Camila observou enquanto Marina se aproximava aos bamboleios, trazendo consigo duas garrafas de cerveja – Aí Mila, mais duas pra saideira, o bar já tá quase fechando. – As palavras saiam em meio à um dos mais belos sorrisos que Camila já vira.
É, também, já são quase 03:00, tá na hora de ir embora, né? – As garrafas esvaziaram-se em não mais do que 10 minutos. Um beijo na bochecha direita de Zé, o dono do bar, acompanhado de um pedido de desculpas, pareceu o suficiente para pagar a conta das bebidas consumidas. As duas saíram do botequim cambaleando, uma agarrada a outra. Camila, que é quase 15cm mais baixa que Marina, ficou encarregada de suportar o peso da amiga, que passou o braço sobre seus ombros. Ora, não se pode dizer que a diferença de altura era culpa da mais baixa, afinal, Marina tinha quase 1,85m.
Um quarteirão dali, entraram em um CrossFox vermelho, emprestado pelo pai de Camila e, foi a própria quem sentou no banco do motorista. – Pega um CD ai no porta-luvas pra mim Mari – disse ela, enquanto ligava o carro e engatava a marcha – Um com a capinha azul. – O som era animado, e as duas, que já estavam empolgadas com o efeito do álcool, animaram-se ainda mais. A cantoria em voz alta não acompanhava, nem de longe, o ritmo da música, mas isso não incomodou nenhuma das duas. As ruas estavam vazias devido ao horário. Depois de rodar por cerca de 5km, metade do caminho até o apartamento onde Mariana vivia, aconteceu o as autoridades policiais considerariam previsível. Sem ter muito controle das suas funções cognitivas, Camila acabou colidindo na traseira de um veículo que estava parado no sinal de um cruzamento. Apesar de ter sido uma batida de leve, já que Camila tinha visto o carro, apenas não havia calculado corretamente a distância necessária para frear, um homem desceu do carro da frente enfurecido. O carro era, pelo que lhes pareceu, um carro... bem chique. E o homem era bonito, apesar de baixo e muito magro. Poderiam dizer que ele era também elegante, se não fosse os palavrões que saiam a esmo de sua boca. Foi Mariana quem saiu do carro para tentar acalmar o homem – Calma moço, olha, não foi culpa nossa, e também, só arranhou, não dá nem pra perceber direito.
- Arranhou é o caralho! Amaçou essa porra toda, vocês vão ter que pagar essa merda. Vou ligar pra polícia agora! – Ele também parecia alcoolizado, e estava parecendo cada vez mais nervoso. Mariana olhava para dentro do CrossFox, como se solicitando ajuda de Camila, que ainda se mantinha no banco do motorista, inerte. Nem ao menos havia desatado o cinto de segurança.
- Vai ligar pra policia é? E o que que você acha que vai acontecer? To sentindo o seu bafo de cachaça daqui. – Replicou, tentando manter os ânimos tão calmos quanto possível. – Olha, a gente vai pagar, ta bom? Não precisa ficar gritando com a gente. Vou ali no carro pegar o dinheiro. Recebi meu salário hoje, te pago agora mesmo. – disse, caminhando para o carro enquanto respirava fundo.
- Camila, você sabe que você tá errada né? Você bateu na traseira do cara... é melhor a gente dar o dinheiro do concerto pra ele e ir embora. Se ele chamar a polícia, você vai perder a carteira. – A voz dela soava quase maternalmente. Uma mãe repreendendo a filha. – Alô, to falando com você, acorda amiga.
Camila continuou fitando o homem por mais alguns segundos antes de se dar conta de que a outra menina falava com ela – Sim, claro. Vamos dar o dinheiro pra ele... Eu to com identidade falsa, se a polícia aparecer aqui eu to perdida. – Ela saiu do carro, e se aproximou do homem, que esperava impaciente, com o celular na mão, como uma ameaça de discarEai, cadê a porra do dinheiro do concerto? – Marina tirou um envelope da bolsa. Era todo o dinheiro do salário do mês, e entregou ao homem. Ele abriu o envelope e contou as notas – Tá de sacanagem né? Você acha que isso aqui paga o concerto do meu carro? Isso aqui é um Porshe, sua retardada! – Ao gritar, algumas veias de sua testa e pescoço pareciam prestes a estourar, e sua cabeça tomara um tom avermelhado que o deixaria cômico, se não fosse a situação. Mas, o homem respirou fundo depois de mais meia dúzia de palavrões e continuou – Olha, me da o seu telefone, endereço e identidade, que eu entro em contato com vocês pra resolver essa merda. Eu tenho que ir embora logo.
- Mari, leva o cara lá no porta-luvas e mostra pra ele a conta de luz que tem lá pra ele ver o endereço. – pediu Camila, num tom que parecia calmo e ao mesmo tempo ameaçador. Mesmo sem entender o porquê de ser ela quem tinha que fazer aquilo, ela acompanhou o homem até o carro, abriu a porta e sentou no banco da frente para mexer no porta-luvas. Ela reparou que enquanto o homem esperava ao seu lado, em pé, fitava os seus seios sem parar por um segundo, sequer para piscar. Não é possível culpa-lo, ambas as meninas estavam na flor da idade, ambas com 17 anos. Inclusive, esse era o motivo da identidade falsa. As duas frequentavam a muito tempo a academia, e eram belíssimas de se admirar.
- Aqui, achei a conta de luz. Pode conferir o endereço aqui e ai você... – O susto que Camila tomou só não foi maior do que o do homem. Mariana havia se esgueirado por trás do sujeito e lhe aplicado um mata leão. O homem era mais baixo até mesmo que Mariana. O topo de sua cabeça ficava a altura do queixo da menina. Ela apertava muito, e com certa técnica, o homem não conseguia nem mesmo gritar. Apenas ouviam-se guinchados de dor e desespero saindo dele. Camila, mesmo não entendendo, agiu por instinto. Segurou os braços do homem, enquanto ele desfalecia. Tudo não durou mais do que dez segundos. Com o sujeito apagado, Camila disse entre arfadas de ar – Que que você fez, sua doida? Além de bater no carro do cara ainda bate nele?
- Ele ia ligar na minha casa porra! Que que você queria? Você esqueceu qual a minha idade? Você achou mesmo que meu pai tinha me emprestado a merda do carro? Ele tá viajando, ta achando que eu estou em casa, dormindo! O que que você queria que eu fizesse?! – disse entre berros, ainda tremendo pela adrenalina liberada com a situação.
- Merda, merda, merda, merda! O que que a gente vai fazer agora? Ele já viu a placa do carro, nossa cara, tudo! – O homem ainda estava escorado entre as duas, que o seguravam. – Ai meu deus... a gente não pode ir embora.
- Não tem outro jeito – respondeu Mariana. – Me ajuda a botar ele no porta-malas. A gente vai pro seu apartamento e resolve o que faz. – Apesar da situação, ela parecia mais calma agora. Sem muito esforço, pela estrutura física do rapaz, colocaram-no no porta-malas do CrossFox. – O carro dele está com a chave na ignição ainda, vai dirigindo até o seu prédio que eu vou atrás, não dá pra deixar o carro aqui.