase que instantaneamente.
Fazendo uso de outra expressão de Marcello – que pinga estranha foi essa? Coitado, ele estava em um estado lastimável. “Esse Márcio parece ser um bom cara” disse ele a mim adormecendo. “Marcello” Corrigi. ele desmaiou no sono eu ainda fiquei ali pensando no quanto a minha família que já não era muito ajustada se tornou “trash” com a chegada desse casal.
Tive pena das crianças. Que estrutura teriam? Dormi com a dor de cabeça martelando meu crânio, o calor abafado e o cheiro do perfume forte do meu cunhado misturado ao da cerveja, ou seja, lá que veneno ele tomou.
Na manhã seguinte levantei sem fazer barulho, tomei uma ducha gelada, e saí antes de todos. Ainda não encontrei com ele desde então, mas ele me telefonou dizendo que precisava conversar comigo. Quanto a Marcello ele está imensamente empolgado com a possibilidade do apartamento, não o compraremos agora, só o alugaremos, mas está tudo ótimo, qualquer lugar ao lado dele para mim será um palácio.
Guto também me telefonou e disse que também quer conversar, desejo falar com ele desde que estava em Goiás Velho tive vontade de saber sobre seu sentimento com relação a Lú. Essa semana foi realmente corrida, no trabalho estou muito embaraçado. Ainda não consegui falar com Guto. Marcello também está muito atarefado e quase só temos nos encontrado direito depois da faculdade. Bom amigos, o final de semana passado foi ótimo, mas minha volta à casa não tão boa.
Ta amarrado em nome de Jesus!!!!
“...Então estamos combinados, senhor Jorge?” Marcello perguntou estendendo a mão a aquele senhor de aparência grave que depois de quase duas horas de conversa deixava escapar um sorriso amarelo e contido. “Amém!” ele disse em resposta e completou que precisava ver um horário para poder ir ao cartório na segunda-feira, mas que poderia entregar logo as chaves e pediu a Marcello que telefonasse na manhã seguinte.
Descemos dois lances de escada (são somente três pisos e não há elevador). Subitamente, me arrastando para um canto, Marcello que parecia uma criança que ganhara sua primeira bicicleta, me encostou contra a parede e olhando para os lados verificando rapidamente se vinha alguém, me deu um beijo e sussurrou de olhos fechados “Meu amor tudo está dando certo e esse é só começo das coisas boas!”
Ganhamos a rua e nos dirigimos ao carro.
Marcello cantava “... dove sei, e come stai, non ci sei, ma dove vai?, io sono qui, come te, con questa paura de amare per, due minuti, due ore o um’neternità, duellanti nel maré, di questa città...” Ele simplesmente ama essa música e quando a canta é como ouvir a voz de um anjo que em gratidão a Deus, entrega ao mundo o melhor que há em si por meio da música.
Quando a ouço rememoro a voz do meu anjo de cabelos cor de trigo.
Não me recordo de haver visto tanta luz em seu rosto, seu sorriso jamais foi tão lindo. O sol daquela tarde nos abraçava e parecíamos dois moleques em dia de feriado. Ao entrar no carro ouvi de Marcello “já estou me sentindo em casa” e em seguida me deu um beijo na testa. Após sentir seu hálito e seu perfume que àquela hora do dia se mesclava ao seu cheiro natural me fazendo amar o calor, observei que da janela do apartamento uma sombra nos espreitava, era a esposa do senhor Jorge que bem poderia passar por sua filha de tão moça que era.
Ela havia visto o beijo que recebi; eu não disse nada a Marcello que manobrou o carro e saiu lentamente do estacionamento, não sem antes acenar à janela de onde o proprietário do apartamento, que agora aparecia. Músculo algum moveu em resposta, havia sido chamado por sua esposa que pareceu haver-lhe dito algo. Senti um laço no pescoço e pensei em contar a Marcello, mas ponderei que poderia ser somente impressão e nada mais.
Naquela noite comemoramos e a certa altura, enquanto fazíamos amor, Marcello chorou. “Deus tem sido tão bom comigo, Coelhinho que às vezes eu nem sei se te mereço tanto” disse ele me abraçando enquanto eu beijava suas lágrimas. Dormimos assim e foi como se fosse nossa primeira vez; eu o senti tão meu, tão frágil, mas ao mesmo tempo tão forte. Quis transportar sua alma para o cimo do monte mais alto para que nada lhe sucedesse de mau.
Na manhã seguinte, ao acordarmos, nos amamos novamente e entre sorrisos e afagos que trocamos, ele me disse “segunda-feira à noite estaremos fazendo amor em nossa casa!” Marcello telefonou para acertar detalhes com o cartório, melhor horário e prazo para entrega das chaves. Ele sorria e de tão empolgado não conseguiu tomar uma gota de café. “Gostei do Sr. Jorge, ele me pareceu tão boa pessoa” disse-me Marcello enquanto sorrido discava os números no aparelho.
Aprendi a amar essa crença inocente que há no coração dele, essa vontade de acreditar que todos são bons e que de igual modo merecem confiança. Com a xícara na mão um sorriso tão grande que mal lhe cabia no rosto, e aquela gravata torta que tenho sempre que ajustar, ele acionou o viva-voz para que eu ouvisse a conversa: “Senhor Jorge aqui é Marcello, quero combinar o horário para irmos ao cartório na segunda e...”
Antes de a xícara, arremessada por Marcello, se desintegrar contra a parede e tingíla de em uma mancha que mais parecia um Miró triste, ouvimos claramente o pastor responder ao ouví-lo: “ESTÁ AMARRADO EM NOME DE JESUS!” e bateu o telefone. O olho de Marcello mudou de cor na hora, ele berrou de raiva mil palavrões descontroladamente e quis ir ao encontro do senhor Jorge para socá-lo, mas o demovi. (O_O assustei com essa atitude, esse homem que faz promessas e não cumpre, morde nele Cachorrão! - Jhoen)
Depois de 20min de resmungos e pragas ditos em dialeto calabrês que eu desisti de tentar entender faz tempo, ele pôs a cabeça no meu colo e desabou em chorou como uma criança decepcionada. Marcello ficou se desculpando a todo tempo por haver falhado e por coisas que só existem na cabeça dele; sei que ele falta alguma cometeu senão a de ser ele próprio e de se permitir amar e ser amado de uma forma tão verdadeira, honesta e simples que infelizmente aquele senhor jamais conhecerá.
Marcello falava que tudo havia sido sua culpa de alguma forma e que estava arrasado. Eu o vi tão triste que sofri não pela perda do negócio, mas pela dor que dele se desprendia.
Ver a aflição de quem se ama é dor que não se pode traduzir em palavras, Deus que perdoe minha ira, mas desejei em segredo socar a cara daquele homem que causara tanto amargor ao meu anjo. Preferiria sufocar no azeite fervente ou tomar água do mar para aplacar a sede a ver meu Marcello caído daquele modo.
Homens que somos, quando amamos nos tornamos fortes, mas ao mesmo tempo frágeis, aprendemos a sentir de forma diferente a vida e episódios como este que em outro momento passariam diante de meus olhos sem me causar dor agora me feria a alma. Quis de algum modo arrancar do coração de Marcello aquele cravo que em dois partia seu peito e não deixar que daquela dor provasse, mas me resignei em abraçar-lhe, palavras não tinham lugar naquele instante e o desapontamento tão somente era dono de tudo; o véu negro da decepção nos cobriu por todo dia.
Naquela manhã difícil, Marcello ficou calado quase todo o tempo. Dormia, acordava, me abraçava e voltava a dormir, não tínhamos força para levantar da cama. À noite fomos ao Pontão, ele queria que ficássemos juntos em um lugar onde todas as vezes que fomos estivemos felizes.
Lá ele chorou mais e mais e me pediu desculpas por haver falhado. Disse a ele que ele não havia falhado e que a mim bastava tê-lo e que tudo o mais que existia sentido algum fazia sem a sua presença. Naquela noite, ele dormiu em posição fetal de costas para mim – queria ser abraçado, antes de adormecer, voltou a chorar de raiva até que entre um soluço e outro dormiu; eu o abracei e assim, afundamos no sono.
No dia seguinte ele estava melhor, ainda arrasado, mas havia melhorado, foi ao sítio ver os pais e insistiu que eu fosse ver os meus “Eles ainda estão aqui e deles temos que cuidar e bem sei que às vezes eu o absorvo quase que totalmente e sei que isso não é justo, cuida um pouco dos seus” ele me disse.
Ao telefonar para casa minha mãe solicitou minha presença, queria conversar comigo, meu pai precisa fazer exames, desconfia-se que seus índices de glicemia e outros estão alterados. Pelo tom notei certa urgência.
Depois do almoço, Marcello e eu ainda passamos certo tempo juntos e quando a tarde atingiu o meio ele me trouxe de volta à casa. Disse que assim que chegasse ao sítio me telefonaria ao que respondi que estaria esperando. Quando à minha casa tornei, encontrei um bilhete de meus pais dizendo que logo estariam de volta, pois sim, era dia de encontro de casais e não raro o ofício dura até às 22h, deveria ter acompanhado Marcello pensei.
Eu estava muito aborrecido pela forma como as coisas sucederam. O que terá dito aquela moça ao seu esposo? Estava muito chateado e decidi dormir. Assim o tempo passaria mais depressa. Fui acordado com o telefonema de Marcello, tudo corria bem, mas que era certo que dormiria no sítio com seus pais.
Pensei ser melhor assim, desse modo não tomaria a estrada à noite embora quisesse que ele voltasse logo; Aurélio e Cláudia discutiam. Ainda bem que minha sobrinha dormia no quarto dos meus pais. Às vezes imagino como seria bom se a língua dos dois sumisse até o nascimento do bebê, imaginei.