Sempre fui meio louco, sabe?
Um louco contido, sob controle.
Na minha
área profissional eu era
consideradado o cara. O pior é
que eu me
considerava o cara. Se alguém
me elogiava, eu dizia em meu
íntimo,
exteriorizando um sorrisinho
irônico: “Agora fale algo que eu
não saiba.”
Convencimento? Talvez, mas
verdade seja dita, eu era
realmente assim, muito
cheio de mim e excessivamente
confiante, como se nada pudesse
abalar minhas
estruturas. Como se fosse
insubstituível, um homem de
ferro, à prova de
balas.
Quando resolvia tirar um
tempo só para mim, aí liberava
toda a
adrenalina acumulada, como se
não bastasse minha própria vida
que já era
feita de adrenalina. Eu era um
brasileiro naturalizado
americano, um marine
da USMC (United States Marines
Corps [Corpo de Fuzileiros
Navais dos
Estados Unidos da América]). Eu
era membro das forças militares
mais
poderosas que o mundo já
conheceu desde que o homem
veio a existir na face
da terra. Eu era um grande
orgulho para mim, para minha
família, para o
Brasil e para o tio Sam. Eu me
achava. E aquilo me subia a
cabeça como uma
droga, sabe? Eu amava a guerra
e a guerra parecia gostar de
mim. Iraque,
Afeganistão e de novo o Iraque.
Na primeira guerra contra os
iraquianos,
pude vivenciar a Operação
Tempestade no Deserto. Uau, eu
estava no céu.
Mesmo nos momentos em que
eu devia respirar, agir como um
civil, lá
estava o espírito militar
incorporado em cada gesto,
alerta aos perigos
mesmo quando o som do perigo
nada mais era que o ruflar das
asas de um
pombinho a alçar voo. Minha
mente estava institucionalizada,
era algo
efetivo. À parte das ações
militares que me fascinavam,
meu hobby era minha
cara e minha cara era o
radicalismo, e o radicalismo se
personificaca na
forma de uma moto ou de um
carro. Eu vivia correndo como
um alucinado,
inclusive participando de rachas
onde quer que tivesse um pra eu
arriscar
não só minha vida, mas a de
outros também. As
conseqüências eram óbvias,
mas se complementavam como
partes de um todo. Quando
dentro do meu carro ou
em cima de minha moto, eu
deixava de ser eu. Ficava meio
insensível, meio
máquina e meio humano, sei lá.
Certa vez minha mãe me
disse: “Sabe do que você
precisa? De uma boa
garota pra se apaixonar e
casar, alguém que lhe complete. Ou seja, sua cara-metade". Eu ri. Sempre achei que
essa coisa de
amor é meio que coisa de
viadinho, o cara fica todo
manteguinha derretida,
delicadinho e vulnerável. Não
era pra mim. Eu era filho de
militar
brasileiro, eu era um militar a
serviço da maior potência
militar do
planeta. Homem preparado prà
guerra, sempre alerta ao perigo,
preparado
para não ter medo. Habituado a
matar para salvar vidas. E
obviamente
preparado para morrer pela
bandeira americana.
Chegamos ao ano de 2004.
Entrei de férias e escolhi o
Brasil para
relaxar um pouco. Escolhi São
Paulo como ponto inicial, pois
pretendia
conhecer vários lugares, porém
não sem antes conhecer “a
estrada de
Santos”, pois crescera com
aquilo na cabeça, pois meu pai,
que adorava o
cantor Roberto Carlos, sempre
repetia: “Você precisa percorrer
a estrada de
Santos, só assim vai entender
realmente o que Roberto quer
dizer”.
Naquela noite, uma gostosa
sexta-feira, eu finalmente ia
descer a serra
para a Baixada. Ia conhecer a
famosa “estrada de santos”.
Sozinho. Adoro as
noites. As luzes dos farois me
fazem lembrar vagamente
mísseis cortando o
negro dos céus. Sobre a pista,
em alta velocidade, me sinto
como voando
livre sobre e sob um manto de
estrelas. Muito doido isso, mas é
assim que
eu me sinto. A alucinação da
heroína não poderia ser mais
alucinante que
minha própria mente, drogada
por natureza.
Seguia a milhão pela
trabalhadores. Uma viatura
começou a me perseguir
com o giroflex acionado. Reduzi
e parei. Os caras vieram
marrudos. Levei
numa boa e após me identificar,
os caras só faltaram beijar meus
pés e
lamber meu saco, babacas. Tudo
bem, prossegui. Já tinha passado
pelo
pedágio e seguia rumo à serra.
Alíás, que diabo de país pra ter
tanto
pedágio. Vai pra puta que o
pariu.
Ok, de resto tudo estava
transcorrendo
maravilhosamente. Mas o meu
radar de soldado de repente me
alertou para um perigo que eu
sequer
imaginava o que era. É natural
que todo cidadão americano
tenha uma pulga
atrás da orelha, afinal parece
que o mundo inteiro quer nos
ferrar, né?
Então toda prudência é pouco.
Fiquei atento a tudo e reduzi a
velocidade
sobre a pista molhada. Adentrei
um túnel e por alguma razão
desconhecida,
senti um frio na espinha que
arrepiou todo meu corpo. Assim
que saí do
túnel, um frio glacial penetrou
minha jaqueta e mesmo sob as
grossas luvas
eu pude sentir minha mão quase
congelada. Estacionei a moto,
tirei meu
capacete e fui até a proteção
que dava vista para o absimo.
“Uau!”,
exclamei. Mesmo conhecendo
quase o mundo inteiro, aquilo
era de uma beleza
ímpar, mesmo sob a escuridão e
a neblina reinante. Respirei
fundo e senti o
ar frio penetrar meus pulmões.
Fiquei ali uns cinco minutos e
depois decidi
partir. Quando me voltei em
direção à moto, meu corpo
inteiro se arrepiou e
eu tomei um susto como nunca
antes tomara, nem sob o calor
das batalhas.
Num movimento automático
brusco, meu corpo reagiu na
defensiva e minha mão
buscou a arma, mas não a
encontrou. Fiquei estático a
olhar a figura que se
aproximava. Acreditem se
quiser, mas vindo do túnel em
minha direção, uma
garota. Completamente nua,
lenta e impassível, indiferente
ao frio
congelante. Tinha
aproximadamente 1 metro e 75
centímetros de altura. A
pele muito branca podia ser
vista mesmo sob aquela nablina.
Era algo anormal e
absolutamente atípico. Mas eu
era um mero
espectador, aquilo estava fora
de meu controle. Então ela
chegou e parou de
frente a mim. Senti um estranho
perfume no ar, mas não
conseguia
identificar o odor, era algo
único, exclusivo, inebriante e
sedutor. E de
repente ela me tocou a testa.
Fechei os olhos e uma tontura,
uma vertigem,
sei lá, tomou conta de meu
corpo inteiro. Minhas pernas
tremeram e eu senti
o mundo girar. No momento
seguinte caí no chão, e embora
consciente, eu não
via mais nada, exceto escuridão.
Escuridão e uma voz feminina
delicada que
sussurrava em meu ouvido
palavras desconexas que se
expandiam como ecos
perdidos num vale sem fim.
Subitamente senti como se
estivesse flutuando
sobre o vazio, sendo levado pelo
vento.
Parece que levou uma
eternidade até que eu abrisse
meus olhos. E lá
estava a menina, ajoelhada ao
meu lado, acariciando meu
rosto com sua mão
quente. Era estranho, mas o
tempo repentinamente tornara-
se estranhamente
claro. Eu podia ver a pequena
cachoeira que descia suave da
serra, assim
como conseguia ouvir os
pássaros alegres a cantar. E por
mais que tudo
aquilo fosse incompreensível,
nada era mais estonteante que
aquele corpo nu
a minha frente. Ela era apenas
uma menina, embora num
escultura corpo de
mulher. Seus olhos eram donos
de um profundo e penetrante
azul-turquesa, os
cabelos eram ruivos de um
avermelhado crepuscular, os
lábios eram carnudos
e rubros, a pele era branca
dourada de sol com sedutoras
sardas a pigmentar
sua face. Seus seios eram
durinhos, os biquinhos ousados
enrijecidos como
que envolvidos por um tesão
incontrolável. E por mais que
eu tentasse, não
conseguia entender o que uma
garota com traços
absolutamente germânicos
estava fazendo por ali
completamente pelada. Se fosse
uma menina de traços
típicos, já seria anormal. Mas
não era o caso, e as coisas se
tornavam
muito mais estranhas quando
levado em conta aquele silêncio
que tanto
falava.
Lentamente eu me sentei. O
chão era macio devido ao
gramado que beirava
aquele riacho. E ficamos quietos
a nos olhar, como que numa
análise mútua.
De repente ela abriu a boca
carnuda e eu ouvi um suspiro
entre dentes, algo
que voltou a me arrepiar
todinho. Então ela segurou os
cantos de minha
boca e foi conduzindo sua boca
em direção à minha. Sua boca
se uniu à
minha, então correspondi, a
respiração ofegante e o coração
batendo
descompassadamente num ritmo
alucinante. Pus a mão em seu
peitinho rígido e
quase fui à loucura. Ela desceu
então a boca pelo meu pescoço,
seguindo
pelo meu peito e parou em meu
umbigo, causando um frenesi
nunca antes
sentido por mim e acredito que por ninguém mais.
LEIA A CONTINUAÇÃO EM "TRANSEI COM UM FANTASMA! - PARTE FINAL"